por Rachel Bonino*

Alguns nomes, ingredientes e pratos da culinária brasileira podem dar um nó na cabeça. Tem produto usado no banho que foi parar na panela, pimenta que não é pimenta e nome de ingrediente que, com uma letra diferente, identificam produtos totalmente diversos. Conheça — e esclareça — algumas dessas confusões que tornam a nossa cozinha tão rica e especial e, no final da página, aprenda a preparar as receitas da chef Tanea Romão, do Kitanda Brasil, de Tiradentes (MG). 

Pimenta rosa não é pimenta

Ela tem nome, forma, cheiro e ardência característica das pimentas, mas não pertence às famílias das pimentas, ou seja, nem ao gênero Capsicum nem ao gênero Piper. A pimenta rosa, que é originária do gênero Schinus, é desses ingredientes que enganam a gente. Seu sabor suave conquistou o paladar europeu. Chamada de poivre rose, foi levada para a França, isso lá na década de 1970, quando ganhou fama dentro das preparações da Nouvelle Cuisine, explicam Silvestre Silva e Helena Tassara, no livro Frutas no Brasil (2001). O movimento revolucionou a alta cozinha com uma nova abordagem no uso de ingredientes e estética dos pratos. Por aqui é chamada de aroeira, aroeira-vermelha, aroeira-pimenteira e pimenta brasileira. Apesar de ser nativa do País, sua fama continua sendo maior na Europa, o que gera um fato intrigante: pode ser encontrada nos mercados das capitais brasileiras só que importada e com preços bem altos.

Gabiroba ou gariroba?
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Se você não nasceu no centro do País, pode se enrolar com o trava-língua: gabiroba ou gariroba? Ambas são plantas muito diferentes, apesar de existirem no mesmo bioma (embora a primeira também seja encontrada na Mata Atlântica). A gabiroba é arbusto da mesma família das goiabeiras e jabuticabeiras, a das Mirtáceas, e gera frutos pequenos e amarelos, mais consumidos in natura. Já a gariroba é palmeira de palmito amargo e muito consumido em conserva e picado no recheio do empadão goiano. Para confundir ainda mais, é também conhecida por: guariroba, gueriroba, gueroba, palmito-amargoso, catolé, coco-babão, segundo listou o livro Plantas alimentícias não convencionais (Panc) no Brasil (2014), de Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi. Em comum entre elas, apenas o amargor: o sabor da semente da frutinha da gabiroba beira até o picante e, se for fazer suco, melhor não triturar o caroço junto com a polpa. O palmito é amargoso tanto na versão in natura quanto na conserva.

Caruru: ingrediente e prato

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Taí um caso em que o nome do ingrediente é igual ao nome do preparado — e não é por acaso. Responsável por um dos primeiros registros da culinária afro-brasileira da Bahia, o autor Manuel Querino descreveu, em 1928, em seu A arte culinária na Bahia, receita de caruru que podia “ser feito de quiabos, mostarda ou de taioba, ou de oió, ou de outras gramíneas que a isso se prestem, como (…) o bredo de Santo Antônio, capeba, etc…” O bredo mencionado é um dos vários sinônimos para a hortaliça nomeada caruru, nativa das Américas e que cresce espontaneamente por todo o Brasil. Os “silvícolas”, como menciona Querino, faziam pasta de farinha de mandioca e peixe assado pisado com cariru ou caruru, preparo que se assemelha muito com o caruru das cozinheiras baianas. Assim, o caruru poderia ser feito de caruru, caso não houvesse outras opções de verduras ou de quiabo, mas sempre um ingrediente com baba, para garantir a consistência pastosa tão característica desse tipo de guisado.

Moqueca seca e caldosa

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Em seu Vocabulário Português-Nheengatu Nheengatu-Português (1929), o italiano Ermanno Stradelli compilou e traduziu palavras nativas da língua falada no Brasil no século 19, na região amazônica. Lá consta que o significado de “mukeca, pupeca” é “envolvido, coberto, (…) embrulho feito de folhas verdes para embrulhar peixinhos destinados a ser moqueados” e também “massa de farinha de milho embrulhada de folhas de arumã para ser cozida e servir caxiri de milho”. Este e outros registros afirmam a origem indígena da moqueca, uma comida à base de peixe “sem caldo ou molho, secas, envoltas em folhas de coqueiro ou de bananeira, e assadas em fogo lento ou no borralho”, pontua Câmara Cascudo em seu livro História da alimentação no Brasil (1967). É a “moqueca folheada”, credita. Nas mãos afro-brasileiras, foi para a panela de barro, ganhou sumo e muito tempero: “sal, pimenta-malagueta, coentro, limão (de preferência vinagre), tomate e cebola, moído tudo em um prato, molho este derramado sobre as postas de peixe”, detalha Manuel Querino, em seu livro A arte culinária na Bahia (1928).

