28/12/2019 - 17:00
Por Suzana Barelli
Com primeira safra em 1987, o vinho Don Melchor se consolidou ao longo destas três décadas como uma das expressões máximas da cabernet sauvignon no Chile. Mostrou que a complexidade e a longevidade, marcas desta variedade de origem bordalesa, se mantêm em solo chileno, talvez com um viés um pouco mais frutado do que os seus representantes franceses. A cabernet sauvignon sempre predominou em seu blend, com pequenas pitadas de cabernet franc, petit verdot ou merlot, conforme o ano. Sua 30ª safra, a de 2017, por exemplo, é um blend de 98% de cabernet sauvignon e 2% de cabernet franc. Seu lançamento, previsto para o segundo semestre deste ano, deve ser marcado por comemorações pelos 30 anos do vinho, em seus maiores mercados, o Brasil entre eles. “Construímos nossa história e seremos sempre um blend de cabernet sauvignon”, afirma o enólogo Enrique Tirado, em entrevista exclusiva para a Menu. Desde 1997, Tirado é o enólogo principal deste projeto ícone da gigante Concha y Toro, comercializado no Brasil por R$ 636, a garrafa, na Ville du Vin.
Nestes 30 anos, está claro que o Don Melchor será sempre um cabernet sauvignon chileno?
Sempre. Don Melchor é a expressão do cabernet sauvignon de Puente Alto (onde fica o vinhedo, no vale de Maipo). Quando penso no blend do Don Melchor, meu primeiro pensamento são as parcelas de cabernet sauvignon, qual será a contribuição de cada uma delas no vinho final. Ao longo dos anos, fizemos um grande estudo de solo e nosso vinhedo é dividido em 142 parcelas, que podem ser separadas em sete parcelas de cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot e petit verdot. Cada parcela entrega uma nota, um aroma distinto para a mescla final. A parcela um, por exemplo, resulta em vinhos mais frutados; a três tem mais concentração; a cinco traz frescura. A cabernet é a base e, conforme o ano, entra outras variedades. A safra de 2015 é um blend de 92% de cabernet sauvignon, 7% de cabernet franc e 1% petit verdot. A de 2016, que está chegando no mercado brasileiro, foi marcada pelo fenômeno do El Niño, pelas chuvas, e tem 93% de cabernet sauvignon; 3% de cabernert franc; 3% de petit verdot e 1% de merlot.
Voltou a merlot?
Sim. Mas é um merlot distinto do da safra de 1995. Este antigo vinhedo, de solo pedregoso, foi replantado com cabernet sauvignon. Em 2006 plantamos merlot em uma zona de solo com mais argila, e usamos esta uva pela primeira vez nesta safra. Em 2018 também voltamos ao merlot. A base é o cabernet sauvignon e agregamos outras variedades para ser uma melhor expressão desta uva.
Por que a cabernet sauvignon te encanta?
É uma variedade que permite criar um vinho muito expressivo, complexo. Tem a concentração, mas também o finesse; é um vinho que tem potencial de guarda. As diferentes parcelas de vinhedo me desafiam a criar um vinho que emocione, mas com apenas um instrumento, que é a cabernet sauvignon.
Quais os desafios para os próximos anos?
Penso que o Don Melchor é um clássico contemporâneo, que respeita seu passado. São 30 anos de conhecimento do vinhedo e, neste período, o Don Melchor demonstrou que é possível fazer grandes vinhos no Chile. Contemporâneo porque não é ter apenas um olhar pioneiro, mas no sentido de ir olhando o futuro. Queremos ser vistos como um vinho moderno, que busca novas tecnologias, novos conhecimentos do vinhedo. Buscamos a diversidade, que está no nosso conceito de parcelas, de entender o nosso solo, dos corredores biológicos entre as vinhas.
Antes do Don Melchor, o que era plantado em Puente Alto?
As uvas iram para a linha Marqués de Casa Concha, antes para o Casillero del Diablo, e ainda para a linha Fond de Cave, que não existe mais.
Sabiam, então, que a região será boa para a cabernet?
Sabíamos, 30, 40 anos atrás, que este vinhedo produzia bons vinhos. Quando decidiu-se elaborar o Don Melchor, fomos à França, conversar com Emile Peynaud (o pai da enologia moderna) e depois com Jacques Boissenot (que se tornou consultor do vinho). Sempre existiu a sensibilidade que seria um cabernet sauvignon, que havia algo de especial neste vinhedo. Mas faltava saber como mesclar, como fazer o blend. Foi aí que Boissenot entrou no projeto, que hoje é tocado por seu filho. Estou feliz que ele participa. É sempre bom conversar com alguém que te questiona.
Para o futuro, o que pensa de fermentar com leveduras indígenas?
Temos ensaios com estas leveduras, atualmente com 12, 13 tanques. No nosso vinhedo, a levedura indígena que tem a capacidade de completar uma fermentação é apenas 1% de todas as leveduras do vinhedo. Se ela não completa a fermentação, tem muitos problemas. Quero fazer um Don Melchor que seja a expressão completa de seu lugar, e a levedura é importante nisso. Ela vai entregar algo especial deste lugar. Penso que o vinho é a expressão do lugar, das condições de solo, de clima, da variedade, do homem que está atrás disso.
Em meados dos anos 2010, você fez vários cursos em Bordeaux. Qual reflexo deste aprendizado no vinho?
Sinto que percebo mais os detalhes, na degustação e nos vinhedos. Com o clima, me sinto mais tranquilo, nas situações extremas. Eu gosto da maneira que a água da chuva molha o vinhedo e perdi o temor de achar que a chuva vai nos afetar. Em Bordeaux, chove 800, 900 mm ao ano e eles fazem bons vinhos. O importante é o manejo correto, com o vinhedo bem ventilado e ter um bom terroir, com solo de boa drenagem. Se faz o trabalho bem feito no vinhedo, dá para ter mais tranquilidade com a chuva na época da colheita. Na vinícola, reduzi o tempo de fermentação e a porcentagem dos vinhos de prensa no lote. No vinhedo, buscamos muita biodiversidade, com a criação, em 2014, dos corredores biológicos entre as vinhas. O corredor tem pássaros, insetos e outras espécies de plantas, não só as vinhas.
Segue no caminho do vinho orgânico?
Não, mas usamos algumas ferramentas orgânicas, outras tradicionais e biodinâmicas. Usamos as boas práticas, para ter um manejo mais sustentável.
Você tem um irmão gêmeo, o Rafael Tirado, também enólogo. Há planos de fazer um vinho juntos?
Não, porque não é o momento. Me encantaria fazer, mas hoje cada um está em um projeto diferente no Chile.