12/08/2014 - 14:40
Por Cintia Oliveira
Ídolo nacional da década de 1960, o cantor e apresentador Ronnie Von é apaixonado pelo mundo de Baco. Sua ligação com o vinho começou ainda na juventude, quando o seu pai, que trabalhava na embaixada brasileira na França, trazia para o filho verdadeiras preciosidades como o La Tâche Romanée-Conti, Château Petrus e Haut-Brion.
Com uma adega com cerca de 4.500 rótulos, hoje se dedica a garimpar vinhos do Novo Mundo e fala sobre o vinho sem a afetação dos enochatos. Na entrevista a seguir, publicada na edição de agosto da Menu, o cantor conta como a sua relação com o vinho mudou ao longo dos anos e fala dos rótulos que marcaram os seus 70 anos.
Desde cedo, você teve contato com vinhos. Como e quando despertou a paixão pela bebida?
Na época em que eu comecei a me interessar por vinhos tinha 20 e poucos anos e meu pai era ministro pleno e potenciário na França. Pedi para ele me enviar alguns vinhos e, como ele não entendia nada do assunto, as pessoas da embaixada começaram a sugerir. Às vezes, as garrafas vinham no colo dele. Assim fui me apaixonando por enologia. O primeiro vinho que mandaram para mim foi um La Tâche 1954. Hoje, só faltam me bater quando eu digo isso, mas eu bebi como se bebe groselha. Meu conhecimento ainda era muito superficial. Depois vieram o Petrus, o próprio Romanée-Conti, Haut-Brion. A partir daí, comecei a me aprofundar no assunto. Não tinha conversa fiada: se era Borgonha era Romanée-Conti, se era Bordeaux, era Don Rothschild, Lafite, Latour, Cheval Blanc. Era muito preconceituoso.
O que o fez mudar de ideia em relação aos vinhos do Novo Mundo?
Quando eu tinha 20 anos, os vinhos do Novo Mundo eram muito duros, rústicos. Mudei de opinião quando bebi um sauvignon blanc muito interessante. Comentei com um amigo: “sabia que o Vale do Loire tinha brancos bacanas, mas nenhum com aquela qualidade.” Aí ele disse: “você acabou de beber um vinho da Nova Zelândia.” Outro dia, eu tomei um shiraz da Austrália. Quando bebi um tannat do Uruguai, já estava tomando malbec da Argentina. Não se pode ter preconceito com vinho. Afinal, se você perguntar qual é a origem do pior vinho que bebi na vida, eu respondo: França. E qual foi o melhor? França. É muito relativo. Vinho é como um quadro, você tem de observar, se apaixonar por ele, ter uma empatia e certo afeto. Não precisa ser pintor, ou crítico de arte. Vinho é a mesma coisa.
Nariz e boca são duas ferramentas fundamentais para se apreciar bons vinhos. Em sua opinião, é preciso ter dom ou é uma questão de prática?
Existem talento e vocação. Esse é um binômio que, quando você consegue ligar um ao outro, está tudo resolvido. Inicialmente, eu tinha só vocação e nenhum talento. Fiz aquelas bobagens todas de comprar maletinhas com todos os aromas de vinho. Na verdade, não é uma coisa que tenha importância. Acho que a prática é o que te faz apurar mais o nariz e, claro, as papilas. Porque chega uma hora que você sabe exatamente o que é. Qualquer nota te diz a uva que você está tomando. Engraçado isso. O visual também é importante, mas eu fico na segunda hipótese: não foi pelo talento, mas pela prática mesmo. Tenho que confessar.
E quais são os seus vinhos preferidos?
Não tenho nenhum preconceito, mas gosto dos espumantes. Adoro champanhe e vinhos de sobremesa late harvest (colheita tardia). Gosto muito dos vinhos com a uva chamada furmint, da Hungria. Eles têm um vinho de sobremesa que é sensacional. Mas hoje em dia, eu não estou me prendendo a rótulos. Prefiro garimpar vinhos que nunca provei. Quero conhecer e beber de tudo.
Quais são os pré-requisitos para um vinho fazer parte de sua adega?
Na verdade, eu não tenho nenhum critério. Até porque eu ganho muito vinho de presente. Como eu tenho uma agência de propaganda, já tive alguns clientes que são grandes importadores. Muitas vezes, não por mim, mas porque fazíamos veiculações em tevê e ficava muito caro, muitos perguntavam: posso pagar uma parte em mercadoria? Era tudo que eu queria ouvir. Por isso fiquei com essa adega com quase 4.500 rótulos. Eu tenho separado: Bordeaux, Borgonha e Novo Mundo, eu tenho todos os países. Eu tenho uns que são superlativos, mas com essa idade agora estou bebendo tudo (risos).
Recentemente, diversas personalidades têm investido em seus próprios vinhos, como Brad Pitt, Antonio Banderas e até a banda AC/DC. Já pensou na possibilidade de produzir o seu rótulo? Caso sim, como seria?
Não. Dá um trabalho danado. Eu tenho amigos que tem vinícola no Brasil há 100 anos e luta com uma dificuldade terrível. Claro que vão bem, mas até chegar nesse ponto, você não tem ideia do sofrimento. Vinho é uma coisa que você não emplaca de um dia para outro. Até o vinho pegar eu teria morrido.
Se pudesse escolher, quais foram os vinhos mais marcantes de sua vida?
Bebi tantos vinhos bons na minha vida. Um que bebi há muito tempo na casa de um amigo foi o Van de Victoire Dom Rothschild Garanciere 1945. Absolutamente impecável. Estava inteiro, vivo. O último que tomei, tomei hoje, inclusive (no dia de seu aniversário de 70 anos), Mouton Rothschild 1990. Um dos melhores Bordeaux que bebi na minha vida. Mas existe um hábito na minha família: quando o filho nasce, você compra um vinho do Porto da safra daquele ano. Os vinhos eu fui tomando junto com eles. Não são coisas excepcionais, mas esse ritual é algo emblemático em minha vida.