Ora-pro-nóbis é cacto?

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Quem olha para o ora-pro-nóbis, uma trepadeira com folhas que lembram as da laranjeira, nunca poderia imaginar que se trata de um cacto. “O gênero Pereskia, ao qual pertence o ora-pro-nóbis, é o único entre as cactáceas que possui ‘folhas verdadeiras’. Em outros cactos, as folhas se transformaram em espinhos e pelos, e o caule é que faz a fotossíntese”, explica o biólogo Valdely Ferreira Kinupp, um dos autores do livro Plantas alimentícias não-convencionais (Pancs) do Brasil (2014). Originário das Américas, o ora-pro-nóbis é uma planta que se adaptou aos ambientes mais úmidos, daí sua aparência ser tão similar a das demais da Mata Atlântica, por exemplo. Em comum com os cactos convencionais, há apenas a estrutura das flores e dos espinhos. Mas Kinupp também aponta outra característica que aproxima o ora-pro-nóbis dos familiares que vivem em locais mais secos: a mucilagem que aparece quando cortamos as folhas da planta, que mostra sua capacidade de armazenar água.

Cumaru, patchouli e priprioca: do banho para a cozinha

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Graças ao interesse e pesquisa de chefs como Alex Atala, ingredientes amazônicos como cumaru, patchouli e priprioca entraram no repertório culinário nacional. O curioso é que nem todos esses produtos são reconhecidos como alimento no Norte do País, seu local de origem. Para a maioria dos paraenses, por exemplo, os três citados ainda são sinônimos de remédio ou de banho de cheiro. No Ver-o-Peso, feira livre de Belém (PA), eles ainda são encontrados apenas nas barracas das Cheirosas, mulheres que vendem compostos para perfumar e curar males do corpo, segundo as tradições indígenas. A ‘erveira’ Clotilde Melo de Souza nem estranha mais quando algum cozinheiro compra ervas para colocar na comida. “Eu mesma nunca cozinhei com nada disso, só chá, mesmo”. Ela explica que o de cumaru é bom para “tirar gordura do fígado”, o de patchouli, para aplacar a pressão e o colesterol altos, e a priprioca, ninguém bebe — só é usada para compor o “cheiro do Pará”, pó que mistura os demais e outras ervas e que serve para perfumar armários e fazer banho.

 

caruru mineiro

por Tanea Romão, do Kitanda Brasil

200 ml de leite de coco
50 g de castanha de baru
50 g de amendoim torrado sem casca e sem sal
130 g de tomate sem pele e com sementes
1 dente de alho
10 g de gengibre
3 colheres (sopa) de óleo de girassol
150 g de cebola em fatias finas
500 g de ora-pro-nóbis cortado em fatias finas
150 g de folhas de caruru
800 ml de água
sal a gosto
raspas de 1 limão

caruru mineiro

Em um liquidificador, bata o leite de coco, a castanha de baru, o amendoim, o tomate, o alho e o gengibre e reserve. Em uma panela grande, aqueça o óleo de girassol e, quando estiver quente, doure a cebola. Em seguida, acrescente o ora-pro-nóbis e as folhas de caruru. Acrescente a mistura batida no liquidificador e, aos poucos, adicione a água. Cozinhe por 30 minutos em fogo baixo. Desligue e acrescente sal a gosto e as raspas de limão.

para servir

Sirva com polenta mole ou purê de mandioca.

rendimento 6 porções; preparo 1h; execução fácil
 

creme de manga com pimenta rosa

por Tanea Romão, do Kitanda Brasil

 

600 g de manga madura
5 g de pimenta rosa
180 g de açúcar

creme de manga com pimenta rosa

Descasque a manga e corte-a em cubos. Esfregue a pimenta rosa entre as mãos para que solte a película que protege o grão. Misture todos os ingredientes e leve ao fogo baixo por aproximadamente 20 minutos. Retire do fogo e coloque em potes com tampa. Deixe esfriar e leve à geladeira.

para servir

Sirva como se fosse uma geleia. Também pode acompanhar um manjar de coco.

rendimento 600 g; preparo 30 minutos; execução muito fácil

* Reportagem da série Sacola Brasileira, publicada na edição 205