15/09/2016 - 12:40
por Pedro Marques*
Se tem uma coisa que os italianos sabem fazer muito bem é produzir bons ingredientes – mesmo aqueles que não nasceram por lá, como abobrinha, berinjela e tomate, oriundos da América. O mesmo vale para o arroz. De origem asiática, o alimento viajou para o Oriente Médio e para cidades do Império Romano, entre 200 a.C. e 300 d.C. Na época, era considerado uma iguaria cara, pois era importado da Índia e tinha uso apenas medicinal. Foi só no século 15 que o arroz se fixou nas planícies do norte da Itália, mais especificamente na Lombardia, graças ao então duque de Milão, Galeazzo Maria Sforza, que ordenou que o cereal fosse cultivado na região do vale do rio Pó.
As mudanças que fizeram o arroz italiano ser reconhecido por sua qualidade ao redor do mundo, no entanto, só vieram a acontecer no século 19. Em 1839, o padre jesuíta Calleri trouxe 43 variedades de arrozes das Filipinas, onde atuou como missionário. A partir do cruzamento de diferentes grãos da família japônica (a mesma do arroz para sushi), Calleri chegou a três variadedes que mais bem se adaptaram ao solo e clima local: arbório, carnaroli e vialone nano. Outro impulso ao cultivo do arroz aconteceu em 1853, quando Camillo Benso, o conde de Cavour, um dos líderes da unificação da Itália e que chegou a ser primeiro-ministro do país, determinou a construção de um canal de irrigação no vale do Pó. O sistema levou 13 anos para ser concluído e permitiu que uma área de cerca de 230 mil hectares fosse irrigada e utilizada na plantação de arroz – não à toa, o sistema foi batizado de Canal Cavour, nome também bastante presente nas ruas de Milão.
Foi nessa área, no norte do país, que floresceu praticamente toda a indústria arrozeira italiana, desde as plantações até o comércio e o processamento do cereal, tanto para o consumo interno quanto para a exportação (cerca de 50% do arroz italiano é exportado). Os fazendeiros italianos colheram 1,43 milhão de toneladas de arroz em 2013, segundo os dados mais recentes da FAO (braço das Nações Unidas para a alimentação e agricultura), o que faz a Itália o maior produtor do cereal da Europa (ainda assim, o país é responsável por apenas 0,6% da produção mundial – a maior parte está na Ásia).
Depois da colheita, produtores e processadores negociam os grãos na Bolsa do Arroz, que fica em um prédio do início do século 20, na cidade de Vercelli, a cerca de 90 km de Milão. “Os produtores trazem para a bolsa amostras de seus grãos. Com base no tamanho e qualidade, entre outros fatores, as empresas compram a safra antes mesmo dela ser plantada”, explica Alejandro Titiunik, gerente de exportação da Riso Gallo (conhecida como Riso Inverni na América do Sul), que com mais de 150 anos é a maior empresa italiana processadora e exportadora de arrozes arbóreo, carnaroli e vialone nano.
A empresa compra cerca de 120 mil toneladas de arroz não-processado e, em sua sede, em Robbio, separa os grãos de acordo com a qualidade (usando inclusive mecanismos a laser), que depois são embalados a vácuo e colocados em caixinhas que serão consumidas tanto na Itália quanto em outros mercados – a Riso Gallo exporta 30% de sua produção para 74 países, entre eles o Brasil. Os grãos que não são assim tão bons podem receber diversos fins e serem usados em produtos como risotos instantâneos e até transformados em uma espécie de farinha, que é usada como combustível e gera energia elétrica para a fábrica da empresa.
Pelo forte apelo da produção na região norte, os pratos com arroz – entre eles o risoto – se popularizaram. “Como o melhor arroz da Itália vem da Lombardia, lá se dá muita importância aos pratos com o grão”, explica Pier Paolo Picchi, chef italiano radicado no Brasil e que comanda o restaurante que leva seu sobrenome, em São Paulo. É ele o responsável por preparar as quatro receitas que acompanham esta reportagem (confira abaixo). Entre elas, não poderia faltar o clássico risoto milanês, temperado com açafrão e de cor bem dourada. Há também receitas menos conhecidas dos brasileiros, como o riso al salto (uma espécie de bolinho de arroz dourado na frigideira), o arancini recheado com ragu (bolinho de arroz recheado com cozido de carne) e os polpettini de arroz, servidos em caldo. “Essas porpetinhas são versão mais modernas que estão aparecendo nos restaurantes”, afirma Picchi. E o mais curioso, como o chef explica, é que os italianos não costumam comer o arroz cozido como nós. Confira mais dicas abaixo e boa cozinha!
Risoto caprichado
Confira a seguir algumas dicas para obter um perfeito prato de arroz italiano
* os arrozes arbório e carnaroli são os mais indicados para risotos com vegetais. O vialone nano é mais recomendados para pratos mais cremosos e com frutos do mar
* nunca lave o arroz: isso retira o amido necessário para dar cremosidade ao prato
* o caldo varia de acordo com os ingredientes. Os de carne e legumes são usados na maioria dos risotos. Já o de peixe entra apenas nos pratos que levam frutos do mar
*não importa o tipo, o caldo sempre deve estar fervendo para cozinhar bem o arroz. Se o caldo acabar durante o preparo do risoto, use água fervente
*ao contrário do que se fala, não é preciso mexer sempre o arroz. Mexer o conteúdo da panela de vez em quando já é suficiente
*para finalizar, a regra clássica manda misturar manteiga e queijo ralado para dar cremosidade ao prato. De dez anos para cá, porém, muitos chefs passaram a usar azeite extravirgem no lugar dessa combinação, o que pode ser uma boa pedida para finalizar receitas com frutos do mar, que não levam queijo, segundo a tradição italiana. Outra vantagem, explica Pier Paolo Picchi, é que o risoto fica mais leve. O sabor do azeite, entretanto, pode interferir – ou seja, use sempre um azeite de boa qualidade.
