por Cristiana Couto* 

Colocar gelo na xícara de café pode parecer um convite inusitado para quem procura uma bebida refrescante com o grão para os dias mais quentes de verão. Afinal, frapês e shakes ainda são os sinônimos absolutos de drinques gelados de café, em receitas com ingredientes fáceis de harmonizar com o grão, como leite e seus derivados açucarados (leite condensado, creme ou doce de leite), licores cremosos, caldas de chocolate ou caramelo e sorvetes de creme e baunilha.

“Estes ingredientes combinam porque até pouco tempo atrás a única opção de café disponível era amargo e de baixa qualidade, que pedia elementos doces e cremosos para equilibrá-lo”, explica o mixologista Marco De la Roche. Mas com a crescente qualidade dos cafés disponíveis para os consumidores brasileiros começam a surgir alternativas às bebidas doces e cremosas para o verão brasileiro. Uma delas é o shakerato, um drinque batido de espresso, gelo e açúcar. Ao lado das granitas de café, uma espécie de sorbet, o shakerato foi criado no sul da Itália para enfrentar as altas temperaturas de verão e faz sucesso na Dinamarca durante a estação mais quente do ano.

Feito com café coado, o refrescante coffee iced tea leva capim-santo e muito gelo

Por aqui, a bebida é feita com duas doses de espresso e gelo, na receita da paulistana Suplicy Cafés Especiais. O Coffee Lab, por sua vez, incrementou sua versão, que leva suco de limão e água com gás, e o  livro Chefs Café ensina a preparar um shakerato com suco de abacaxi. “O shakerato é fresco e perfeitamente balanceado”, avaliam, em seu blog, os proprietários da famosa microtorrefadora dinamarquesa The Coffee Collective. O drinque, ainda, ressalta as características de cafés de qualidade, como notas frutadas. “Hoje cuidamos mais do nosso café, e a tendência na coquetelaria é que usemos mais o grão”, acredita De la Roche.

Para quem gosta de criar seus próprios drinques gelados, o mixologista sugere combinar o grão com especiarias, como o cardamomo, e frutas como coco, tangerina ou maracujá. Nestas receitas, chás e ervas, como capim-santo, também tendem a harmonizar nos drinques gelados. “São ingredientes mais delicados e que ajudam a apresentar melhor o café”, explica. De la Roche também sugere combinar cada drinque com um método de extração diferente. “Nem todos os coquetéis precisam ser feitos com espresso”, alerta. Vale testá-los com french press ou café coado.
O espresso martini, feito com licor de café, vodca e ristretto

O barista Thiago Nero, por sua vez, aposta em drinques gelados preparados com xaropes, bitters e com produtos feitos com a polpa do café, como geleias. E Nero também está testando cafés “defumados”. “Uso madeira e especiarias nos testes, e penso em servi-los com pedras de gelo com sabor, como alecrim”, diz o barista. A rede Starbucks tem uma das alas do cardápio dedicada aos refreshers, preparados à base de um extrato de café verde, com gelo e suco de frutas. “É um processo feito antes da torra para extrair a cafeína e outros nutrientes dos grãos arábica. O resultado é um sabor refrescante e diferente do café tradicional”, explica Renato Grego, gerente sênior de marketing da cafeteria norte-americana.

Vale, ainda, se inspirar no exemplo japonês. “No Japão, o café gelado é uma tradição, por causa do calor e da necessidade de consumir cafeína”, explica Marcia Yoko, consultora de cafés da The Fox Bean. Cafés em lata são facilmente encontrados em vending machines, em versão quente para o inverno e gelada no verão.

O freddo café combina café coado e limão-siciliano

Para a época de calor, os japoneses também desenvolvem métodos de preparo específicos para suas bebidas frias. Diferentemente do que acontece em outros países, não há uma mistura de café quente e gelo, mas uma extração a frio dos grãos. “Com a queda na temperatura da bebida, percebe-se mais a acidez de um café e menos o seu corpo”, explica Marcia. Atentos a essa mudança sensorial, eles desenvolvem blends específicos para serem servidos gelados, assim como variam também seus métodos de extração. “Cerca de 90% dos blends destinados aos cafés gelados no Japão levam uma parcela de grãos robusta de qualidade, para que a bebida ganhe mais corpo”, conta ela. Tanto refinamento alcança também o açúcar, que chega à mesa em versão líquida, numa preparação que apenas adoça o café sem que seu sabor interfira no produto.

Com estes exemplos, pode-se até se perguntar se a moda do chantilly sobre a bebida fria já está com os dias contados. Será?

 

* Reportagem publicada na edição 170