01/04/2019 - 22:00
Por Roberto Fonseca
Uma das novidades mais interessantes da edição 2018 do Festival Brasileiro da Cerveja, em Blumenau, foi ver cervejarias pequenas e regionais apostando em madeiras ou frutas brasileiras. Neste último caso, notei um aumento considerável na quantidade de Catharina Sours, que não são um estilo oficial, mas um modo de produzir cervejas ácidas com frutas frescas locais. Polêmicas à parte – há quem veja as Catharinas com pouca inovação para configurar um estilo –, foi gratificante ver um aumento no uso de ingredientes frescos e, muitas vezes, brasileiros. A diversidade nacional nesse setor permite um número infindável de combinações.
Logo que voltei a São Paulo, porém, soube que uma cervejaria estava produzindo uma receita com pimentas Baniwa, cultivadas por tribos indígenas na região do Rio Içana e Alto Rio Negro, no Amazonas. Só que essa fábrica fica em Dublin, na Irlanda. Vilson de Mello Junior, brasileiro e um dos fundadores da Hopfully Brewing, conta que ele e os sócios tomaram conhecimento das pimentas ao assistir uma série com o chef Alex Atala. Segundo ele, após pesquisas e alguns testes, chegou-se à receita final, com 3,8% de teor alcoólico, notas de Saison, além de abacaxi, hortelã e as pimentas. “A Baniwa enriqueceu a cerveja, com um sabor contínuo na língua e garganta, além de trazer um toque salgado”, afirma.
Batizada de Baniwa Chilli, ela foi servida em março, durante um festival na Irlanda. A cervejaria se comprometeu a destinar 10% do valor das vendas à Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi), que, junto com o Instituto Socioambiental, elaborou o projeto de fazer da comercialização das pimentas uma alternativa de desenvolvimento das comunidades da região. Foram mapeadas 78 variedades de pimentas locais, que são cultivadas exclusivamente por mulheres.
Em escala caseira, um grupo de cervejeiros do Pará produziu, em 2015, uma receita com pimentas Waiwai, também cultivadas por indígenas, mas naquele Estado. “Fizemos uma Red Ale mas exageramos na dose”, brinca Paulo Bastos Junior, um dos autores da cerveja. “Dependendo das pimentas usadas, ela arde em um local diferente da boca, mas passa rápido.”
Apesar de ser interessante o fato de ingredientes brasileiros estarem chamando a atenção de cervejarias no exterior, resta uma pequena “inveja” – no bom sentido – por nenhuma marca nacional ter tomado a dianteira nesse processo.