07/07/2017 - 8:00
por Cintia Oliveira*
Quando o inglês John Montagu, o conde de Sandwich (1718-1792), teve a brilhante ideia de colocar um pedaço de carne entre duas fatias de pão, mal sabia ele que havia criado uma das receitas mais democráticas do mundo. O sanduíche ganhou o mundo, com suas infinitas versões. E não poderia ser diferente no Brasil.
Nosso famoso acarajé, por exemplo, até se encaixaria nessa categoria. “A receita com recheio de vatapá, caruru e tomate poderia ser classificada como uma versão brasileira do sanduíche”, afirma o professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, Maurício Lopes. Mas é nos balcões das padarias e nas portas dos estádios que o sanduíche tradicional ganhou inúmeras versões, influenciadas pelos imigrantes. “Os sanduíches brasileiros podem ter o DNA sírio, como o caso do beirute, ou italiano, como o sanduíche de mortadela, mas têm uma identidade brasileira, pelo modo de preparo e uso de ingredientes nacionais”, afirma Eduardo Mandel, coautor do livro Sanduíches especiais: receitas clássicas e contemporâneas (Editora Senac-SP).
As invencionices estão espalhadas por todo o País: os norte-americanos cheeseburger e hot-dog viraram, respectivamente, x-caboclinho em Manaus (AM) e cachorro-quente nordestino, que se marca presença em toda a região. “Na minha infância, colocava manteiga de garrafa como se fosse ketchup”, conta o chef paraibano Carlos Ribeiro, do restaurante Na Cozinha, de São Paulo. E muitos desses ícones nacionais são carregados de histórias — tanto que lanches paulistanos, como o beirute do Frevo e o arais do Carlinhos, foram tema de festival da Lanchonete da Cidade, em São Paulo, no fim do ano passado. “Nossa ideia foi homenagear esses sanduíches que carregam a cultura gastronômica”, conta o chef Benny Novak, à frente da gastronomia da Cia. Tradicional de Comércio. A seguir, confira a seleção brasileira feita pelo chef Ribeiro:
Churrasco com vinagrete
O lanche com filé de carne (foto acima) é daqueles sanduíches de beira de estrada, capaz de conquistar os apaixonados por churrasco. Encontrado, geralmente, no Sudeste do Brasil, o lanche servido em pão francês pode ser escoltado tanto por queijo quanto por vinagrete.
Bauru
Preparado com rosbife, tomate, pepino em conserva e creme de queijos fundidos, o bauru (foto abaixo, ao fundo) foi criado pelo radialista Casimiro Pinto Neto no final da década de 1930 no balcão do Ponto Chic, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo. Com o tempo, o sanduíche ganhou outras versões nos balcões de padaria, em que o rosbife é substituído pelo presunto.
Beirute
De libanês, esse sanduíche só tem o nome. Feito de rosbife com queijo e tomate, e servido no pão sírio, é uma invenção brasileira e teria sido criada no extinto restaurante Bambi, em São Paulo, na década de 1950. Mas o sanduíche (foto acima, à frente), que pode ter inúmeros recheios, também tornou-se especialidade da lanchonete Frevo, que existe até hoje.
X-caboclinho
Queijo coalho e tucumã — fruto típico da Amazônia que tem sabor que lembra o palmito fresco e o coco – são a base do x-caboclinho (ou x-caboquinho, foto abaixo, à dir.), um dos ícones da culinária de Manaus (e pode ganhar o reforço da banana-pacova frita). Trata-se de um sanduíche restrito à capital amazonense, já que é difícil encontrar o fruto em outras regiões do País.
Cachorro-quente nordestino
O clássico hot-dog norte-americano também tem a sua versão tupiniquim (foto acima, à esq.), feita de salsicha, carne moída temperada com cominho, vinagrete, ovo de codorna e queijo coalho ralado, servido em pão de leite. E a manteiga de garrafa faz às vezes do ketchup – afinal, é um ícone do Nordeste brasileiro.
Carne louca
Tão indispensável quanto o brigadeiro numa festinha de aniversário, o sanduíche de carne louca (foto abaixo), servido em minipão francês, tem ascendência italiana. A receita seria parente da carne lessa, receita à base de carne cozida e desfiada.
Buraco quente
Outro sanduíche que não pode faltar nas comemorações infantis é o buraco quente (foto acima), feito de carne moída e molho de tomate, e servido em minipão francês sem miolo. Não se sabe ao certo a origem da receita, mas teria influência portuguesa e alemã.
Sanduíche de calabresa
Feito com a italiana linguiça calabresa (e muita cebola), o sanduíche é capaz de levantar a torcida na porta dos estádios de futebol. O lanche também figura no cardápio dos botecos e tem como primo distante o choripán argentino, sanduíche no qual a linguiça é escoltada por chimichurri (molho à base de azeite com ervas).
Sanduíche de pernil
Além de fazer companhia para o sanduíche de calabresa na porta dos estádios de futebol, o de pernil também tem seu papel de destaque na boemia paulistana, graças ao bar do Estadão, localizado no centro da capital, que chega a consumir cerca de 250 kg de pernil em suas 24 horas de funcionamento.
Na Cozinha
rua Haddock Lobo, 955 – Jardins (veja no mapa)
(11) 3063-5377 – São Paulo – SP
* Reportagem publicada na edição 214