riso al salto
por Pier Paolo Picchi, do Picchi
100 g de arroz carnaroli
Quanto baste de água fervente
Tomilho, alecrim, sálvia, salsa e manjericão picados, a gosto
40 g de parmesão
40 g de manteiga
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Quanto baste de azeite extravirgem
riso al salto
Em uma panela levada ao fogo médio, adicione o arroz e coloque a água aos poucos, por 45 minutos. Após este tempo, adicione as ervas picadas, o parmesão, a manteiga, o sal e a pimenta-do-reino, deixando-o bem cremoso. Em seguida, retire o arroz do fogo e divida-o em 2 formas pequenas. Deixe descansar até esfriar, cerca de meia hora. Aqueça uma frigideira em fogo alto, coloque um fio de azeite, desenforme o arroz e leve-o à frigideira para dourar.
para servir
Sirva como acompanhamento de carnes e aves ou como uma entrada
rendimento 2 porções; preparo 1h30; execução fácil
risoto milanês
por Pier Paolo Picchi, do Picchi
10 ml de azeite extravirgem
1 dente de alho amassado
10 g de cebola picada
180 g de arroz carnaroli
30 ml de vinho branco
Quanto baste de água fervente
Açafrão a gosto
80 g de parmesão
70 g de manteiga
Sal a gosto e pimenta-do-reino a gosto
risoto milanês
Em uma panela, coloque o azeite, o alho e a cebola picada. Leve ao fogo médio-alto até dourar o alho e a cebola e, em seguida, adicione o arroz e o vinho branco. Deixe o álcool evaporar e, em seguida, acrescente água fervente aos poucos, até ficar al dente, mexendo sempre com uma colher. Acrescente o açafrão, o parmesão e a manteiga e tempere com o sal e a pimenta-do-reino.
para servir
espere esfriar por 1 minuto e sirva em um prato fundo.
rendimento 2 porções; preparo 30 minutos; execução fácil
arancini al ragu
por Pier Paolo Picchi, do Picchi
200 g de arroz carnaroli cozido
200 g de ragu de linguiça
Quanto baste de farinha de rosca
Quanto baste de óleo vegetal (canola, girassol, milho, soja, etc.)
arroz carnaroli
100 g de arroz carnaroli
40 g de parmesão
40 g de manteiga
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Tomilho, alecrim, sálvia, salsa e manjericão picados, a gosto;
ragu de lingüiça
100 g de linguiça toscana
Quanto baste de óleo vegetal (canola, girassol, milho, soja, etc.)
50 ml de vinho branco
1 dente de alho
10 g de cebola picada
50 g de molho de tomate
Manjericão a gosto
Sal e pimenta-do-reino a gosto
arroz carnaroli
Em uma panela levada ao fogo médio, adicione o arroz e coloque a água aos poucos, por 45 minutos. Após este tempo, adicione as ervas picadas, o parmesão, a manteiga, o sal e a pimenta-do-reino, deixando-o bem cremoso. Em seguida, retire o arroz do fogo e coloque-o em formas. Deixe descansar até esfriar, cerca de meia hora.
ragu
Retire a pela das linguiças e pique-as grosseiramente. Leve uma panela ao fogo alto e aqueça um fio de óleo. Quando estiver quente, doure a linguiça até começar a grudar no fundo da panela. Adicione o vinho branco e deixe evaporar. Retire do fogo e reserve. Em outra panela levada ao fogo alto, aqueça um fio de óleo e doure a cebola e o alho. Junte a linguiça já refogada nessa mistura e o restante dos ingredientes. Cozinhe por 5 minutos, tire do fogo e reserve até esfriar.
arancini al ragu
Quando o arroz e o ragu estiverem frios, faça bolinhas de arroz recheadas com o ragu. Passe as bolinhas na farinha de rosca e frite-as em óleo quente até ficarem bem douradas.
para servir
Sirva os arancinis imediamente, como uma entrada ou petisco.
rendimento 2 porções; preparo 2h; execução fácil
polpetine riso
por Pier Paolo Picchi, do Picchi
150 g de arroz carnaroli
Quanto baste de água fervente
100 g de linguiça toscana
Quanto baste de azeite extravirgem
500 ml de brodo
Sal e pimenta-do-reino a gosto
polpetine riso
Coloque o arroz em uma panela e, aos poucos, adicione água por 35 minutos. Acerte o sal e a pimenta-do-reino e deixe amornar. Retire a pele da linguiça e pique-a grosseiramente. Em seguida, doure a linguiça em uma frigideira levada ao fogo alto com um pouco de azeite. Reserve. Assim que o arroz amornar, faça pequenas bolas de arroz e reserve. Aqueça o brodo e acrescente as bolinhas de arroz.
para servir
Transfira o brodo com os polpetines para uma travessa e acrescente a linguiça picada e dourada. Sirva em seguida.
rendimento 2 porções; preparo 1h30; execução fácil
Picchi
rua Oscar Freire, 533 – Jardins (veja no mapa)
(11) 3065-5560 – São Paulo – SP
*Reportagem publicada na edição 207. E o jornalista viajou à convite da Riso Gallo