25/11/2021 - 0:17
Esta é uma polêmica na qual evitei me envolver até agora, mas ficou impossível negar que o Acarajé da Jaque, no centro de Porto Seguro, é o melhor lugar que encontrei na Bahia para desfrutar de um típico bolinho de feijão fradinho recheado com vatapá, caruru (quiabo), saladinha e camarão. É questão de reconhecimento, principalmente, nesta quinta-feira (25), data em que se comemora o Dia da Baiana do Acarajé.
Jaque, que nasceu em Itapoã, na cidade de Salvador, aprendeu a bater a massa do bolinho de feijão com cebola, água e sal, aos 11 anos de idade, vendo os avós “caboclos”, como ela diz, cozinharem. Depois, acompanhou a mãe todos os dias na barraca da família até se mudarem para Porto Seguro, assim que ela completou 17 anos. “Só queria tomar uma cervejinha e namorar. Não quis saber de vender acarajé até o dinheiro acabar”, recorda.
Então, voltou a trabalhar com a mãe na região de Coroa Vermelha. Anos depois, também se instalou no centro da cidade. “Agradeço a Deus, aos orixás e ao acarajé por tudo que tenho. Graças a eles, comprei casa e carro e estou muito bem”, conta ela.
“Foi trabalhando muito que consegui me tornar uma baiana do acarajé realizada e reconhecida”, entusiasma-se, enquanto atende os clientes fiéis e turistas (um chef de Minas Gerais, um casal de São Paulo e outro do Rio Grande do Sul) sentados em banquetas na calçada. Um jovem assistente chamado Vinícius ajuda com os pedidos e pagamentos. Cada bolinho custa, a partir, R$ 14.
Durante toda a visita que fiz, rimos e conversamos muito. E também falamos de assuntos sérios, como política, cultura e o filho dela, Julio Henrique, de 32 anos. “É o deus grego do acarajé”, diz, com sorriso largo, toda orgulhosa. “Ele pediu demissão da empresa que trabalhava para me ajudar a bater massa a atender o público. O acarajé é uma herança de família, menina”, completa.
Além do delicioso tempero e da qualidade do preparo (o óleo de dendê para a fritura é trocado todo dia), o bom-humor de Jaque faz da simples cabana um point disputado até em dias de chuva. Sob a tenda plástica, comi acarajé e abará, a versão cozida em folha de banana prata (que lembra pamonha de milho). Fiquei satisfeita com os dois pedidos completos e apimentados, mas tem gente que come até cinco porções. “E não perguntamos mais se o cliente vai querer comer quente ou frio. Agora, é com ou sem pimenta”, orienta ela, sobre a gíria baiana que ficou ultrapassada.
Após 42 anos no ramo, Jaque revela ter lutado para permanecer com as vendas na margem da avenida dos Navegantes, altura do número 159. “Como sou conhecida, consegui ficar nesse ponto, mas outras baianas não tiveram a mesma sorte e acabaram sendo expulsas por alguns empresários de restaurantes”, lamenta.
No entanto, segundo a cozinheira, o tempo de perseguição ficou para trás. Inclusive, em relação às raízes religiosas do quitute, que existe desde o período da chegada dos escravos à Costa do Descobrimento, no século XVI.
O acarajé e o abará, preparados nos terreiros de Candomblé para cultuar os orixás Iansã e Xangô, são os principais produtos do tabuleiro das baianas, reconhecidas como Patrimônio Imaterial da Bahia. “Estou sempre vestindo branco, mas, um tempo atrás, algumas baianas evangélicas quiseram mudar a cor da roupa que usamos e até o nome do acarajé para bolinho de Jesus. Felizmente, isso também acabou”, conclui.
Salve, Jaque. E muito axé!