15/04/2011 - 13:08
O livro Modernist Cuisine pode ser um divisor de águas no mundo da gastronomia molecular. Recém-lançado nos Estados Unidos (e com edição já esgotada), o livro – na verdade, é quase uma enciclopédia, com mais de 3,2 mil fotografias e 1.500 receitas divididas em seis volumes, desvenda os processos da chamada gastronomia molecular. Seu autor é o físico Nathan Myhrvold (foto), um ex-diretor de tecnologia da Microsoft, que hoje é dono de uma empresa de invenções. A reportagem completa sobre a obra está na edição de abril da Menu. Aqui, no blog, é possível conferir a entrevista completa com o autor, concedida ao jornalista Pedro Marques.
Qual foi a parte mais difícil de pesquisar de Modernist Cuisine?
Nós tivemos um pouco de dificuldades com o capítulo sobre carne e frutos do mar, que é o maior de todo o livro. Na verdade, ele é tão grande que tem 256 páginas, praticamente o tamanho de um livro convencional. O capítulo aborda tudo sobre a fisiologia básica de um músculo, além de técnicas de cortes, maturação, defumação, salga e curas, técnicas para trabalhar com miúdos e fabricação de linguiças. Nós gastamos um tempo enorme para deixar toda essa informação precisa, clara e interessante de ler.
O que você descobriu durante a elaboração do livro que realmente o surpreendeu?
Tivemos algumas boas surpresas – o que acontece numa cozinha é muitas vezes o que chamamos de ciência contraintuitiva. Uma descoberta que nos deixou intrigados é que a maioria dos vegetais na verdade cozinha mais rápido em água fervente do que no vapor. Nós executamos vários experimentos para coletar dados para uma tabela que mostrasse o contrário, que cozinhar é mais rápido. Mas não foi isso que os dados mostraram. Nós executamos o experimento várias vezes, sempre refinando o experimento para eliminar possíveis fontes de erro. Finalmente, nós nos convencemos que ferver é realmente mais rápido e buscamos informações na literatura científica para explicar o porquê. Descobrimos que existe um fenômeno súbito chamado condensação de filmes, que explicamos detalhadamente no livro.
Depois de trabalhar no livro por quase 5 anos, como o senhor se sente agora que Modernist Cuisine está finalizado? O senhor pretende continuar pesquisando comida ou vai se dedicar mais aos projetos da sua empresa, a Intellectual Ventures?
Meu trabalho como diretor executivo da Intellectual Ventures (fundada em 2000) ocupa a maior parte do meu tempo, como você pode imaginar. Mas eu passei muitos finais de semana e noites nos últimos anos trabalhando no livro e é uma sensação incrível vê-lo finalizado, especialmente porque o resultado é muito bom. Agora, estou empolgado com as respostas que já tivemos de um pequeno número de pessoas que leu o livro e esperamos para ver qual o impacto que ele vai ter no mundo da culinária. Nós também temos um programa de inovação na Intellectual Ventures para desenvolver tecnologias relacionadas com comida, no qual eu e outros inventores estamos trabalhando em algumas ideias fascinantes, como a invenção de uma “impressora” de comida. Esse equipamento pode imprimir coisas deliciosas em pequenos pedaços, de um jeito semelhante ao usado pelas impressoras de jato de tinta para produzir fotos. A comida pode levar em consideração necessidades especiais ou preferências e ajudar as pessoas a melhorar suas dietas, reduzindo a quantidade de sal ingerida diariamente, por exemplo.
E o senhor se divertiu enquanto pesquisava e escrevia o livro?
O livro envolveu uma quantidade absurda de trabalho, claro, mas em muitos aspectos o trabalho foi bem divertido. Eu adorei provar os pratos que saíam da nossa cozinha laboratório enquanto os cozinheiros testavam e refinavam as nossas receitas. Como um inventor, eu achei divertido pensar sobre novos ou melhores jeitos de resolver os problemas que surgem durante o processo de cocção. Nós adotamos algumas abordagens totalmente fora do comum para as fotografias do livro que deram ótimos resultados. Por exemplo, para obter uma foto do que acontece quando você usa um wok para fazer um noodle, nós cortamos o wok praticamente pela metade. Depois, Max (Maxim Billet, chef e um dos coautores do livro) colocou óleo e os noodles na panela cortada, sobre um queimador e começou a refogar o macarrão. O problema é que o óleo escorria pelo wok cortado e pegava fogo! Acho que a maior parte dos pêlos do braço de Max ficaram queimados, mas a foto ficou sensacional.
Um livro do tamanho de Modernist Cuisine, com todas as fotos, impressão e pesquisa envolvida não deve ter custado pouco. Quanto foi gasto e como o senhor espera recuperar o investimento feito?
Bem, existe uma piada famosa no mundo editoria que existe um jeito garantido de publicar um livro de um milhão de dólares – comece com dois milhões de dólares! O ponto é que existem várias maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro do que criando um livro do porte de Modernist Cuisine. É claro que eu espero que o livro recupere o investimento de tempo e dinheiro que fiz nele, que foi substancial. Eu também adoraria que fosse apenas 1 milhão de dólares! Mas para mim esse projeto é, primariamente, sobre divulgar sobre a incrível transformação que vem ocorrendo na gastronomia há algum tempo, além de ajudar cozinheiros, profissionais ou amadores, a serem mais criativos na cozinha. O livro ajuda a entender realmente os fundamentos do que acontece quando você cozinha a comida; ele também desmistifica todas as novas técnicas, equipamentos e ingredientes passo a passo e dá, literalmente, milhares de exemplos de como aplicar esse conhecimento para fazer receitas fantásticas. Espero que os chefs não apenas aprendam com o livro, mas também se sintam inspirados a fazer grandes pratos e descobrir técnicas ainda mais bacanas.
Existem planos para traduzir o livro para o português?
Estamos conversando sobre a possibilidade de termos edições traduzidas, mas isso ainda não está fechado. Dado o tamanho e a importância do público no Brasil e em Portugal, nós começamos a pensar seriamente em traduzir o livro para esse idioma. O problema é que Modernist Cuisine tem mais de um milhão de palavras, ou seja, fazer uma edição traduzida é algo que demanda muito tempo. Além disso, estamos pensando em traduções para outros idiomas e não temos condições de trabalhar em mais de uma edição ao mesmo tempo.