28/12/2017 - 8:00
da Redação da Menu
Que tal curtir o recesso entre Natal e Ano Novo na companhia de um bom livro? Selecionamos alguns títulos sobre comida lançados de um ano para cá, e recomendados pela nossa colunista, Cristiana Couto*. Confira:
Todos os dias com Paola Carosella
O primeiro – e aguardado – livro de cozinha da argentina Paola Carosella é uma delícia. Volumoso, Todas as Sextas é gostoso de ler, de ver e de usar. Embora estrangeira, a cozinheira, dona do paulistano Arturito e verdadeiro sucesso no programa de tevê MasterChef, domina o português e tem estilo. Sua escrita é como sua cozinha – franca, direta e, ao mesmo tempo, profunda e suave. “Não tenho um estilo de cozinha inovador, nem receitas ou procedimentos originais para revelar. O que eu tenho para contar é uma história”, começa ela, “e é nessa história que as receitas fazem sentido”. E assim, Paola tece pensamentos sobre os caminhos (ou desandadas) da cozinha enquanto descreve momentos da sua vida (nada fácil) e carreira, numa prosa suave, como aquelas de antigamente, à beira do fogão a lenha. Então, dirige-se para a cozinha, seu verdadeiro lugar: são mais de 90 receitas, clicadas com adequação e bom gosto pelo fotógrafo inglês Jason Lowe, também seu namorado. São pratos que Paola prepara nos menus especiais servidos às sextas-feiras em seu Arturito – daí o nome do livro. Boa parte das sugestões são um tanto complexas – afinal, são pratos de restaurante –, mas outras empurram o leitor para a cozinha. Creme inglês, coalhada, ovos com parmesão e flor de brócolis, pantomaca (pão com tomate) e frango recheado da Mimi (uma de suas avós), entre outras receitas, estão bem explicadinhas e com um pouco de bossa: os ovos devem ser de galinhas “de vida digna”, a água, aquela que você beberia, e a farinha de mandioca, “feita por alguém que você conheça, que tenha olhos de pessoa de bem”.
Todas às Sextas – Paola Carosella – Melhoramentos (352 págs.) – R$ 139**
Doce Japão
Quem conhece a delicadeza, o detalhismo e a humildade da sábia cozinheira brasileira radicada no Japão Mari Hirata consegue percebê-la assim que folheia seu novo e mais importante rebento, Mari Hirata Sensei. Sensei é a palavra japonesa para “mestre”, e é o que a cozinheira — que já trabalhou em uma confeitaria que atendia a família imperial japonesa — foi para Haydée Belda, ex-aluna que também assina o texto. O livro reúne as receitas preferidas de Mari, que já acumula 30 anos de profissão (atualmente, dedica-se ao ensino) e que combina como poucos as técnicas francesas e japonesas ao conhecimento profundo do ingrediente. Um texto emocionado e perspicaz embala pratos nem sempre simples na execução, mas bem explicados e muito atraentes. Fotos de passo-a-passo ajudam os iniciantes, e glossário e relato de viagem ao Japão da equipe editorial com Mari completam a obra, obrigatória na biblioteca de qualquer apaixonado por comida.
Mari Hirata Sensei – Mari Hirata e Haydeé Belda – Bei Comunicação (277 págs.) — R$ 90**
Mais um americano em Paris
O texto de David Leibovitz lembra muito o da crítica gastronômica Patricia Wells. Em seu novo livro, Minha Cozinha em Paris, o cozinheiro e blogueiro norte-americano traz receitas entremeadas de uma prosa de dar gosto. Assim como Wells, também americana e autora de vários livros de culinária, Leibovitz apaixonou-se pela cozinha francesa e decidiu viver no país. Boa parte das histórias vem do seu cotidiano à caça de ingredientes para cozinhar para amigos em sua pequena cozinha doméstica – o autor trabalhou por 13 anos no icônico Chez Panisse, em São Francisco (EUA), mas dedica-se, atualmente, a escrever sobre comida. E, assim, discorre sobre a cultura parisiense, o seu jeito de comer ontem e hoje, enquanto introduz equipamentos, produtos, e oferece mais de 100 receitas bem detalhadas. Os pratos podem variar de sua interpretação da cozinha clássica – cassoulet, rilletes, suflês – a pratos bem locais e menos famosos, como a torta doce de queijo de cabra típica de Poitou-Charentes. Todas elas acompanhadas de uma boa prosa introdutória e fotos de dar água na boca.
