16/05/2017 - 13:49
por Cintia Oliveira*
Apesar de a culinária japonesa estar inserida no cardápio de muitos brasileiros — vale considerar o grande número de rodízio de sushis que pipocam nas principais cidades do País — pouco se sabe sobre os doces dessa cultura oriental. Você pode até ter ouvido falar no yokan, elaborado com feijão azuki e ágar-ágar (gelatina de algas), e no mochi, bolinho feito com arroz glutinoso, que fazem parte da confeitaria conhecida como wagashi — gênero que carrega uma tradição de séculos no Japão. Mas essa é apenas uma das faces da doçaria japonesa.
A outra, de inspiração francesa e apelo popular, é a yogashi, versão ocidentalizada da confeitaria nipônica, que tem começado a conquistar os paladares daqui, representada por sobremesas ícones, como a choux cream (espécie de massa choux com crème légère) e o short cake (bolo com morango e chantilly). “O wagashi é um doce consumido em ocasiões mais formais, como a cerimônia do chá, por exemplo. Exigem-se anos de treino para fazer e tem um jeito correto de comer. Já a yogashi não tem cerimônia: está presente no dia a dia do japonês”, explica a chef pâtissière japonesa Saiko Izawa, d’A Casa do Porco, de São Paulo.
À primeira vista, não é possível notar a diferença entre uma sobremesa clássica francesa e uma japonesa — basta folhear um livro de confeitaria do Japão para encontrar receitas como charlottes, crème renversée e opéra. E nas ruas de capitais como Tóquio, por exemplo, há filiais de pâtisseries tradicionais francesas, como Pierre Hermè, Jean-Paul Hévin e Ladurée.
Influências como estas começaram a chegar ao Japão no final do século 19. “Com a abertura do país para o mundo durante a era Meiji (1868-1912), apareceram os primeiros doces ocidentais trazidos de navio. Mas os doces ocidentais como vemos hoje em dia chegaram, sobretudo, depois da Segunda Guerra, com a ocupação norte-americana no território japonês”, explica Mari Hirata, chef e especialista em cultura japonesa.
Como toda incorporação cultural envolve uma adaptação, as sobremesas de sotaque francês tornaram-se menos açucaradas para o paladar nipônico. E também ganharam o reforço de frutas frescas. “A quantidade de açúcar é muitas vezes menos da metade da receita clássica. E as frutas não podem faltar nos doces japoneses: trazem acidez e reduzem o dulçor, o que é uma tendência mundial”, observa Mari.
Essa fusão das duas culturas em doces não é novidade e já faz sucesso além das fronteiras japonesas. Um exemplo é o chef pâtissier Sadaharu Aoki, um dos representantes mais famosos da confeitaria yogashi, que tem uma confeitaria homônima em Paris na qual apresenta ingredientes como matcha (chá-verde) em receitas tradicionais francesas, como entremets e croissants. Já no Brasil, assim como outros pratos como lámen e yakiniko (leia mais na edição 204 da Menu), até pouco tempo atrás a confeitaria japonesa mantinha-se nos redutos nipônicos. Saiko, por exemplo, ingressou na confeitaria há quase duas décadas fazendo doces como choux cream sob encomenda para a comunidade japonesa. Hoje, a chef pâtissière Vivianne Wakuda, de São Paulo, segue o mesmo caminho, mas seus doces atingem um público mais amplo, em endereços que vão desde os restaurantes Aizomê (onde fica sua base de trabalho) e Hirá Ramen Izakaya até A Loja do Chá, todos em São Paulo. “No começo, quem não está acostumado estranha um pouco o sabor menos açucarado e os ingredientes, mas, aos poucos, esses doces estão alcançando consumidores cada vez mais heterogêneos”, explica ela. Para Vivianne, os doces yogashi podem conquistar brasileiro. “No Japão, a gente usava frutas que vinham do Brasil. Aqui, com a infinidade de frutas que temos, tem tudo para dar certo”, complementa ela.
Para entender melhor a confeitaria yogashi, nada melhor do que colocá-la em prática. Por isso, convidamos as chefs Saiko e Vivianne para mostrar o preparo de algumas de suas receitas de sucesso (confira as receitas aqui). A primeira apresenta sobremesas inspiradas no frescor e na delicadeza da confeitaria yogashi, como o sorvete de gengibre com frutas verdes e amarelas, a verrine de matcha e a musse de chocolate com rum e passas, que fazem parte do cardápio d’A Casa do Porco — os sorvetes também estarão na sorveteria que irá inaugurar em parceria com os chefs Jefferson e Janaina Rueda no ano que vem, em São Paulo. Já Vivianne reproduz alguns clássicos yogashi, como a choux cream, que ganha o reforço do gergelim preto e o recheio de milho doce, a mil crepes de chá earl grey, matcha soufflé cheesecake com calda de yuzu e, já que é aniversário da Menu, não poderia faltar um bolo: o clássico short cake, feito com morango e chantilly.
A Casa do Porco
rua Araújo, 124 – República (veja no mapa)
(11) 3258-2578 – São Paulo – SP
Vivianne Wakuda
alameda Fernão Cardim, 39 – Jardim Paulista (veja no mapa)
(11) 96488-7708 – São Paulo – SP
* Reportagem publicada na edição 212