21/01/2018 - 11:00
por Paulo Machado
– Monsieur Bocuse, S’il vous plait? A photo grand chef?!Ele dá meio sorriso. Desfaz a célebre cruzada de braços, acena, me cumprimenta e… – Click, um colega registra o momento! Tudo em fração de segundos. Consegui! Meu coração batia mais forte pelo mágico instante que foi rapidamente quebrado pela enérgica voz de uma das secretárias responsáveis pelo protocolo do dia especial, fazendo-me voltar para junto do meu grupo. Devido ao grande número de alunos não haveria tempo para fotos individuais. No Institut Paul Bocuse, escola de gastronomia fundada pelo chef e na qual eu estudei, a data de grande comoção: era a visita do mestre para tirar o retrato oficial com as turmas de jovens formandos.
Naquele início de 2006 o corpo profissional da escola estava receoso pela saúde de Bocuse. Talvez nem a vinda dele seria possível, um ano antes havia passado por cirurgia cardíaca e estava recuperando-se. O chef altivo, que, de acordo com os professores, adorava sair para caçar pelos bosques da Borgonha, encontrava-se mais reservado. Algum tempo depois um dos chefs do instituto me contou sobre o cardápio de aniversário de 80 anos de Bocuse. O sanguinário menu celebrava não só a vida, mas vinha com sabores avermelhados: coração de vaca, fillet de boeuf saignant, foie, morcilhas e até sopa de morango e outras frutas vermelhas. Sabores que acalentavam o coração, e mostravam que “le patron” estava mais pulsante e vivo do que nunca. Bom humor e savoir-vivre, sem dúvida não lhe faltaram. Bocuse acreditava que a vida poderia acabar a qualquer momento, por isso dizia que: “temos que trabalhar como se fôssemos morrer com cem anos e viver como se a morte nos esperasse amanhã.”
Emblemático, recebeu o título de cozinheiro mais importante do século 20 pela Gault & Millau. Detentor das quase inatingíveis: três estrelas do Guia Michelin em seu restaurante, foi o criador em 1987 do concurso Bocuse d’Or, de importância mundial. Em 1990 o Papa da gastronomia fundou ainda o Institut Paul Bocuse, com sede em Lyon e que leva, além de seu nome, os preceitos da sua formação. “Bocuse foi o grande imã que fez nossos caminhos convergirem” escreveu hoje o chef Erik Nako no grupo de whatsapp “Eternos Paul Bocuse”, do qual faço parte com inúmeros colegas da época do Institut. A chef Inês Oliva escreveu também: “o céu está agora com mais sabores” e para o chef Franz Corrales afirmou que “Bocuse teve uma grande vida e deixa um legado de orgulho, tive a honra de conhece-lo, mas o mais importante, de ter trabalhado na sua cozinha”.
Este célebre senhor, que dispensa apresentações, foi sem dúvida um mentor para dezenas de gerações de cozinheiros. Aos 91 anos, o pai da nouvelle cuisine se foi, mas ficou o carisma, a devoção, amizade, lealdade e o prestígio que a verdadeira cozinha regional merece. Afinal, para Bocuse: “boa cozinha é quando levantamos a tampa da panela, sai uma fumaça com cheiro gostoso e podemos nos servir”. Viva o eterno chef dos chefs!