Minha Cozinha em Paris: Receitas e Histórias – David Leibovitz – Zahar (360 págs.) – R$ 89,90**
Memórias da gastronomia paulistana
Num universo que privilegia livros de receitas e num país sem memória,vale aplaudir iniciativas como a do jornalista Rafael Tonon e da cozinheira Janaina Rueda. A ideia de 50 restaurantes com mais de 50, que homenageia 50 estabelecimentos paulistanos que resistiram ao tempo, surgiu da lista dos 50 Best, dos melhores restaurantes do mundo. Mas o que importa para os autores é o registro de casas que, por não estarem nos likes das redes sociais, ainda estão vivas, com propostas que não se sujeitam a modismos. Lá estão o italiano Carlino, o mais antigo da cidade (130 anos) e sua cozinha toscana; o famoso filé do Morais (1914), agora chamado Rei do Filet; a cantina Castelões (1924), resistindo ao abandono do bairro do Brás à noite; a tradicional confeitaria Di Cunto (1935) e o espanhol Fuentes (1954), respectivamente na Moóca e no centro. Também entram os clássicos da gastronomia paulistana que se renovaram nestas cinco décadas, como o estiloso Fasano (1920) e o francês Marcel (1955). Cada restaurante traz a sua história, concisa e bem escrita, os pratos que o tornaram famoso e uma receita emblemática – como a lasanha verde, da cantina o Gato que Ri (1951). Não é uma “lista” dos mais antigos: é uma homenagem aos “heróis da restauração paulistana” e, no limite, um chamado, a jornalistas e cozinheiros, para escreverem outros capítulos da história da gastronomia do País. A orelha tem texto delicioso do publicitário Washington Olivetto, e uma reflexão consistente do jornalista Thomaz Souto Correa abre a obra.
50 Restaurantes com mais de 50 – 5 décadas da gastronomia paulistana – Janaína Rueda e Rafael Tonon – Melhoramentos (208 págs.) – R$ 89** (Livraria Cultura)
De pai para filho, de filho para pai
Foi uma gestação longa, mas finalmente saiu o livro Mocotó – o pai, o filho e o restaurante, sobre a história do aclamado restaurante paulistano Mocotó, seu criador e seu transformador. Digo longa porque sua leitura me remeteu ao ano de 2009, quando conheci o jovem cozinheiro Rodrigo Oliveira. Em abril daquele ano – o de sua primeira viagem internacional, Rodrigo me contou, resumidamente enquanto descansávamos no meio-fio, depois de uma boa caminhada pelas ruas da Cidade do México, que ambos visitávamos, a sua história. Um singelo relato de sua formação na cozinha, depois de desistir do curso de Gestão Ambiental; do restaurante de cozinha do sertão nordestino, na zona norte da cidade, que começara a despontar na mídia e que fora, até pouco tempo, seu universo inteiro; da sua relação amorosa e conflituosa com o pai, Zé Almeida, quando decidiu transformar o negócio criado na década de 1970. “Cada vez que meu pai viajava, eu fazia alguma mudança estrutural no restaurante”, me confidenciou. “Quando ele voltava, era uma briga danada”, ria. Transformações que, ao lado da habilidade e sensibilidade do cozinheiro em preservar e inovar, transformou o Mocotó num dos mais emblemáticos restaurantes brasileiros do País.
Essa história está ricamente detalhada na escrita de Élcio Fonseca e ocupa boa parte do livro, completado por mais de cem receitas. O que Rodrigo não podia ainda imaginar, sentado na calçada e nervoso com um dos primeiros jantares que faria fora de seu restaurante e o primeiro longe do Brasil, é que seu trabalho ultrapassaria fronteiras e o ombrearia com Alex Atala e Mara Salles, os cozinheiros que mais admirava. O livro tem fotos de Ricardo D’Angelo, prefácio de Alex Atala e ilustrações do artista mexicano Felipe Ehrenberg, morto este ano.
Mocotó – o pai, o filho e o restaurante – Rodrigo Oliveira – Editora Melhoramentos – R$ 105** (264 págs.)
* As resenhas foram publicadas na seção Café com Letras, da Menu
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