por Suzana Barelli, de Ponte de Lima, Portugal*

Há duas hipóteses para a origem da denominação Vinhos Verdes, região vinícola ao norte de Portugal, quase fronteira com a Galícia espanhola. A primeira é que sua paisagem sempre foi verdejante. A segunda é que suas uvas não conseguiam amadurecer completamente, pela chegada da chuva e, assim, eram colhidas verdes. Pouco importa qual a razão verdadeira: as duas suposições indicam que não é fácil elaborar vinhos de qualidade por lá. Paisagem exuberante é o oposto de terrenos pouco férteis, que as videiras tanto gostam; e uvas que não amadurecem dificilmente vão gerar brancos e tintos complexos.

Mas a região vem se reinventando e aprendendo a tirar proveito de suas características peculiares. Neste cenário, desponta uma pequena vinícola – são 30 hectares, 12 deles plantados com vinhas –, que, ainda, aposta em uma uva pouco conhecida, a loureiro. É a Quinta do Ameal, propriedade secular (seus primeiros registros são de 1710), comprada no final do século passado pelos herdeiros de Adriano Ramos Pinto, figura importante na história dos vinhos do Porto, não muito longe dali.

Pedro Araújo, bisneto de Ramos Pinto, assumiu a vinícola em 1998 e decidiu dar a ela um rumo diferente do traçado por seu pai. “A loureiro é uma casta fabulosa”, afirma ele. Ao invés de plantar todas as variedades brancas autorizadas pela legislação local, como trajadura, arinto, entre outras, focou na loureiro. Sua ideia era mostrar que a variedade pode dar bons resultados quando cultivada com as podas corretas, limitando sua produção. A cada safra, são colhidas cerca de 5 toneladas de uva por hectare, de uma planta que produz, tranquilamente, até 15 toneladas por hectare. A uva precisa, ainda, do terreno correto – no caso da Ameal, o solo é de origem granítica – e, na quinta, é moldado por um microclima que tem no rio Lima a sua marca.

Ao mesmo tempo, Araújo contratou o enólogo Anselmo Mendes para elaborar seus brancos. Na sub-região de Monção e Melgaço, mais ao norte, Mendes é um pioneiro na valorização dos Vinhos Verdes, porém com a uva alvarinho, de notas mais cítricas. Pedro o desafiou a explorar a loureiro, a variedade típica da região de Ponte de Lima, e que traz viés mais frutado. O resultado é um vinho verde diferenciado, fresco, mas sem as borbulhas que marcam os brancos mais simples da região, e com aromas bem puros da fruta. O primeiro a chegar ao mercado foi o Clássico, em 1999, elaborado em tanques de inox, com o necessário controle de temperatura. No ano seguinte, foi a primeira safra do Escolha, um loureiro que passa por barris de carvalho. “Foi o primeiro loureiro fermentado em barricas”, orgulha-se Araújo.

Na ambição de Araújo estava ainda um espumante e um vinho doce. Sobre o espumante, o branco é elaborado apenas em anos especiais e tem uma pequena porcentagem de arinto, variedade que foi plantada antes da chegada de Araújo na vinícola. As borbulhas passam por dois estágios em garrafa, cada um por um período de três anos: o primeiro antes do dégorgement (técnica de tirar as leveduras do contato com o líquido) e o segundo, depois desta retirada. Elaborar um vinho doce foi o passo mais complicado. Depois de experiências em sete safras, conseguiu-se elaborar o branco doce em 2007 e o batizou de Special Harvest. Nele, as uvas são secas em esteiras dentro de um armazém perto do rio por um período de dois a quatro meses, e depois fermentam. A produção é pequena, ao redor de 700 garrafas de 350 ml.

No meio do caminho, Araújo se encantou com a agricultura orgânica – hoje seus vinhedos são cultivados sem produtos químicos, apesar de ele ter aberto mão dos certificados em nome de maior liberdade nos vinhedos. E decidiu elaborar outro branco que expressa bem esta proposta: o Solo. As uvas são colhidas, prensadas e colocadas em cubas, sem controle de temperatura. A fermentação ocorre de maneira natural, sem a adição de leveduras selecionadas.

Araújo também percebeu, ao provar safras antigas, que seus vinhos envelhecem bem, ao contrário da ideia geral sobre os vinhos verdes. Só se arrepende de não ter guardado muitas garrafas de suas primeiras safras para acompanhar melhor esta evolução. Se vale um comentário da autora do texto, o Clássico 2005, degustado recentemente, mostra como a loureiro pode ganhar notas de evolução (frutos secos, principalmente) sem perder o seu frescor. Os brancos são importados pela Qualimpor e custam entre R$ 115 (Clássico) e R$ 510 (Special Harvest).

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Acima e à esquerda, a pequena vinícola na zona rural de Ponte de Lima. Ao lado, a uva loureiro antes da colheita e, abaixo, os vinhos doces, de produção limitada (fotos: divulgação)

* a jornalista viajou a convite da Qualimpor e a reportagem foi publicada na edição 201 da Menu