11/12/2025 - 12:00
Com textura amanteigada, aroma profundo e um ritual próprio de consumo, o jamón é muito mais do que um presunto curado: é um dos maiores patrimônios da gastronomia espanhola. Cada peça carrega tempo, técnica e tradição, e agora também encontra espaço de destaque na cena gastronômica brasileira — muito disso impulsionado por chefs que estudam a charcutaria como ciência e arte. Entre eles, Diego Carrilho, reconhecido hoje como um dos maiores especialistas em jamón no País.
“O jamón mudou a minha vida. É um alimento ancestral, que envolve paciência e respeito ao tempo”, afirma o chef, que há anos se dedica a disseminar conhecimento sobre a charcutaria ibérica. Criador do MiCasa — espaço exclusivo com inauguração prevista para o ano que vem, e que pretende unir gastronomia, música e arte — Diego tem sido um dos principais embaixadores do jamón no Brasil. E é ele quem revela, com exclusividade à Revista Menu, detalhes que ajudam a entender a mística por trás dessa iguaria.
A primeira grande descoberta, segundo Diego, está na diversidade. Embora o jamón seja símbolo absoluto da Espanha, nem todas as peças são iguais. As diferenças começam pela genética do animal, passam pela alimentação e chegam até a forma como o porco vive — fatores que determinam desde a textura até a profundidade do sabor.
Os famosos selos coloridos que identificam o jamón ibérico — do branco ao preto — ajudam o consumidor a entender esse universo, que vai desde os mais acessíveis jamóns de cebo até o nobilíssimo 100% Ibérico de Bellota, conhecido como “pata negra”.

Outra curiosidade que impressiona é em relação ao tempo de maturação. O processo de cura pode ultrapassar seis anos, e é nele que acontece a verdadeira magia. Salga, repouso, secagem e maturação se sucedem ao longo de meses — ou anos — em um ciclo natural guiado pelas estações, pela umidade do ar e pelo olhar atento do mestre jamonero.
“É um alimento que evolui como um vinho. O tempo é o ingrediente invisível que transforma tudo”, explica o chef. Nesse período, o jamón perde até 35% do seu peso, ganhando concentração aromática e desenvolvendo sua famosa textura aveludada.
Se o tempo é fundamental, a alimentação também revela sua importância. No caso dos jamóns de bellota, a dieta é baseada neste fruto do carvalho, considerado o principal alimento dos porcos ibéricos na fase de engorda — ricos em ácido oleico, o mesmo do azeite de oliva — é responsável por um sabor único, com notas amendoado-adocicadas e um perfume que remete à floresta da dehesa, ambiente natural onde os porcos vivem soltos.
“Quando você prova um verdadeiro jamón de bellota, sente o território. É como degustar a essência da natureza espanhola”, destaca Diego Carrilho.
Mas não basta ter a peça perfeita: o corte também é determinante. Fatiar jamón é uma arte precisa e sensível. Feito com uma faca longa e flexível, em lâminas finíssimas, quase translúcidas, o corte correto permite que o calor da boca derreta a gordura e libere todos os aromas.
“Um corte errado compromete tudo. Cortar jamón é um ritual”, defende o chef, que faz parte do movimento pela valorização dessa técnica artesanal no Brasil.
Todo esse cuidado se reflete no valor da peça — e em seu status de produto de luxo. Alguns jamóns raríssimos, de produção limitada, podem ultrapassar o valor de quatro mil euros (mais de R$ 25 mil na cotação atual), especialmente aqueles vindos de regiões privilegiadas como Jabugo, na Andaluzia. A busca por peças antigas e de cura extensa transformou o jamón em um objeto de desejo entre colecionadores e chefs estrelados.

Levar um jamón para casa, porém, não é apenas um gesto gastronômico: é trazer consigo um fragmento da cultura espanhola. Para aproveitar essa experiência com autenticidade, Diego recomenda respeitar três pilares: corte, temperatura e conservação. Jamón bom é jamón recém-fatiado; servido em temperatura ambiente, idealmente por volta de 23ºC; e acompanhado de forma simples, com pão rústico, tomate, cava ou jerez. “Menos é mais. O jamón não precisa de nada que brigue com ele”, explica.
E a conservação também segue um ritual próprio: nas peças inteiras, a parte cortada deve ser protegida com a própria gordura e envolvida em filme plástico; já as fatias embaladas devem ser consumidas rapidamente após abertas, porque o jamón é um alimento vivo, sensível ao tempo e ao ambiente.
“O jamón recompensa quem o trata com respeito”, resume Diego. Uma frase que resume o que talvez seja o maior segredo desse alimento: sua beleza está no detalhe. Cada fatia carrega história, clima e cultura — e, sobretudo, o sabor do tempo.
