20/12/2016 - 10:00
por Pedro Marques*
Chega à época de Natal e quem olha as prateleiras de mercados e confeitarias pode pensar que está na Europa: os quitutes têm frutas cristalizadas, castanhas, pistache, frutas vermelhas e outros ingredientes que vêm de fora. Não que haja algo errado com isso, afinal, sofremos uma forte influência dos portugueses, que também valorizavam muito a doçaria francesa. Mas chama a atenção a ausência das nossas frutas e castanhas à mesa. Uma leva de chefs confeiteiros, porém, está olhando mais para os produtos locais e mudando esse cenário, criando doces – inclusive os natalinos – com uma cara mais brasileira, que vão de panetones com banana, caramelo e farofa doce até torrone com pasta de caju.
“Usar os ingredientes brasileiros facilita”, afirma a confeiteira Lia Quinderé, da Sucré, de Fortaleza (CE). Uma das vantagens, segundo a chef, é a qualidade, já que “o produto nacional chega em melhores condições do que o importado”. Sem falar no preço. E foi com essa vontade de valorizar as frutas e castanhas locais que Lia lança este ano uma linha de doces natalinos com ingredientes brasileiros. “Algumas coisas já conhecia, outras descobri nas minhas viagens de trabalho. A castanha de baru, que uso em uma rosca de Natal, fui conhecer quando participei do festival de Pirenópolis (GO). Fiquei encantada”, diz a confeiteira.
Já Joanna Martins, do restaurante Lá em Casa, em Belém (PA) e da empresa Manioca, que fornece ingredientes paraenses para restaurantes, vê mais chefs criando doces com essa pegada brasileira. “O público gosta de novidade e, às vezes, é mais fácil usar os produtos locais do que os estrangeiros”, diz ela. Muitas padarias e docerias passaram a usar mais os ingredientes típicos em suas criações depois do projeto Sabores do Pará, organizado pelo Sebrae: hoje se vê receitas como brioche de açaí com banana e bolos com castanha-do-pará ou cupuaçu em vários endereços em Belém. Ela também afirma que, nos outros Estados, há cada vez mais chefs procurando produtos paraenses para usar na confeitaria. “Antes era só a alta gastronomia, agora não é mais. Até restaurantes mais populares querem trabalhar com ingredientes brasileiros”, diz. Na opinião da empresária, isso acontece até por uma necessidade de inovar. “Antes os cozinheiros buscavam essa diferenciação nos produtos estrangeiros. Agora, estão buscando os ingredientes nacionais.”
Quem também tem trabalhado para dar uma cara mais brasileira aos doces é a confeiteira Ana Cloris, da Anita Pâtisserie, de João Pessoa (PB). “Dá para fazer bastante coisa. Já fiz torrone com pasta de caju, também faço um pain d’épice (bolo de especiarias tradicional francês) com mel de engenho”, diz ela, que para o verão também usa as frutas nacionais em várias receitas. “No calor, o que mais faço é cheesecake de cajá e de acerola com castanha de caju. E o macaron de cajá é o que a gente mais vende”, conta Ana, que é conhecida por fazer macarons com sabores inusitados, como bala 7 Belo e azeitona.
Nem tudo é doce, porém, na hora de usar os ingredientes nacionais. “Alguns produtos a gente não consegue usar por causa da produção. A manteiga que compro, por exemplo, é a francesa por causa da teor de umidade”, explica Lia Quinderé. “Encontrei um produtor do Rio Grande do Sul que tem uma manteiga excelente, mas ele não quis me atender, porque não tem produção suficiente, fiquei arrasada”, acrescenta. Ela teve o mesmo problema com o chocolate nacional. “A gente tem um volume de 1,5 tonelada por mês na Sucré. Na Páscoa, compramos até 4,5 toneladas de chocolate. E os produtores nacionais não conseguem manter a regularidade para atender a gente.”
Joanna Martins destaca outro problema: a distribuição. “A logística é o estrangulador do Brasil”, afirma, comentando a dificuldade de enviar produtos do Pará para outros Estados do País. “Temos de ser eficientes, pois o mercado é prático. Se o chef não tem um ingrediente para trabalhar com regularidade, ele para de usar.” E, apesar de um maior interesse em doces com castanha de baru, cajá e cupuaçu, entre outros, o consumidor ainda é conservador. “Ainda tem muita gente que prefere os doces tradicionais”, conta Ana Cloris. Para Joanna, no entanto, a situação está bem melhor. “O cliente está bem mais aberto ao produto nacional do que há 5 anos.”
Para manter os consumidores e chefs interessados nos sabores locais, Joanna espera que os governos – federais, estaduais e municipais – apoiem os pequenos produtores, que geralmente são os responsáveis por levar esses ingredientes às mesas. “Algumas estruturas governamentais já começam a dar mais apoio a algumas cadeias produtivas menores, e isso é importante. Mas todas as engrenagens têm que seguir para o mesmo caminho”, avalia.
