por Pedro Marques*

Se alguém falasse em azeite de qualidade e produzido no Brasil alguns anos atrás, com certeza levantaria suspeita. Afinal, o óleo extraído das azeitonas sempre foi muito mais associado a produtores tradicionais de países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Por aqui, a produção nem existia. Uma década depois, os produtores brasileiros começam a, literalmente, colher os frutos das oliveiras plantadas em solo nacional. E, com elas, já fazem azeites de qualidade.

Tudo isso foi conferido em julho do ano passado na oitava edição da ExpoAzeite, realizada no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O evento ainda abrigou o 5º Encontro da Cadeia Produtiva da Olivicultura no Brasil e no Mundo, que ofereceu palestras para os interessados nesse mercado nascente. O destaque, porém, foram os expositores. “Foi o primeiro ano que a feira teve mais produtores nacionais que importadores”, explica Carla Retuci, da fazenda Três Barras Castanhal, na cidade de Andradas (MG), que desenvolve há cinco anos o azeite Borriello. “Ninguém acreditava que podia ter oliveira no Brasil e que a gente pudesse fazer azeite”, diz.

As oliveiras nacionais têm mais ou menos 7 anos de vida e 30% delas ainda não começaram a produzir seus frutos

A desconfiança se justificava pela falta de tradição brasileira no setor. Isso porque Portugal impediu a plantação de oliveiras no Brasil durante a colonização para incentivar as exportações de azeite. E, depois da independência da coroa lusitana, outras culturas, como o café, se mostraram mais interessantes para os fazendeiros. “A gente perdeu muito tempo, é lamentável”, diz Carla.

A boa notícia é que a produção nacional de azeites tem tudo para deslanchar nos próximos anos, avalia Nilton Oliveira, presidente da Associação dos Olivicultores do Contraforte da Mantiqueira (Assoolive). “Temos mercado para isso. Hoje, ainda fazemos pouco, serão 100 mil litros em 2017, metade de fazendas da Serra da Mantiqueira, metade do Rio Grande do Sul”, afirma. “Mas devemos dobrar a produção para o ano que vem, pois as plantações são novas e leva tempo para fazer a colheita das olivas”, acrescenta. O presidente da Assoolive estima que existam 2 mil hectares ocupados por oliveiras na Serra da Mantiqueira – desses, 80% estão em Minas Gerais e o restante em São Paulo. Porém, cerca de 30% das árvores plantadas ainda não começaram a produzir frutos.

Nélio Weiss, dono da marca Olibi, que começou a envasar seu produto em 2017

Na maior parte, essas plantações são destinadas à variedade arbequina, que apresenta bom rendimento, mas resulta em óleo de perfil de sabor mais neutro. Para dar mais personalidade, ele é combinado com o óleo extraído de outras variedades que se adaptaram ao solo brasileiro, como grappolo, picual e koroneiki, mas não rendem tanto. Em comparação com bons azeites europeus, feitos com os diversos tipos de olivas encontradas por lá, como kalamata, cordovil e manzanilla, pode parecer que os rótulos nacionais são mais simples. O óleo de oliva brasileiro, no entanto, se destaca pelo frescor. “Os azeites produzidos na Europa chegam ao Brasil, no mínimo, seis meses após seu processamento. Alguns chegam após um ano. Nossas garrafinhas estão na mesa do consumidor em 40 dias e isso é um fator decisivo. Quanto mais novo o azeite, maior a qualidade”, explica Oliveira.

Até por isso, os azeites nacionais vêm para competir no mercado premium. O Borriello, por exemplo, de Carla Retuci, está presente em empórios paulistanos como Casa Santa Luzia e supermercados que contam com produtos premium em suas prateleira, como o St. Marche. Também está nas mesas do restaurante de alta gastronomia Tuju, em São Paulo, onde o chef Ivan Ralston faz questão de usá-lo no couvert, para que as pessoas sintam o sabor do azeite. Já a fazenda Verde Oliva, em Delfim Moreira (MG), produz os primeiros azeites orgânicos e biodinâmicos do País. “Armazenamos nosso produto em tanques de aço inox e adicionamos nitrogênio para manter suas qualidades e os envases são feitos apenas uma vez por semana, para conservar bem”, explica Luiz Yamaguti, proprietário da fazenda. O Olibi, produzido na cidade de Aiuruoca (MG) por Nélio Weiss, é outro que procura se destacar pela qualidade. A seleção das azeitonas é feita manualmente e a extração do óleo acontece no mesmo dia, para garantir um azeite fresco, com apenas 0,1% de acidez.

O fato de competirem no segmento premium cria, no entanto, uma dificuldade adicional: o preço. “Você não vai ter um azeite de alta qualidade por menos de R$ 40 (a garrafa de 250 ml)”, diz Carla Retuci, da Borriello. “O produto brasileiro não vai competir com os rótulos mais comerciais, porque é uma outra escala. É como a cerveja artesanal, que não vai ter o mesmo preço de uma cerveja comum”, acrescenta Nélio Weiss. Mesmo assim, os produtores acreditam que, à medida que o mercado aumentar, o preço dos rótulos nacionais deve cair um pouco.

Azeitonas colhidas para produzir o azeite Borriello

E a aposta é de crescimento. “Colhemos 20 toneladas neste ano e queremos aumentar em 2018”, diz Yamaguti, da Verde Oliva. “A perspectiva é boa, temos 4 mil árvores, vamos para 8 mil e pretendemos plantar mais”, afirma Carla, da Borriello. Há, também, mais pessoas interessadas em entrar no setor. “Percebo que tem muita gente interessada, recebemos grupos de investidores que procuram nossa fazenda para entender o processo”, diz a produtora. “Tem muita gente entrando, em alguns anos vamos ter algo mais estabelecido”, avalia Weiss, da Olibi.

 

* Reportagem publicada na edição 220 (agosto/ 2017)