crédito Roberto Fonseca
crédito: Roberto Fonseca

por Roberto Fonseca, especial para a Menu

De pé no teto de um vagão de trem em Morretes (PR), a cerca de 3 metros de altura, uma figura magra, de cabelo e barba longos, camisa, jeans e chinelos, discursa, eufórica. Pede que o grupo de cervejeiros a seus pés prometa nunca mais aceitar “as cervejas amarelas e efervescentes”. Diante dos gritos de concordância, se atira de costas na multidão, sendo jogado para o alto e abraçado. Sem sombra de dúvida, esse foi o momento mais emblemático da visita de Greg Koch, um dos fundadores da cervejaria norte-americana Stone, ao Brasil.

E foi uma semana cheia: depois de conhecer bares cervejeiros no Rio de Janeiro e até de acompanhar um dos blocos carnavalescos – foi fantasiado de Forrest Gump, no trecho do filme em que o personagem de Tom Hanks deixa a barba crescer e passa a correr pelos EUA –, ele seguiu para o Paraná. Em Curitiba, produziu mil litros de uma India Pale Ale em conjunto com a microcervejaria local Bodebrown. A receita, que leva nibs de cacau, terá cerca de 7% de teor alcoólico, 70 unidades de amargor (como comparação, uma loura industrial tem cerca de dez) e deve ser apresentada no Festival Brasileiro da Cerveja, em Blumenau, no final de março. Ainda em terras paranaenses, Koch participou do passeio cervejeiro de trem até Morretes, onde serviu uma garrafa de 3 litros de uma de suas crias, a Double Bastard, aos participantes, antes do discurso e de seu “stage diving” ao estilo de astros de rock.

A Double Bastard é apresentada pela Stone como “o irmão maior e mais malvado” da Arrogant Bastard, mais famoso rótulo da marca. Em entrevista concedida em São Paulo, de onde embarcou de volta para seu país, porém, Koch disse acreditar que a “filosofia Arrogant” – o texto do contra rótulo faz uma série de provocações ao observador, dizendo, por exemplo, que ele não é merecedor da cerveja em questão – foi erroneamente atribuída a sua cervejaria e a ele próprio. Apesar do contraste no visual em relação há alguns meses, quando era um sujeito barbeado e que usava blazer, ele afirma ter sido essa a única mudança pela qual passou desde a criação da Stone, em 1996.

Em 2012, a cervejaria foi escolhida a nona melhor do mundo pelo site de avaliações Ratebeer.com. Defensor de causas ambientais, Koch recomendou aos brasileiros importar menos cerveja e tomar mais chope como maneiras de reduzir o impacto da produção da bebida. Apesar de ter sido sondado durante sua visita, ele não confirmou se pretende exportar, por ora, suas cervejas ao Brasil. Um dos principais obstáculos é uma regra da qual ele não abre mão: há receitas da Stone que devem ser consumidas em até três meses ou retiradas do mercado e destruídas. O ato drástico tem como objetivo oferecer a bebida da forma mais fresca possível ao consumidor. Veja abaixo essas e outras opiniões de Koch.

Uma pergunta inevitável: o que você achou das cervejas brasileiras e do cenário cervejeiro nacional?

Greg Koch – Acho que pude ter alguma ideia, um conceito do que é a cerveja brasileira. No meu entendimento, uma pequena parte do todo, da realidade. Mas foi uma semana de grandes descobertas para mim. Há cervejas artesanais brasileiras espetaculares. Eu gostei não apenas da cerveja, mas da cultura cervejeira local, dos produtores.

Você é um dos defensores, na indústria cervejeira, da filosofia do “consumir localmente” os produtos e reduzir o impacto ambiental das atividades. Acha que o Brasil pode se adaptar a isso, sem ter produção local de lúpulos e importando parte dos maltes? O uso de ingredientes locais para substituir esses elementos seria interessante?

