16/10/2019 - 17:00
Por Suzana Barelli
A América do Sul entrou no foco do simpático inglês Alistair Cooper. Master of Wine desde 2017, ele vem investindo em conhecer mais não apenas os vinhos da região, mas também seus vinhedos e produtores. Não é à toa que ele foi o principal destaque da primeira edição da Wine South America, feira de vinhos realizada em Bento Gonçalves (RS) no final de setembro. No evento, ele fez duas palestras, uma sobre os vinhos de extremos na América do Sul, elaborados em áreas pouco tradicionais para o cultivo da vinha, como o Atacama, no Chile, ou o Estado de São Paulo, no Brasil; e outra sobre os espumantes nacionais. Na sugestão de Cooper, nossos produtores deveriam investir em produtos premium para ganhar mercado. Confira a seguir:
Esta é a sua primeira visita para conhecer conhecer as vinícolas e os vinhos brasileiros?
Queria vir já faz alguns anos. Tenho muito interesse e paixão pelos vinhos da América do Sul. Conheço bem os vinhos chilenos e os argentinos e tenho provado bastante coisa do Uruguai. O Brasil é um país que eu sempre quis conhecer. Quero entender tudo que está acontecendo com a América do Sul como um todo.
Já tinha provado nossos vinhos?
Não muitos. Não é fácil encontrá-los na Inglaterra, ainda mais na consistência do que eu provei aqui, principalmente os espumantes. Gostaria de ver mais destes vinhos em Londres, porque o Brasil, como país, tem uma imagem internacional muito forte e muito boa. Penso que isso é uma grande vantagem para os seus produtos. As pessoas pensam no Brasil e sorriem.
Após uma semana de visitas às vinícolas, qual sua opinião dos vinhos brasileiros?
Em essência, são bons. Alguns são muito bons, principalmente os espumantes, que têm maior potencial para crescer em qualidade. Alguns vinhos tranquilos ainda não têm a identidade do Brasil. É estranho um país tropical no qual o consumo de tintos é maior do que o de brancos. Adoraria ver mais vinhos frescos sendo elaborados, mas nas áreas certas. Não é para fazer brancos apenas para ter vinhos brancos. Fiquei muito bem impressionado com o potencial dos brancos que provei de Santa Catarina. São frescos, fáceis de beber. Só não provei grandes sauvignon blanc, por isso não tenho certeza se essa é a variedade certa. Entendo que no passado o Brasil estava tentando descobrir suas identidades, plantou algumas coisas, depois mudou de variedade, plantou merlot, porque é ‘fashion’, e plantou cabernet sauvignon. Provei alguns cabernet franc antigos muito bons. É difícil porque quando você não tem uma identidade, você fica testando o mercado. Penso que o Brasil deve primeiro focar naquelas uvas que podem crescer bem em cada uma das regiões produtoras e então criar o seu mercado.
Por que, em sua palestra, você falou que o Brasil deveria investir em bebidas de maior qualidade?
Eu acho que, ao focar em produtos premium, há mais espaço para criar uma identidade. Há sempre nichos de mercado que podem ser explorados. Vinhos mais simples, de volume, são perigosos para a longa caminhada. A categoria de espumantes é interessante porque esses vinhos permitem remediar as variações de safra. É por isso que fazem grandes espumantes em Champanhe: seus produtores não conseguem fazer bons vinhos tranquilos todos os anos. Além de apostar no mercado premium de espumante, é preciso olhar para novos terroirs. Tenho certeza que, em um país tão grande como o Brasil, tem muitos terroirs para serem descobertos.
Quais as vantagens e desvantagens para o vinho brasileiro?
A vantagem é a imagem do país. A maior desvantagem não tem a ver necessariamente com fazer o vinho, mas é a dificuldade dos tributos, da distribuição, da logística.
E para os espumantes?
A maior vantagem é a variedade de estilos. Fiquei surpreso como vocês conseguem fazer bons espumantes pelo método charmat, pelo clássico, e tem também os moscatéis, as categorias blanc de blanc, blanc de noir, sem dégorgement (sem retirada das leveduras). Uma das grandes desvantagens é que as informações dadas para os consumidores no rótulo e contrarrótulo não são claras. O consumidor tem de saber exatamente o que está bebendo, qual a data do dégorgement, qual o estilo, se é vintage. Juntos, vocês poderiam criar essas regras, um sistema de denominação e ter um nome para ele. Na minha apresentação de espumantes, eu não conseguia saber exatamente o que eu estava bebendo.
Acredita que precisa de um nome?
Eu acho que pode ajudar se criarem um nome para a categoria. Fica mais fácil para divulgar tanto para o consumidor como para os produtores viajarem juntos e divulgarem. É uma coisa que os produtores têm de criar, assim como as regras, como definir o tempo mínimo de contato das leveduras, quais informações colocar no rótulo. E isso tem de ser seguido por todos.