Lia Quinderé concorda e defende que os chefs se coloquem à frente desse movimento. “Tem muita gente fazendo trufa de chocolate e isso não vai ajudar a gastronomia brasileira. Nossa confeitaria tem de se unir em prol do ingrediente nacional”, afirma. A confeiteira faz sua parte e mostra um pouco disso em sobremesas como o panetone com banana, calda de caramelo e farofa doce de farinha-d’água; a rosca natalina com castanhas brasileiras (baru, caju e do Pará); o tronco de Natal com castanha de caju e chocolate da Amazônia; e o naked cake dourado (com baba de moça, coco queimado e castanhas). Aproveite as receitas abaixo e deixe seu Natal com a cara do Brasil.
rosca de castanhas brasileiras
por Lia Quinderé, da Sucré Pâtisserie
500 g de farinha de trigo
20 g de sal
50 g de açúcar
22 g de fermento biológico seco
6 ovos
25 ml de leite
250 g de manteiga
50 g de castanha de caju
50 g de castanha de baru
50 g de castanha-do-Pará
2 gemas batidas e castanhas a gosto para decorar
rosca de castanhas brasileiras
Misture a farinha, o sal, o açúcar e o fermento. Acrescente a metade dos ovos e a metade do leite e misture tudo. Em seguida, adicione a manteiga, a outra metade do leite e dos ovos e sove bem. Adicione as castanhas e leve para fermentar por cerca de 40 minutos ou até que a massa tenha crescido cerca de 2/3. Coloque em uma forma com um furo no meio e, com um pincel, passe as gemas batidas sobre o brioche. Decore com castanhas a gosto e leve para assar por 25 minutos a 150°C, ou até ficar dourado.
para servir
Desenforme, espere esfriar e sirva.
dica da chef
Você pode trocar as castanhas e usar outras de sua preferência. Se quiser, também polvilhe a rosca com coco queimado ralado antes de levar ao forno.
rendimento 8 porções; preparo 1 hora e 30 minutos; execução fácil
panetone de banana com caramelo e farofa de farinha-d’água
por Lia Quinderé, da Sucré Pâtisserie
massa esponja
1 xícara (chá) de água morna
3 tabletes (15 g cada) de fermento biológico fresco
1 xícara (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de farinha de trigo
massa de panetone
200 g de manteiga sem sal em temperatura ambiente
½ colher (chá) de essência de panetone
5 xícaras (chá) de farinha de trigo
5 ovos ligeiramente batidos com um garfo
caramelo
40 g de glucose
60 ml de água
150 g de açúcar
90 ml de água quente
180 g de leite condensado
3 ml de essência de baunilha
recheio
1 kg de banana seca
500 g de caramelo
farofa de farinha-d’água
20 g de açúcar cristal
20 g de açúcar mascavo
80 g de farinha d’água
40 g de manteiga
20 g de farinha de amêndoas
20 g de castanha de caju
2 g de sal
para servir
Caramelo e rodelas de banana nanica fresca, a gosto
massa esponja
Em um recipiente grande, coloque a água morna e junte o fermento, o açúcar e a farinha. Misture bem, cubra com um pano e deixe crescer até dobrar de volume, cerca de 20 minutos.
massa de panetone
Depois que a massa esponja tiver crescido, junte à ela, aos poucos, a manteiga, depois a essência, a farinha e os ovos. Trabalhe a massa com as mãos até obter uma massa lisa e homogênea. Coloque numa forma para panetone e asse a 160ºC, até dourar. Deixe esfriar.
caramelo
Em uma panela, coloque a glucose, a água e o açúcar e deixe cozinhar em fogo baixo até que fique um caramelo escuro. Em seguida, adicione a água morna e mexa bem. Adicione o leite condensado e a baunilha, mexa até ferver. Apague o fogo, deixe esfriar e use conforme indicado.
farofa de farinha-d’água
Misture todos os ingredientes, formando uma espécie de farofa úmida. Leve ao forno em uma assadeira com tapete de silicone a 150ºC até que fique dourada e crocante, cerca de 40 minutos.
para servir
Corte o panetone em quatro partes, na horizontal, e recheie cada camada com o caramelo, as bananas secas e, por cima, com a farofa de farinha-d’água. Decore o topo com as rodelas de banana nanica frescas, a farofa doce de farinha-d’água e um pouco de caramelo.
dica da chef
Faça uma versão romeu e julieta do panetone. Coloque 50 g de queijo parmesão ralado na massa de panetone e recheie-o com doce de goiaba no lugar do caramelo.
