O enólogo Adriano Miolo aproveita a Expovinis e fala sobre a salvaguarda

Por Suzana Barelli

Desde as primeiras notícias sobre a salvaguarda, no início de março, que tento entrevistar Adriano Miolo sobre a medida que, se aprovada, vai restringir a entrada de vinhos importados no Brasil. Adriano é, na minha opinião, um dos melhores enólogos do Brasil, e a Vinícola Miolo é vista pelo setor do vinho como uma das empresas por trás da ideia da salvaguarda. Assim, o silêncio da vinícola me incomodava. Ontem, no último dia da Expovinis, Adriano falou. Defendeu a salvaguarda, deu detalhes da crise em que vive o setor – em seus cálculos, sobram 40 milhões de vinhos finos por ano nos estoques das vinícolas nacionais – e afirmou que está otimista com a repercussão da salvaguarda. A seguir, os principais pontos da entrevista editada, acompanhada pelo Lote 43 da safra de 2009, um dos primeiros tintos a mostrar que há vinhos brasileiros de qualidade.

Por que a Miolo demorou a se pronunciar?

Assim que saiu a notícia da salvaguarda, começou o tiroteiro. Decidimos deixar as coisas acontecerem antes de nos pronunciarmos na imprensa. Mas temos falado com nossos clientes desde o primeiro dia, explicado nossa situação. Só não dá para dizer que foi a Miolo que pediu a salvaguarda. A Miolo não é sócia do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho). Foi o Ibravin que apresentou a proposta da salvaguarda e não as empresas. O Ibravin fez isso a partir de seus sócios, que são 52 associações. As associações de produtores são os sócios do Ibravin. A Apex-Brasil é sócia do Ibravin. A Abrabe é sócia do Ibravin. Não são as vinícolas que são sócias. E o setor tem fóruns legítimos para estas discussões, que é a Câmara Setorial da Uva e do Vinho.

Mas a salvaguarda não foi discutida nesta câmara. O Ibravin e mais três entidades do setor apresentaram a proposta diretamente para o Ministério da Indústria.

Não entendo porque a salvaguarda não foi discutida neste fórum. Mas não adianta atacar as empresas. Temos de fazer a discussão de como resolver a crise do vinho brasileiro. E nós, da Miolo, somos pelo entendimento, não pelo enfrentamento, como algumas empresas, alguns importadores e alguns jornalistas.

A Ibravin diz que a ideia da salvaguarda foi discutida antes com as vinícolas.

Nunca fomos convidados para discutir este tema com o Ibravin. Mas o importante é que o setor fez o pedido de salvaguarda. E isso leva ao que considero o segundo erro da repercussão da salvaguarda – o primeiro é esta difamação das nossas empresas. O segundo é que ninguém abordou, de verdade, o problema. As pessoas precisam ver a gravidade do tema e isso não está sendo discutido. Hoje, sobram por ano 40 milhões de litros de vinhos brasileiros por ano. O governo, pelo Ministério da Agricultura, compra este vinho, paga o preço mínimo. O governo já lançou programas, como o de escoamento da produção. Mas este estoque é grande e está crescendo. Os dados do primeiro trimestre de 2012 mostram que este ano será pior que 2011, com uma queda ainda maior da participação dos vinhos brasileiros no mercado de vinhos finos.

Mas você acha que a salvaguarda é a solução?

Se a salvaguarda é o ideal? Não sabemos dizer. Pode ter ações para achar a solução. Precisamos ouvir os produtores de uva, as vinícolas. Somos defensores da discussão. O que não dá é para entrar no enfrentamento. Desde o início da salvaguarda, já teve a ameaça de boicote ao nosso vinho. Boicote é uma medida autoritária. Mas é preciso fazer alguma coisa. Não podemos matar este setor. É o nosso vinho. O vinho brasileiro.

Mas quem atrapalha o vinho nacional, não é o vinho importado barato?

É, o vinho barato.

Mas a salvaguarda não vai combater o vinho barato, que entra de países como Argentina e Itália, por exemplo.

Há 5 anos, teve uma medida do governo, que gerou a MP 413. A medida iria taxar os importados pelo valor da garrafa e não em porcentagem. Mas isso nunca saiu do papel. Esta medida é uma forma de deixar mais caro os vinhos mais baratos, que entram no Brasil. Este é um tema que pode voltar à discussão, agora que estamos discutindo o setor.

Restaurantes tiraram os rótulos nacionais da carta, tem um abaixo-assinado na internet contra o vinho brasileiro. Você não acha que a salvaguarda trouxe um dano para a imagem do vinho brasileiro?

Eu acho que não. Agora tem mais gente defendendo o vinho nacional. Hoje, 89% do consumo de vinho fino é importado e 11% é nacional. Depois da abertura da nossa economia, a participação de vinhos nacionais e importados era de 50% a 50%, aproximadamente. Agora, a cada 10 vinhos importados, 1 é nacional. Se 25% das pessoas começarem a defender o vinho nacional, a se perguntarem da salvaguarda e a quererem beber o nosso vinho, teremos um aumento de consumo, de 11% para 25%, por exemplo. E temos recebido muita solidariedade. São pessoas com um posicionamento mais crítico. Além disso, o vinho brasileiro tem conquistado espaço lá fora, é considerado pelos críticos internacionais.

Você falou que vê um lado positivo nesta discussão.

Sim, pela primeira vez estamos discutindo o setor, os problemas, o que fazer com o estoque de vinhos. Forçosamente vamos chegar a todas as questões do vinho, às práticas desleais, ao vinho muito barato que entra por aqui. As entidades terão de sentar, conversar e encontrar soluções.

Como está a Miolo hoje? A empresa tem excedente de produção?

Temos 1.200 hectares, 650 funcionários, investimos em vários terroirs do Brasil. E sim, temos excedente de vinho.