Greg Koch – Sendo realista, a maioria das coisas no mundo não é local. Nós não cultivamos quase nenhuma cana de açúcar nos Estados Unidos, mas ainda assim o país consome muito açúcar, demais até. Nós cultivamos cevada, porque temos o clima adequado. O que deveria ser local? Uma laranja deveria ser local, uma abobrinha, uma alface, vegetais? Essa filosofia é bem complexa, não dá para traçar uma linha e estabelecer que o que está de um lado é certo e o de outro é errado. Na Califórnia, por exemplo, é mais responsável importar arroz da Índia, o que gera uma pegada de carbono menor do que plantar na área do Delta do Rio Sacramento, o que é mais desafiador ambientalmente falando. O que pode parecer a princípio a melhor decisão nem sempre o é. Quando pensamos em cerveja, transportar grãos de cevada não é difícil, ele resiste bem ao armazenamento, não é caro e a pegada de carbono não é tremendamente alta. De fato, poderia haver um impacto ambiental maior se tentassem plantar mais malte no Brasil em vez de importá-lo. No caso do lúpulo, apesar de essencial, é uma parcela muito pequena da produção da cerveja, então importá-lo dos Estados Unidos ou da Nova Zelândia, por exemplo, não é um grande problema. O que eu acho que vocês não deveriam querer fazer tanto é importar cervejas prontas, porque elas requerem trazer embalagens, kegs e outros itens, e vocês acabam importando mais do que precisam. A ideia de usar ingredientes locais em alguns estilos de cerveja é maravilhosa, incentiva a criatividade e diversidade.

Mas, por exemplo, se você considerar que o Brasil importa todos os seus lúpulos, a chance de se ter uma India Pale Ale tão fresca como as feitas nos Estados Unidos é menor, justamente porque o ingrediente pode perder algumas de suas qualidades no transporte. Ervas e outros produtos locais poderiam desempenhar a função do lúpulo? Seria um caminho?

Greg Koch – Acho que, se você consegue obter variedades locais de ervas ou afins, você se diverte mais, sem dúvida. Mas quando você considera a quantidade de lúpulo que vai numa cerveja, mesmo nas mais lupuladas, é uma pequena fração do todo. Como amante de lúpulos, eu não quero abrir mão deles. Eu quero utilizar outros ingredientes, sem dúvida. Acho que o que precisa melhorar é a regularidade com que vocês recebem lúpulos frescos no Brasil. Vocês devem também trabalhar para assegurar que eles sejam da melhor qualidade possível. Para ser honesto, eu posso dizer que senti a diferença (de frescor de lúpulos) aqui. Ao mesmo tempo em que as cervejas são excepcionais, eu percebi esse desafio.

Você já pensou em utilizar latinhas para envasar sua produção? Acha que há benefício ambiental no uso de latinhas? É o que defendem cervejarias como a Sixpoint (de Nova York)…

Greg Koch – Nós não temos equipamento para envasar latas até hoje, e no momento estamos colocando em operação uma nova planta de envase de garrafas e kegs que custou milhões de dólares, então não é algo que está nos nossos planos. Difícil fazer uma defesa integral de um método ou de outro. Tudo é complexo e desafiador. A mineração da bauxita (para obter a matéria-prima das latinhas) é desafiadora ao ambiente, mas as latinhas são altamente recicláveis. O vidro requer uma grande quantidade de energia para ser produzido, assim como o alumínio na primeira vez… quer saber, esta é minha resposta: bebam mais chope. O keg é uma embalagem reutilizável. Parece piada, mas é sincero. Se queremos reduzir o nosso impacto, o que é uma boa coisa… deixe-me perguntar uma coisa, a água da torneira em São Paulo é boa para beber?

Sim, em boa parte dos lugares…

Greg Koch – Em boa parte dos lugares. Então por que eu vejo tantas garrafas plásticas de água pela cidade?

Aqui praticamente não há a cultura de cidades como Nova York, em que restaurantes servem água de graça em jarras, e não se vê garrafas nas mesas.

Greg Koch – Isso é o que fazemos (na Stone). Eu me recuso a vender água em meu restaurante. Nós filtramos a água e a servimos. Se preocupar com a questão dos lúpulos (o impacto ambiental da importação do ingrediente) é valioso, mas às vezes é preciso dar um passo atrás – coisa de 20 mil ou 30 mil pés (risos), para observar em uma perspectiva maior e dizer: ‘OK, de tudo que fazemos, vamos escolher as coisas mais importantes para começar.’ Não é que eu esteja tentando desviar o rumo da conversa sobre cerveja, mas às vezes eu vou a um brewpub com cervejeiros caseiros e vejo garrafas plásticas de água, frituras, carne, carne e mais carne. Não que eu não goste disso, mas…

Pelo que você viu em termos de importação, distribuição, armazenamento e vendas no Brasil, há condições hoje de que as cervejas da Stone sejam vendidas aqui, dentro de sua filosofia de consumi-las as mais frescas possíveis ?