rendimento 1 panetone de cerca de 1 kg; preparo 1 hora e 30 minutos
execução moderada
tronco de chocolate da Amazônia
por Lia Quinderé, da Sucré Pâtisserie
massa
300 g de farinha de castanha de caju
500 g de açúcar cristal
150 g de farinha de trigo
20 claras
ganache
250 g de chocolate ao leite
500 ml de creme de leite fresco
musse de chocolate
500 ml de creme de leite integral
500 g de chocolate ao leite
500 ml de creme de leite fresco
glaçage
600 g de açúcar
390 g de água
600 g de glucose
430 g de leite condensado
650 g de chocolate 70% da Amazônia
120 g de gelatina hidratada de acordo com as instruções do pacote
telha de chocolate da Amazônia
300 g de chocolate 66% da Amazônia
massa
Em um recipiente, misture a farinha de castanha de caju, 300 g de açúcar cristal e a farinha de trigo. Bata as claras em neve e adicione 200 g de açúcar cristal às claras, até que fique consistente. Acrescente às claras batidas com açúcar aos outros ingredientes secos e misture à mão. Estique a massa sobre um tapete de silicone e leve para assar por 20 minutos a 180°C, ou até ficar dourada.
ganache
Pique o chocolate ao leite e coloque em um bowl. Ferva o creme de leite, derrame sobre o chocolate e misture bem até obter um creme de textura homogênea. Deixe esfriar e reserve.
musse de chocolate
Ferva o creme de leite integral e derrame sobre o chocolate. Mexa até que o chocolate derreta por completo e deixe esfriar. Bata o creme de leite fresco até o ponto de chantilly e misture com o chocolate.
glaçage
Em uma panela, coloque o açúcar, a água e a glucose e leve para ferver. Em seguida, adicione o leite condensado, o chocolate e a gelatina já hidratada. Misture bem e apague o fogo.
telha de chocolate da Amazônia
Derreta o chocolate em banho-maria ou no micro-ondas e faça a temperagem de acordo com as instruções da embalagem. Forre um molde no formato de telha com papel filme e espalhe o chocolate por cima. Leve à geladeira para firmar e reserve até a hora de servir.
para servir
Espalhe a ganache sobre a massa e enrole o tronco como se fosse um rocambole. Cubra com a musse de chocolate e, por cima, espalhe a glaçage. Desenforme a telha de chocolate e faca os furos da telha esquentando bicos de saco de confeitar de diferentes tamanhos com um maçarico. Encoste os bicos quentes para furar a telha e fazer os furos. Posicione a telha por cima do tronco e leve à geladeira por 1 hora até firmar.
dica da chef
Se a glaçage estiver fria na hora de montar a sobremesa, aqueça-a até alcançar uma temperatura entre 28ºC e 30ºC.
rendimento 8 porções; preparo 3 horas; execução moderada
naked cake de castanha de caju caramelizada e coco queimado
por Lia Quinderé, da Sucré Pâtisserie
massa
500 g de açúcar
400 g de manteiga
6 gemas
500 g de farinha de trigo
300 ml de leite
1 colher (sopa) de fermento em pó
castanhas caramelizadas
2 colheres (sopa) de açúcar
50 ml de água
300 g de castanhas de caju
recheio
400 g de leite condensado
200 g de creme de leite
1 colher (sopa) de manteiga
200 g de castanhas caramelizadas
100 g de coco queimado
massa
Bata o açúcar, a manteiga e as gemas até que fique um creme branco e espesso. Acrescente a farinha e o leite aos poucos. Por último, adicione o fermento. Transfira a massa para uma forma de 20 cm de diâmetro e e asse a 150ºC por 30 minutos, ou até ficar dourado. Deixe esfriar e reserve.
castanhas caramelizadas
Em uma panela, derreta em fogo baixo o açúcar até o ponto de caramelo. Adicione a água, misture bem e, em seguida, adicione as castanhas de caju. Mexa bem e deixe esfriar.
recheio
Em uma panela, misture todos os ingredientes e leve ao fogo baixo até que desgrude do fundo da panela. Reserve.
para servir
Corte o bolo já frio em 4 camadas. Por cima de cada camada, espalhe uma parte do recheio até cobrir bem e, em seguida, coloque outra camada de bolo por cima. Repita três vezes, fazendo um bolo com três camadas de recheio. Decore o bolo em volta com as castanhas caramelizadas e aplique spray dourado comestível em toda a superfície.
dica da chef
Faça uma calda de açúcar com baunilha fresca e use-a para regar o bolo e deixá-lo molhadinho.
rendimento 12 porções; preparo 2 horas; execução moderada
Sucré Patisserie
rua Nunes Valente, 1310 – Aldeota (veja no mapa)
(85) 3268-2983 – Fortaleza – CE
Manioca
maniocabrasil.com
Anita Pâtisserie
avenida Fernando Luiz Henrique dos Santos, 2340 – Bessa (veja no mapa)
(83) 8758-3047 – João Pessoa – PB
* Reportagem publicada na edição 202