15/01/2017 - 10:00
por Suzana Barelli*
Pedra infinita. A expressão é poética e soou como música aos ouvidos de Sebastián Zuccardi, da terceira geração da família nos vinhos, que buscava um nome para sua nova finca, em Paraje Altamira, no vale de Uco, na Argentina. Pedras não faltam por lá – a estimativa de que seriam necessários 300 caminhões para retirá-las durante a construção da vinícola se mostrou conservadora e foram contratados mais de mil caminhões. “Elas não acabavam mais”, lembra-se José Alberto Zuccardi, dono da vinícola e pai de Sebastían. Redondas, grandes e pequenas, as pedras também são presença marcante no solo dessa promissora zona aos pés da Cordilheira dos Andes. A definição final do nome veio com a lembrança de que o maior poema de Jorge Enrique Ramponi, um dos grandes poetas mendocinos, se chama, Piedra Infinita.
Assim, a finca, a vinícola e um tinto elaborado apenas com a malbec plantada nesse terreno ganharam o nome poético de Piedra Infinita. À vinícola, inaugurada oficialmente no final de março deste ano, em um investimento de US$ 15 milhões, cabe o papel de traduzir a poesia do vinhedo e de transformar em bons vinhos as uvas plantadas nos vale do Uco – sua capacidade permite elaborar 600 mil litros de vinho a cada safra.
“A vinícola é a extensão do vinhedo”, resume Sebastían. Uma visita ao seu interior não deixa dúvidas disso. Lá não há lugar para os enormes tanques de inox, muito utilizados na elaboração e na conservação dos vinhos, como os que marcam a primeira vinícola dos Zuccardi, em Maipú, onde atualmente é feita a marca Santa Julia. Em Altamira, só existem tanques pequenos, entre 2 mil e 10 mil litros, em tamanhos que permitem receber uvas de cada parcela do vinhedo e vinificá-las separadamente. Em suas ânforas, cabem 3 mil litros; nos tanques em formato de ovo, 2 mil litros; e nas piletas de forma trancocônicas, de 5 mil a 10 mil litros. Na sala de barricas, os tintos podem envelhecer em barris de 500 litros ou tonéis de 2,5 mil litros.
E, para conseguir vinificar juntas as uvas com características semelhantes, a equipe de Zuccardi investe para conhecer, ao máximo, o que tem embaixo da terra – o chileno Pedro Parra, um dos grandes especialistas em terroir, por exemplo, é consultor da vinícola. Isso significa elaborar estudos de condução eletromagnética no solo, analisar imagens de satélite e abrir incontáveis calicatas, aqueles buracos nos vinhedos que permite conhecer o subsolo e o comportamento das raízes. “Antes, sabíamos que as uvas dessa região eram melhores, mas não sabíamos por qual razão”, lembra Sebastián.
No vale do Uco, o solo é aluvial, mas, como os estudos mostraram, há diferenças entre as parcelas de vinhas. “Há zonas muito boas, mas nem todas. É preciso conhecer mesmo o vinhedo”, conta Parra. No vinhedo de San Pablo, plantado a 1.400 metros do nível do mar, o solo tem uma fina camada de areia e depois traz pedras de tamanho médio cobertas com material calcário. Em La Consulta (a 1.000 metros), o subsolo é arenoso com pequenas pedras. Altamira (a 1.100 metros) tem solo mais heterogêneo, com uma pequena camada arenosa seguida de pedras médias e grandes com muito material calcário. Em Gualtallary (a 1.300 metros), reina o calcário em um solo de pedras pequenas e médias.
As características da malbec em solos diferentes revelam-se na taça e indica que o caminho de vinificar por parcelas de uvas semelhantes é promissor – essa é uma direção que não só Sebastián está seguindo, como quase toda a sua geração de enólogos argentinos. Em uma degustação na véspera da inauguração da vinícola com cinco malbec, vinificados da mesma maneira, as diferenças de terroir ficam claras. O tinto de San Pablo era o menos alcoólico do painel (menos de 13% de álcool), com notas de frutas negras, especiarias. “San Pablo é um vinhedo de extremos e o calcário traz maior textura ao vinho”, diz Sebastián. O vinho de Altamira se mostrou com mais taninos, seco. O de Gualtallary, apesar de mais fechado em aromas, tinha notas florais, intensas, com enorme frescor.
É esse conhecimento do terreno que torna a nova vinícola tão marcante. Mas há outros, como o concreto que reina em seu interior. Todos os tanques são de concreto, sempre em formatos arredondados. “Não há formas quadradas na natureza”, gosta de lembrar José Alberto. O concreto, moldado com pedra da própria
vinícola e areia e água do rio Tunuyán, dá o tom da vinícola. Seus tanques têm paredes grossas que permitem a maior estabilidade térmica e a desejável micro-oxigenação. “Atualmente, prefiro trabalhar com concreto do que com tanques de inox”, diz o enólogo italiano Alberto Antonini, sócio da argentina Alto Las Hormigas e uma das várias personalidades presentes na inauguração da vinícola.
E, na última etapa da construção da vinícola – a obra começou em 2013 – foram feitos lagares de concreto, para a vinificação de alguns dos vinhos. Na taça, os tintos da Zuccardi, importados pela Ravin, mostram que conhecer melhor as peculiaridades de cada vinhedo e ter boas condições para vinificá-lo é um caminho promissor para os vinhos do país. O Piedra Infinita 2013 a propósito, deve chegar ao Brasil nesse segundo semestre, com preço estimado em R$ 1.100.
*Reportagem publicada na edição 206