A crescente presença de chefs negros na culinária brasileira tem chamado a atenção da mídia internacional. No sábado (10), o site France 24 publicou uma reportagem destacando o trabalho de diversos chefs que estão se destacando na gastronomia brasileira, em especial no Rio de Janeiro, como Vladimir Reis, de 38 anos, que comanda o restaurante Dim Sum Rio, de cozinha asiática.

“Muitas pessoas me perguntam: ‘Onde está o chef chinês?'”, diz Reis, rindo. Ele comanda o Dim Sum há quase dois anos em Laranjeiras, bairro nobre do Rio, como conta o France 24.

“Sempre me perguntam porque faço comida asiática e não africana ou brasileira”, conta ele. “Mas sou livre para fazer o que gosto, sem ser restringido pelo que as pessoas acham que devo fazer por causa da cor da minha pele ou do país de onde venho”, acrescenta.

Instagram will load in the frontend.

Com foco nos sabores asiáticos, Reis encanta o público com seus dim sums, uma variedade de pratos em porções pequenas, comumente associados à culinária de Cantão, na China. O sucesso é tanto que Reis levou o primeiro lugar no Black Gastronomy Prize (prêmio de gastronomia negra), que destaca o trabalho de chefs negros no Rio de Janeiro.

Instagram will load in the frontend.

A primeira edição do concurso ocorreu em novembro deste ano e o objetivo é homenagear os melhores profissionais negros da gastronomia carioca, em diversas categorias, como chef, confeiteiro, sous chef, garçom e sommelier. “São muitas histórias bacanas e chegou a hora de reconhecer todo esse talento”, contou Breno Cruz ao France 24, professor universitário e idealizador do prêmio.

“Universo branco”

O prêmio de melhor restaurante na primeira edição do concurso foi para o Afro Gourmet, comandado por Dandara Batista, de 37 anos, que serve pratos africanos no Grajaú, bairro popular do Rio.

Na pequena cozinha da casa que abriu em 2018, ela prepara um prato chamado arroz de hauçá – originário da Nigéria e feito com camarão, carne seca e um molho dourado que é uma mistura de leite de coco e azeite de dendê. O cardápio também traz um prato do Senegal chamado mafe e um sul-africano chamado chakalaka. A chef destaca a origem de suas criações enfeitando-as com bandeirinhas correspondentes ao país de cada prato.

Instagram will load in the frontend.

Dandara disse que sempre sentiu uma forte ligação com a comida da Bahia, de onde vem a família de seu pai. “Mas, quando fiz algumas pesquisas, percebi que há uma forte influência africana na culinária brasileira em geral”, contou ela.

A chef cozinha desde menina, mas só pensou nisso como uma opção de carreira depois de trabalhar muitos anos como jornalista. “A gastronomia sempre esteve ligada a um universo branco, então eu não me via ali”, disse Batista. Ela trocou de emprego há quatro anos, depois de fazer um curso de gastronomia.

Instagram will load in the frontend.

Dandara lamentou a falta de cursos de culinária africana por aqui, por isso aprendeu a fazer pratos de países distantes do Brasil, como Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Sem ponto de referência

Assim como Dandara, a vida de Reis também foi influenciada por referências que não se restringem à cozinha brasileira. No caso dele, o que despertou seu olhar para a cozinha asiática foi uma viagem a Cingapura. “Quando vi o dim sum pela primeira vez, achei maravilhoso, tão delicado. Na hora eu disse para mim mesmo: ‘não temos isso no Rio’.”

Reis, carioca nascido e criado no Rio, segue a linha asiática, mas sempre acrescenta com um toque autoral aos seus pratos, usando mandioca e azeite de dendê, ingredientes básicos das culinárias brasileira e africana. No Dim Sum Rio, ele enfeita os preparos com flores comestíveis e usa folhas verdes de couve para cobri-los, como se fossem pequenos telhados.

Antes de abrir seu próprio restaurante, ele trabalhou em vários outros estabelecimentos, como cozinheiro, mas nunca chegava a chef. Apesar de ter um currículo forte, Reis conta que nas, entrevistas de emprego, colegas brancos com menos experiência sempre passavam na frente.

“Eles sempre quiseram que eu fosse um subchef, ou um cozinheiro básico”, disse Reis, que cresceu em uma favela no centro do Rio chamada Santa Teresa.

No Brasil, negros ou pardos representam 54% da população, mas ocupam apenas 30% dos cargos de liderança nas empresas, o que demonstra o quão arraigado ainda é o racismo no país e como isso se reflete nas desigualdades, inclusive no mercado de trabalho.

Diante dessa realidade, Reis conta que teria apostado em seu próprio negócio muito antes, se tivesse visto mais chefs negros na mídia. “Só via chefs negros em reality shows de outros países. Aqui no Brasil eu não tinha nenhuma referência. O mercado de trabalho se abriu nos últimos anos, mas o racismo ainda está muito presente na sociedade”, afirma ele.