28/06/2018 - 16:27
por Cintia Oliveira*
É impossível falar sobre culinária brasileira sem mencionar a presença marcante do frango caipira – qualquer livro que retrate nossa cultura alimentar terá, pelo menos, uma receita com o seu preparo. A ave tão familiar chegou ao País com a esquadra de Pedro Álvares Cabral em 1500, e, na época, seu consumo diário só acontecia entre os mais abastados. “A galinha era mantida mais pelos ovos, e só era preparada em ocasiões especiais ou para quem estivesse doente”, explica o historiador e autor do livro O frango: história e gastronomia (editora Usina da Edição), Ricardo Maranhão. “Com o tempo, o frango caipira adquiriu um papel importante nossa cozinha”, completa.
É o que se vê em diversos cantos do País, onde a ave fincou suas raízes. Na cozinha nordestina, lá está em receitas como o xinxim (feito com azeite de dendê, camarão seco e amendoim) e galinha de cabidela (preparo no qual se usa o sangue da ave). E foi na cozinha mineira que o frango caipira teve seu potencial culinário mais explorado. “Os mineiros são os mais apaixonados pela ave. A prova disso está em todo um receituário composto de preparos como o frango com quiabo e o frango ao molho pardo (também preparado com sangue)”, explica a chef mineira Mônica Rangel, do restaurante Gosto com Gosto, em Visconde de Mauá (RJ).
Durante muitos séculos o frango caipira reinou absoluto na mesa da maioria dos brasileiros. Mas, no período pós-guerra, a ave perdeu sua soberania para o produtivo frango de granja, criado em sistema de confinamento e, logo, mais rentável. “Enquanto o frango de granja leva 40 dias para chegar a um peso de cerca de 2,5 kg, o caipira leva 70 dias para chegar a 1,8 kg”, explica o diretor de fomento da Associação Brasileira da Avicultura Alternativa (Aval), Marcos Batista.
O aumento de produtividade pode ter sido decisivo para o frango de granja conquistar seu espaço no cardápio diário do brasileiro, mas a preocupação, cada vez maior, do público com questões relacionadas à cadeia produtiva e ao bem-estar animal abre espaço para o retorno do frango caipira aos holofotes.
Uma das mais recentes conquistas da ave caipira foi em 2015, quando a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Aval e outras entidades do setor, lançou a norma do frango caipira (leia mais abaixo). “Depois da normativa, estamos trabalhando fortemente na cadeia produtiva: seja incentivando os produtores a aderir a criação do frango caipira, ou divulgando o produto entre os chefs e consumidores”, afirma Batista.
Com o objetivo de fortalecer o setor, a Aval iniciou, em 2017, uma série de ações em todas as pontas da cadeia produtiva, começando pela criação de um selo de qualidade para os produtores de frango caipira. Em maio, a Aval realizou um jantar para mostrar as particularidades das aves caipiras a dezenas de chefs em São Paulo. Entre eles, estava a paulista Tanea Romão, que já teve restaurante em Gonçalves e Tiradentes (MG), e agora oferece almoços em sua casa, em São Paulo. “Acho uma iniciativa muito importante. Antes de tudo, é preciso resgatar as receitas tradicionais e apresentá-las para as novas gerações. Senão esse legado pode se perder”, comenta.
Mas o grande desafio está em conquistar o consumidor, já que o frango caipira necessita de um tempo maior de cozimento (por ter uma carne mais firme) e chega a custar mais que o dobro de uma ave de granja. “Para isso, estamos trabalhando com o varejo, para que o frango caipira seja elevado à categoria de aves nobres como faisão, codorna e avestruz”, diz o diretor de fomento da Aval.
A chef Mônica Rangel, do restaurante Gosto com GostoA convite de Menu, a chef do Gosto com Gosto apresenta seis receitas de frango caipira, inspiradas em pratos icônicos da cozinha brasileira. O frango assado com ramas de canela e arroz de quiabo e o cozido com espiga de milho têm um pé em Minas. A galinha no tucupi com cuscuz de farinha de Uarini faz referência ao tradicional pato no tucupi da cozinha do norte do País. Já a empada com frango celebra o Rio de Janeiro, enquanto a miniabóbora pescoço recheada de creme de frango caipira desfiado é uma singela homenagem de Mônica ao Nordeste. E, por fim, o arroz de puta milionária, com suculentos pedaços de frango caipira, é um trocadilho com o arroz de puta rica, prato que é um velho conhecido da cozinha goiana.
O que é um frango caipira?
Segundo norma publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em 2015, o frango caipira, colonial ou capoeira, consiste em uma ave pertencente a uma raça de crescimento lento, com ciclo de vida mínimo de 70 dias e máximo de 120 dias, destinada ao corte. Tanto machos quanto fêmeas são utilizados para a criação de frango caipira, mas as aves só atingem a maturidade sexual – se tornam galo ou galinha – entre 120 e 140 dias de vida. A galinha caipira, geralmente, é criada como produtoras de ovos e, depois, pode ser destinada à produção comercial de carne ou ser descartada.
Entre as normas estabelecidas pelo documento, as aves classificadas como caipiras devem ser criadas soltas, em ambientes que tenham pelo menos 0,5 m2 por ave e piquetes para que as aves possam se movimentar. Os espaços devem ser compostos de área coberta, que tenha água e comida.
O frango caipira pode se alimentar de ração, desde que seja à base de milho, farelo de soja, sal, calcário e minerais. E uso de medicações de forma terapêutica é autorizada nos frangos caipiras, desde que não tenham a finalidade de melhorar o desempenho.
A diferença entre o caipira e o de granja também se nota no prato. Como o primeiro tem mais colágeno que o segundo, ele tende a ficar mais macio quando ensopado. E o caldo, por sua vez, fica mais denso. Mas no caso de preparos rápidos, o caipira necessita de mais cuidado, pois a carne é mais firme. A chef Mônica Rangel recomenda cortar em filé bem fininho, caso queira fazer um peito de frango caipira grelhado ou frito.
Gosto com Gosto
rua Wenceslau Braz, 148 – Visconde de Mauá (veja no mapa)
(24) 3387-1382 – Resende – RJ
*Agradecimentos a Aval (aval.org.br) e Korin (korin.com.br)