por Cintia Oliveira, de Araucária (PR) e Registro (SP)*  

Depois da água, o chá é a bebida mais consumida no mundo: são 3 milhões de xícaras apreciadas por minuto. O Brasil pouco contribui nessa contagem – para se ter uma ideia, a média anual por brasileiro é de míseras 10 xícaras. A expectativa, entretanto, é que nos próximos anos o mercado de chás alce voos mais altos no País, não só com o crescimento de consumo, mas também – pasmem – como produtor de Camellia sinensis de alta qualidade.

Pode parecer algo novo no Brasil, mas já faz um bom tempo que as primeiras mudas da planta que dá origem ao chá desembarcaram por aqui. Trazidas de Macau no final do século 19, a pedido de Dom João VI, foram plantadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o objetivo de testar a viabilidade da cultura de chás em nosso solo. Com o tempo, agricultores chineses vieram ao País para trabalhar na sua produção, mas, embora não tenha sido uma empreitada muito bem-sucedida em termos econômicos (o café era mais lucrativo), a cultura se espalhou por algumas regiões brasileiras.

Ume Shimada em seu cultivo no interior paulista (foto: Andre Lessa)

Uma delas foi a pequena cidade de Registro, no Vale do Ribeira, a cerca de 200 km da capital paulista. As primeiras mudas teriam sido levadas para a região na década de 1920 pelo agricultor japonês Torazo Okamoto. E outros membros da colônia começaram a enxergar na produção de chá uma excelente possibilidade de negócios: é o caso dos irmãos Shutekishi Amaya e Nao Amaya, que iniciaram a marca batizada com o sobrenome da família. “Começamos em 1936 com o chá-preto. A família colhia e enrolava à mão as folhas de chá”, conta o diretor de produção Riogo Amaya, pertencente à terceira geração presente no negócio. Poucos anos depois, a Amaya começou a comercializar o chá para a indústria e, por algumas décadas, chegou a adquirir a planta de outros produtores da região para atender a demanda. “Nesse período, Registro chegou a ter 42 empresas de chá”, lembra Amaya.

Tudo ia bem até que, em 2012, o cenário mudou e a indústria começou a adquirir o chá produzido na Argentina. “Vimos a nossa produção cair de 50 toneladas de folhas verdes para 3 toneladas ao dia. Foi um baque”, relata Riogo Amaya. Uma das prejudicadas foi a produtora Ume Shimada, que fornecia as folhas que cultivava para serem processadas e vendidas pela Amaya. “Via o mato tomando conta dos pés de chá e só queria abraçar e chorar”, lamenta ela que, mesmo assim, não permitiu que nenhum pé de Camellia sinensis fosse arrancado.

A especialista em chás Carla Saueressig, que acredita no potencial do produto brasileiro

A guinada veio na safra seguinte, quando um amigo da família encontrou um maquinário antigo para produção de chás num ferro-velho e o reconstruiu para que Ume e sua família pudessem beneficiar suas plantas. Em 2014, o neto de Ume, Swan Yuki Hamasaki, inspirou-se na sua avó para criar a marca Obaatian, especializada em chá-preto. “Em japonês, o ideograma chá tem o mesmo som que a palavra avó”, explica ele.

Logo que saiu a primeira safra, eles procuraram a especialista em chás Carla Saueressig, da extinta loja de chás Tee Gschwendner, de São Paulo. “Quando provei pela primeira vez, fiquei impressionada com sua qualidade, o aroma frutado e o sabor que lembra lichia”, conta ela. Há 18 anos, a sua loja reúne mais de 200 tipos de chá, vindos de diversas partes do mundo. E, para Carla, abrir espaço para as versões brasileiras é fundamental. “Acho importante começar esse movimento de alguma forma. Mas tratam-se de duas ações: é preciso desenvolver a qualidade e criar uma cultura em torno da bebida no País”, diz Carla, que comanda um curso de sommelier de chás, que está em sua terceira turma.

Riogo Amaya estão em busca da certificação orgânica para os seus chás

Os chás de Registro (SP) não são os únicos que fazem parte do seu portfólio. Alguns anos atrás, Carla ouviu falar de uma produção de chá-verde orgânico em Araucária, pequena cidade no interior do Paraná, comandada pela empresa japonesa Yamamotoyama. Fundada em 1620 no Japão, a marca chegou ao País nos anos 1970, em busca de terras para o cultivo de Camellia sinensis. “O frio no Paraná ajuda a planta a crescer mais devagar, o que ajuda a desenvolver melhor o sabor”, conta Maurício Takeshi Kitano, gerente-geral da Yamamotoyama do Brasil.

Hoje, há cerca de 200 hectares divididos entre Araucária e São Miguel Arcanjo, no interior do São Paulo, que produzem cerca de 800 toneladas por safra, das quais 20% são de chás orgânicos. Atualmente, a maior parte da produção vai para o mercado externo – Japão e Estados Unidos. “O grau de exigência com o chá lá fora é muito alto, mas temos visto que isso está chegando ao Brasil também. Por isso, a cada ano vemos a necessidade de manter a alta qualidade do que é vendido aqui”, diz Kitano. Carla, que adquiriu toda a produção do chinchá (primeira colheita) da marca, considerado o mais premium, concorda. “O cuidado se reflete na qualidade do chá, que tem notas de uva verde, leite, e que, em vez de amargor, tem um final doce”, explica ela.

Tudo indica que o caminho do chá é o mercado premium. A pequena produção de 60 kg por safra da Obaatian passa por um processo artesanal e fica seis meses armazenado, para concentrar o sabor. “O nosso foco ainda não é aumentar a produção, mas sim desenvolver a qualidade do produto e firmar a marca no mercado”, afirma Swan Yuki Hamasaki. Já a Amaya está aguardando a certificação orgânica, que atualmente corresponde a 10% da produção. E, em breve, lançará no mercado a versão em sachês. “Essas são as nossas apostas para se manter no mercado”, diz Amaya. Só o futuro dirá se o chá irá dividir a cena com outras bebidas na mesa do brasileiro, mas o movimento já começou, de xícara em xícara.

Maurício Takeshi Kitano, da Yamamotoyama, que investe na qualidade do chá-verde nacional

DO CAMPO PARA A XÍCARA

Para ser classificada como chá, a bebida deve ser elaborada com folhas de Camellia sinensis. Mas a diferença entre o chá-verde e o preto está na fabricação. Enquanto no primeiro as folhas murcham por pouco tempo e passam por um processo no qual recebem calor seco ou úmido para não oxidar, as folhas para produção de chá-preto, depois de murchar, passam por um processo de oxidação controlada. Confira a seguir alguns passos da produção de chá:

colheita
São colhidos apenas o broto e as duas folhas (o termo usado no mundo do chá é o two leaves and a bud) que ficam no topo da Camellia sinensis.

murchar
As folhas são colocadas sobre uma rede especial, para murchar naturalmente.

calor seco ou úmido
Para a produção de chá-verde, as folhas vão para uma máquina de vapor, depois passam por uma resfriadeira para dar um choque térmico e, em seguida, por um cilindro de ar quente.

enrolar
Enquanto ainda estão úmidas, as folhas são enroladas por uma máquina e ficam no formato de pequenas agulhas.

oxidação
No caso do chá-preto, a partir daí ele inicia o processo de oxidação controlada. E na hora que finaliza esse processo, ele vai para a secagem.

embalagem
Por fim, as folhas são embaladas e estão prontas para a comercialização.

 

Amaya

chasamaya.com.br

Yamatoyama

yamamotoyama.com.br

Obaatian

obaatian.com.br

* Reportagem publicada na edição 217 (maio/ 2017)