12/08/2011 - 13:22
Por Rachel Bonino
A nutricionista Neide Rigo é uma pesquisadora nata. Gosta de andar pelas ruas da Lapa paulistana, bairro em que mora, a procura de ingredientes e, também, de inspiração gastronômicas. Muitas destas aventuras e “descobertas”, ela compartilha em seu blog Come-se (http://come-se.blogspot.com/). Algumas, ela contou para a jornalista Rachel Bonino, ao ser entrevistada sobre cuscuz – uma das reportagem da edição de agosto da Menu.
Em Santa Catarina, Neide localizou, por exemplo, a bijajica, um cuscuz de massa de mandioca com amendoim cru e açúcar mascavo. Típico das cidades Garopaba e Paulo Lopes, vira um bolo doce saído quente da cuscuzeira. Próximo dali, no Paraná, também há o cuscuz de mandipuva. Feito da farinha da mandioca fermentada e espremida, é cozido no vapor. Pode levar só sal, erva doce e canela, ou então amendoim, ovos e banha de porco.
Já a sanga do arroz (tipo de quirera, que é subproduto da socagem do pilão) é a base para receita de cuscuz típico da cidade de Eldorado, no interior de São Paulo. Neide conta que viu uma versão salgada com amendoim torrado e outra, doce, com o mesmo amendoim ou coco. “Estranhei o arroz em vez do milho ou da mandioca, mas é que o cereal foi introduzido na região do Rio Ribeira de Iguape no século 18 e, em 1830, já era o produto local mais exportado para outros estados”, registrou em seu blog.
Na cidade de Conceição de Almeida, no Recôncavo Baiano, soube, por exemplo, de receita de cuscuz de inhame (ou cará). Lá o tubérculo é cozido em ponto firme e, depois de frio, é ralado e misturado a farinha de mandioca bem branca, o tipo Copioba. Feito no vapor, na cuscuzeira, “fica uma delícia, especialmente depois de morno ou frio, regado com leite de coco levemente adocicado”, afirma.
Além de colecionar receitas por suas andanças pelo Brasil, Neide também gosta de testar farinhas com potencial para se transformar em nova versão de cuscuz. Uma de suas descobertas foi o resultado conquistado com a farinha-d’água da cidade de Uarini (a três dias de Manaus ou 2 horas de barco, de Tefé – AM), ou chamada também de ova e ovinha, por ser parecida com ovas de peixe. “Eu visitei o Mercado Municipal de Manaus e vi as farinhas. O formato me pareceu um pouco com o do cuscuz marroquino”, recorda, em entrevista para a Menu. Além disso, também a produção era similar: as bolinhas da farinha amazonense são pré-cozidas, assim como as de sêmola, base para o cuscuz marroquino. Trata-se de uma farinha-d’água, feita com mandioca prensada e que passa por uma emboladeira – duas placas de madeira ou metal rolam uma sobre a outra com a massa entre elas, formando bolinhas, que depois são cozidas ou torradas em chapa quente como qualquer outra farinha de mandioca. “Então bastaria hidratar com líquido fervente que estas bolinhas ficariam macias. Daí para produzir o cuscuz foi um passo”, conta. Antes disso, em Uarini, a farinha só era usada salpicada em cima de qualquer comida. Assim que testou a novidade, apresentou a iguaria para Mara Salles, que, entusiasmada, criou a sua receita de cuscuz amazônico. Inspirada pelo sabor ácido da farinha, ela agregou aromas de pimenta, chicória do Pará (que é uma erva), além de camarões e tomates. A receita entra vez ou outra no cardápio do restaurante. “O cuscuz [de sêmola] tem um aspecto mais padronizado, com bolinhas mais uniformes. Já a farinha de Uarini é bem artesanal”, avalia.
A nutricionista também já se aventurou a criar uma nova farinha e, a partir daí, um novo cuscuz: o de risilho – nome que ela mesmo inventou para tipo de quirera à base de arroz. Surgiu de uma bateria de testes para criar receitas sem trigo. Primeiro, cozinhou dois tipos, o integral cateto comum misturado ao vermelho. Passou os grãos por peneiras de diferentes malhas e deixou secar. Com aqueles de tamanho médio a grande, inventou uma versão de cuscuz. Misturou a legumes e temperos, e hidratou com água em uma panela tampada. Aí, desprendeu a massa compactada com um garfo. “Nunca cozinhei o risilho na cuscuzeira. Mas acho que precisaria ser hidratado antes. Os grãos são muito duros”, avalia.
Em fevereiro deste ano, Neide fez viagem para o Senegal. Ficou impressionada com a profusão de farinhas: “Descobri que eles adoram cuscuz e qualquer grão que possa ser subdividido em grãozinhos menores. Aproveitam tudo pra fazer cuscuz”, conta. Na mala trouxe muitos tipos de farinha para testar no Brasil, como as de fonio (tipo de milhete), de sorgo, de trigo, de milhete e de niebe (feijão fradinho).
A farofa úmida e fumegante de qualquer tipo de cuscuz estimula, além de experimentações com farinhas mil, também montagens diferentes com ingredientes variados. A banqueteira Ana Soares chama de cuscuz “apolentado” a massa de farinha de sêmola feita na panela, como o paulista, intercalada com camadas de ossobuco, linguiça ou pato. Também já fez teste – só que no vapor – com quinua e trigo para quibe. Fruto de ideias surgidas no meio da produção de outros pratos ou em testes sem grandes compromissos com procedimentos tradicionais. “Quase linguagem metafísica!”, brinca.
Cozinho no vapor, hidratado em caldo quente ou misturado na panela, o cuscuz ganhou espaço cativo na cultura brasileira. IHimmmmkhjhggfgggE é assim na base da curiosidade de cabeças gourmet que outros cuscuzes serão divulgados, e outros tantos criados Brasil afora.