O que você faria se precisasse promover os vinhos os vinhos brasileiros no exterior?
Primeiro, investiria em educar as pessoas. Começaria a falar sobre os vinhos brasileiros, que muitas delas não sabem. Faria aulas de estudo, criaria uma imagem para o vinho, mas não uma imagem que os vinhos brasileiros são divertidos. As pessoas não vão bebê-los porque o Brasil é divertido. Estamos falando de um produto premium, de um posicionamento de crescimento de longo prazo.
Você tem trabalhado com vinhos chilenos, argentinos, uruguaios. Como vê os vinhos sul-americanos?
Eu quero ver a América do Sul trabalhando junta. É importante para cada país. O Chile não tem uma imagem forte, mas tem uma sólida cultura de vinho e uma indústria também. O Brasil tem uma imagem muito boa; a Argentina tem os dois, a imagem positiva e os vinhos; e o Uruguai é um país importante, a qualidade está melhorando muito rápido. Todos vão se beneficiar se trabalharem juntos, de se encontrarem, dividirem ideias. Sempre acreditei em cooperação na indústria do vinho.
Por que você escolheu falar dos vinhos de regiões extremas em sua apresentação?
O fato mais importante é a inovação. Nessa degustação, pude falar da inspiração dos enólogos, das inovações que as regiões extremas possibilitam. Havia muito vinho chileno porque o Chile é tradicionalmente um país aberto a isso e cada vinho traz uma história. A história vende vinhos; a inovação vende. Não é plantar cabernet sauvignon porque acha que essa uva vai vender, mas descobrir as possibilidades de cada vinhedo.
O inglês Alistair Cooper MW, que gostaria de ver mais espumantes brasileiros na Inglaterra
A Wine South America (WSA) saiu na frente. Embalados pelo sucesso de sua primeira edição, realizada na última semana de setembro, em Bento Gonçalves (RS), seus organizadores anunciaram que a próxima feira ocorrerá na última semana de setembro de 2019. Nos mesmos moldes da WSA deste ano, o último dia do evento coincidirá com a Avaliação Nacional de Vinhos, a maior degustação do Brasil, promovida pela Associação Brasileira de Enólogos (ABE). A avaliação, tradicional no calendário, reúne mil pessoas para degustar os melhores vinhos e base de espumantes de cada safra. A coincidência da data garante ao evento um público que entende e gosta de vinho.
Para a estreia, o modelo da WSA deu certo. A Milanez & Milaneze, representante no Brasil da Vinitaly, a maior feira de vinhos italianos, realizada em Verona, trouxe o seu modelo de exposição para o coração da indústria vinícola brasileira. Reuniu 250 marcas de vinho, concentradas em pouco menos de cem vinícolas, que investiram em estantes bonitos, bem decorados. A maioria dos produtores gaúchos apareceu no evento, e o público, divulgado em 6 mil pessoas, prestigiou. Seu maior diferencial foi o projeto compradores, que contou com profissionais de dez países, como Chile, Peru, Estados Unidos, Espanha e Rússia; além de representantes dos 25 estados brasileiros. Todos estavam interessados em realizar negócios com as vinícolas expositoras e mais de 400 reuniões foram realizadas.
Agora o foco é para 2019, com duas grandes feiras de vinho previstas para o segundo semestre no Brasil. Além da segunda edição da WSA, haverá a estreia da ProVino – Feira Profissional de Vinhos e Destilados, marcada para os dias 15 e 17 de outubro, no ExpoTransamerica, em São Paulo, e que também conta com um sobrenome de peso. A ProVino é organizada pela Emme Brasil, empresa que há dez anos representa as feiras da Meme Düsseldorf (leia-se ProWein) no Brasil e que, para essa feira, se associou a Christian Burgos, sócio da Editora Inner. A diferença é que a Provino será realizada em São Paulo, longe dos principais produtores nacionais, mas no centro do consumo e dos negócios do país.
Em comum, as duas feiras contam com o apoio e a tecnologia de negócio dos organizadores da Vinitaly e da ProWein, respectivamente. A primeira tem foco nos vinhos do país da Bota – e já havia presença de italianos na primeira edição da WSA –, e a segunda nos negócios do vinho no âmbito mundial, já que a ProWein é a mais importante feira de vinhos da atualidade. As duas feiras procuram ocupar o espaço deixado pela Expovinis, que chegou a ser o maior evento da América Latina, e foi descontinuado no início deste ano. É de se perguntar se há espaço para os dois eventos anuais dessa magnitude no panorama brasileiro. Mas a resposta fica para o ano que vem, quando a organização da WSA e da ProVino estará a pleno vapor.
*A jornalista viajou a convite da Wines of South America e da Ibravin