08/10/2019 - 15:00
por Suzana Barelli
Há 21 anos, quando lançou a primeira edição do Descorchados, o chileno Patricio Tapia sabia que seu guia de vinhos não seria apenas uma publicação com descrições aromáticas e gustativas sobre os vinhos degustados e com uma nota, sempre na escala de até 100 pontos. Tapia queria fazer um trabalho diferente, mostrar as tendências, trazer sua opinião. Nestas duas décadas, ele foi consolidando este caminho e ampliando o alcance do guia: a publicação que começou com os vinhos chilenos, passou a avaliar também os argentinos, uruguaios e brasileiros. No começo, a opção era provar as garrafas totalmente às cegas (quando não é possível identificar o vinho ou o produtor). Degustava em uma sala de um hotel em Santiago, com o auxílio do sommelier Hector Riquelme. Com o tempo, Tapia sentiu a necessidade de discutir os vinhos com seus produtores, até para conversar sobre as tendências e as ideias dos enólogos. Manteve a degustação às cegas para os vinhos melhores classificados e chamou para o trabalho o brasileiro Eduardo Milan.
O modelo deu certo. A edição de 2005, por exemplo, trazia 1 mil vinhos degustados (hoje são quase 5 mil), em menos de 300 páginas, em contraste com as 1.200 deste ano. Ao longo deste período, Tapia foi pontuando as tendências dos vinhos sul-americanos, dos alegres tintos elaborados com a uva país, variedade rústica trazida pelos colonizadores espanhóis para o Chile e então relegada aos goles mais simples; dos vinhos laranja (os brancos vinificados junto com a casca e o engaço); daqueles brancos e tintos mais frescos, resultado da decisão dos enólogos de colherem seus vinhos mais cedo, sem a supermaturação das uvas; da redução do uso de barricas de carvalho novas para amadurecer a bebida. No capítulo dos vinhos brasileiros, pontuou os espumantes que chegam ao mercado ainda com as leveduras, antes do degorgement.
Estas tendências são apresentadas sempre em um concorrido seminário, que antecede o lançamento do guia no Brasil. Ao contrário dos anos anteriores, quando havia sempre um vinho de muito destaque, seja pela qualidade, seja pelo inusitado, este ano o raio-x de Tapia parece mostrar que chegou a hora de lapidar os vinhos. Nada de brancos e tintos muitos ousados ou de novas técnicas de vinificação, porém o painel trouxe muitos bons vinhos, preocupados com os detalhes, do vinhedo, da colheita e da vinificação. O ponto que parece ligar todos eles (a apresentação listou 12 garrafas dos quatro países) é o frescor, aquela tensa acidez que deixa os brancos e tintos mais interessantes na taça.
Entre os brasileiros, um dos destaques do crítico é o Cave Amadeu Rústico Nature (R$ 79, na Cave Geisse), o primeiro espumante da Cave Geisse que chega ao mercado sem a filtragem das leveduras. Na Argentina, Tapia também mostra que o frescor e a tensão aromática do vinho são a tónica. Um exemplo foi o Imán, um malbec de tupungado da jovem Casa Petrini, com agradáveis notas ferrosas (ainda não presente no mercado brasileiro); outro é o fresco e cítrico sauvignon blanc da Casa Yagüe, na Patagonia (também não presente no mercado brasileiro). Do Chile, aparece o Vistalago Mezcla Branca (R$ 119, na Ville du Vin), que mostra que mesmo no vale de Maule brancos podem ter frescor e também estrutura e um enigmático malbec, da Vitivinícola Estación Yumbel, em Bio Bio, no sul do país (ainda não presente no mercado brasileiro). Do Uruguai, o destaque é o Parcela Única B28 Tannat, da vinícola Bouza (vinho sem estoque no Brasil, importado pela Decanter).
No evento de lançamento, Tapia também apresentou 10 dos melhores vinhos de seu guia. Neste painel, destaque para o Rastros do Pampa Tannat 2018, da Guatambu (R$ 61,50, na Guatambu), pelas agradáveis notas de frutas frescas; e para o Casa Valduga Sur Lie 30 meses Nature, com aromas complexos de leveduras e ervas (R$ 79,90 na Casa Valduga). Da Argentina, foi belo branco White Bones, da Catena (US$ XXX, na Mistral); e o complexo tinto Piedra Infinita Supercal 2016, da família Zuccardi (rótulo não disponível no Brasil, mas a Grand Cru traz os demais vinhos); do Uruguai, o Balastro 2016, o tinto premium da Garzón (R$ 1.100, na World Wine). E o melhor tinto do guia foi o Viñedo Chadwick 2016, (R$ xxx, na Grand Cru), elaborado por Francisco Baettig (leia texto na página xx).