04/11/2025 - 21:53
Eleito o Melhor Chef do Mundo em 2024 e 2025 pelo The Best Chef Awards, Rasmus Munk veio ao Brasil pela primeira vez na última semana para o Mesa São Paulo. Palestrante do evento, o cozinheiro dinamarquês mostrou a postura audaciosa que o garantiu o título que ostenta hoje.
Munk é criador do Alchemist, restaurante premiado com duas Estrelas Michelin em Copenhague, na Dinamarca. O estabelecimento une alta gastronomia à arte contemporânea dividindo cada refeição em até 50 “atos”, “combinando elementos comestíveis e puramente experienciais”, entre sons, luzes, vídeos e intervenções sensoriais. O objetivo é criar uma “cozinha holística” que transforma a comida em arte e a arte em objeto de debate ambiental e antropológico.

A alquimia de Rasmus Munk
Nascido em 1991 em Randers, na Dinamarca, Rasmus Munk começou a carreira na gastronomia aos 22 anos. Após concluir os estudos e passar por diferentes cozinhas, assumiu o comando do restaurante TreeTop, em Vejle, onde iniciou uma pesquisa sobre comida como forma de comunicação — processo que mais tarde se tornaria a essência de seu trabalho.
Em 2015, Munk abriu o primeiro Alchemist, que ficou conhecido por adotar uma abordagem experimental no serviço e na gastronomia. Dois anos depois, interrompeu as atividades para repensar o conceito da casa e inaugurou a nova versão do restaurante em 2019, trazendo uma imersão artística e científica à experiência gastronômica.
Dentre os exemplos de irreverência na cozinha, o chef destaca o “Tongue Kiss” — “beijo de língua”, em tradução do inglês —, prato servido em uma peça de silicone que imita a língua humana. “A única maneira de comê-lo é, na verdade, ‘beijando-o de língua’. É um bom quebra-gelo para a maioria dos clientes”, brincou Munk, completando: “Pessoas que eu conheço cinco anos depois de uma visita [ao Alchemist] ainda se lembram da maioria dos pratos, porque talvez eles tenham sido apresentados de uma maneira inusitada”.

Microplásticos para o jantar
Se há dez ou quinze anos o melhor chef do mundo se inspirava em texturas e produtos sazonais para executar sua cozinha, atualmente, o ponto de partida é outro. Elementos como o plástico no oceano, a arte de Andy Warhol e até mesmo a doação de órgãos e sangue tornaram-se inspirações para a criação dos pratos do Alchemist.
“Críticos perguntam: ‘Por que precisamos ter todas essas narrativas? Por que precisamos comunicar sobre coisas como plástico nos oceanos e a fome no mundo? Por que um chef deveria fazer isso? Por que um restaurante deveria fazer isso? Mas eu acho interessante, quando olhamos para o mundo da arte, [e] em todos os outros campos artísticos, é bastante normal esperarmos que o artista tenha uma ideia, uma narrativa, algo que ressoe com o espectador. E, neste caso, o cliente é o espectador no restaurante”, pontuou Rasmus Munk, durante palestra em São Paulo.
A vanguarda culinária sustentável do chef inclui pratos como o “bacalhau com microplásticos”, criado após a divulgação de relatórios que apontam grandes quantidades de contaminação por microplásticos no estômago de peixes pescados no norte da Europa. A criação leva mandíbula de bacalhau grelhada com tutano defumado e plástico comestível feito da pele do peixe que dá nome ao prato.

Há, ainda, o “Eight Layers of Life” (“oito camadas de vida”, em português), com sabores como folhas de cerejeira, azeitonas pretas e sal marinho. O prato ainda contém sangue de veado fermentado e simboliza que um doador de órgãos pode salvar, potencialmente, oito vidas.

A sustentabilidade de Munk se expande para além da cozinha do Alchemist: no SCORA, centro de inovação fundado pelo chef, cientistas e cozinheiros trabalham juntos em soluções que unem tecnologia e natureza. As criações incluem proteínas feitas a partir de dióxido de carbono (CO2), chocolates elaborados com grãos de cervejaria e pratos que repensam o uso de resíduos alimentares.
Já com o projeto Junk Food, o dinamarquês distribui milhares de refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade em seu país de origem, além de desenvolver ações em hospitais infantis.
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Da Dinamarca à estratosfera
O interesse de Rasmus Munk por ultrapassar fronteiras físicas e conceituais levou o Alchemist a mirar o espaço. Para 2027, o chef planeja uma experiência gastronômica na estratosfera: uma viagem realizada em uma cápsula pressurizada elevada por um balão de hidrogênio, com duração de seis horas. A espaçonave ascenderá a cerca de 100 mil pés, ou 30,5 quilômetros, acima do nível do mar.
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Os itens do cardápio serão preparados, em sua maioria, na cozinha do navio de onde a espaçonave decolará. O jantar terá valor de US$ 495 mil, ou cerca de R$ 2,6 milhões na cotação atual, e terá lucro direcionado ao Space Prize, instituição que empodera jovens mulheres a participar na economia espacial.
Segundo Munk, a pesquisa gerada por essa iniciativa já inspira soluções aplicadas na Terra. Um exemplo é o “Space Bread” (“pão do espaço”), desenvolvido a partir de um molho de soja aerado e liofilizado, cuja textura crocante se desfaz instantaneamente na boca. Criada para superar as restrições da alimentação em gravidade zero, a tecnologia acabou por ser usada em um hospital infantil em Copenhague: crianças em tratamento de câncer, com feridas na garganta, puderam sentir a textura crocante sem desconforto.
