por Carlos Ribeiro*

Muito antes dessa moda de chefs no Brasil, a chef Benê Ricardo já estava na ativa. Era conhecida pelos fartos e sofisticados banquetes que fazia nas casas da alta sociedade da década de 1980. Mas Benê era mais do que isso: representava a cozinha brasileira em toda sua tradição. A sua verdadeira paixão era a comida simples, bem-feita, ou do que ela costumava chamar de “trivial gostosinho”.

Aliás, era este o nome de um dos cursos que ministrava na escola de cozinha Viandier, nos Jardins, quando a conheci em 2005. Nas aulas, ela ensinava a fazer arroz, bife, tutu e muitos outros clássicos da cozinha nacional. Ah, e não podiam faltar os irresistíveis doces de tacho, como a bananada e o de abóbora com coco, por conta de suas raízes mineiras.

Enquanto ela dava aula à tarde, eu ficava com o horário da noite. Mas sempre chegava um pouco antes do fim das aulas dela, para que pudéssemos conversar. Não me esqueço do sabor da linguiça flambada na cachaça e de sua feijoada – a melhor que já comi. Tive o privilégio de aprender o preparo cuidadoso com ela, que começava com o dessalgue das carnes na quarta-feira e terminava com o prato pronto, no sábado. No final do cozimento, ela colocava uma laranja inteira na panela e uma dose de cachaça, bebida que ela utilizava em praticamente tudo que fazia.

A chef Benê sempre foi pioneira em tudo que se propôs a fazer. Se não me falha a memória, ela foi uma das primeiras mulheres a ingressar num curso de cozinha, numa época em que a cozinha profissional era um ambiente extremamente masculino. E, num período em que a gastronomia passou a ser modinha, ela seguiu com o seu ofício sem estrelismo. Os seus olhos sempre estiveram voltados para as suas panelas, de onde saía comida muito boa.

Recebi a notícia de seu falecimento no último sábado (31) com muita consternação. Mas, sem dúvida, o que ela deixa como legado é a sua enorme paixão pela cozinha brasileira. Obrigado por tudo, Benê. Fará muita falta.

* Carlos Ribeiro é chef do restaurante Na Cozinha, de São Paulo