Greg Koch – Pelo que eu vi, se tudo na cadeia de logística funcionar exatamente como é dito, pode ser possível. Mas quantas vezes você vê as coisas ocorrerem exatamente como é dito? A vida é o que ocorre enquanto você faz outros planos. Na Stone nós estabelecemos uma tolerância zero para “problemas acontecem”. Se você tem um padrão nos Estados Unidos de retirar cerveja do distribuidor e destruí-la após três meses, por que eu não deveria ter com outro país o mesmo respeito? Há pessoas que dizem “não, Greg, nós estamos felizes de ter sua cerveja mesmo com seis meses de vida”, e eu me sinto lisonjeado com isso. Mas eu não vou vendê-la nem servi-la aos meus amigos com mais de três meses, nem servi-la a ninguém, porque gosto de tratar a todos como meus amigos. Então esta é uma forma longa de dizer “eu não estou certo sobre isso”… Estamos tendo conversas, vendo as possibilidades e seria ótimo se chegássemos a uma equação que tornasse isso possível. Nós temos a Stone “Enjoy By” IPA, em que colocamos com letras grandes a data de validade (de um mês apenas). É uma vantagem quando o cervejeiro, o distribuidor, o revendedor, o lojista e o consumidor têm acesso à mesma informação. Não há informações “de bastidor”, nem segredos, está tudo na mesa. Como consumidor, aprecio sempre saber a verdade. É só o que peço, mas com que frequência se pode realmente esperar por isso? Raramente. E as pessoas aceitam isso.

Como você definiria a diferença entre o Greg Koch de dois anos atrás e o atual? Houve uma mudança de discurso, de filosofia?

Greg Koch – Quando me perguntam se mudou algo, eu respondo: eu parei de me barbear. É a única coisa. Isso pode mudar a percepção das pessoas. Sou o mesmo desde antes de começar a Stone. Nós temos filosofias bem claras e fortes sobre ética, acreditar no que fazemos e não reprimir a sua própria arte. Hoje eu tomei um pouco de cachaça; eu já tinha tomado dois dias antes e achado que não havia jeito de eu gostar da bebida, parecia ter gosto de combustível de foguete, e não seria uma bebida que eu iria querer mais provar. Mas hoje eu provei uma cachaça artesanal, apresentada por alguém que sabia e entendia do mundo da cachaça, e a achei maravilhosa. Eu quero comprar coisas de pessoas que não se importam se eu estou ou não pronto para prová-las, que só se preocupem com sua própria arte.

Você diria que as pessoas vêem a imagem que ficou da cervejaria, em especial por causa da Arrogant Bastard, e a misturam com a sua própria?

Greg Koch – Eu adoro a Arrogant Bastard, nós somos muito orgulhosos por essa cerveja e pela inovação que ela trouxe ao mercado, mas o desafio desta cerveja é que as pessoas começaram a cometer o erro de associar a personalidade dela com a empresa e com a minha própria. E isso não corresponde à realidade. Nós não nos sentimos bastardos arrogantes, não nos comportamos como bastardos arrogantes. Eu já disse “olá” para algumas pessoas de forma simpática, e ouvi pelas costas outras pessoas dizendo: “Você viu que bastardo arrogante ele é?” E eu pensei: “Mas o que é eu fiz?” Aí me lembro daquele ditado: “A primeira impressão corresponde a nove décimos da realidade.” Eu não mudei nada além da barba e do cabelo. Mas a percepção das pessoas em função desta mudança (de visual) está se alterando, e isso é surpreendente. Creio que parte da minha reputação vem do fato de que eu manifesto de modo explícito minha contrariedade com coisas assim. Eu não me importo em dizer: “Peraí, isso é uma cascata.” Não sou perfeito, mas vamos colocar luz nos cantos escuros. Isso é pouco realista da minha parte, eu sei.

Você considera que o crescimento do mercado em número de produtores e qualidade das produções está sendo saudável nos EUA?

Greg Koch – Diria que a analogia é de uma árvore. Quando tivemos um grande crescimento no final dos anos 80 até meados dos anos 90, as raízes não eram fortes. E quando os ventos fortes vieram em 1996, época em que essa primeira “bolha” cervejeira se rompeu, a árvore  se partiu. Não morreu, mas vários galhos caíram. Hoje as raízes da cerveja artesanal nos EUA são mais fortes. Sim, há muito crescimento sobre a terra e parte dele está ocorrendo rápido demais, por isso há galhos não muito fortes e outros mais encorpados. Então, quando a próxima ventania vier, alguns dos galhos vão cair, mas a árvore não vai se partir. Eu temo pelo dano que os galhos que caírem possam causar, mas não temo pelo futuro da cerveja artesanal. Cada nova onda de produtores tem seus sucessos