por Isabelle Lindote, do Rio de Janeiro*

Risadas e brincadeiras, no mais alegre e sonoro italiano, ecoavam por entre as panelas, enquanto os pratos saíam perfeitamente montados da cozinha. A felicidade plena dos chefs Francesco Carli, Nicola Finamore e Luca Orini foi sentida, a cada garfada, pelos comensais presentes no luxuoso salão do Cipriani, principal restaurante do hotel Belmond Copacabana Palace. A cena, vivenciada em novembro do ano passado, marcou uma data especial: o 21º aniversário da casa, comemorado com três jantares executados pelos três chefs que comandaram este símbolo da gastronomia carioca.

O começo da trajetória do Cipriani foi um pouco claudicante. Era alta a expectativa para a sua abertura, em 1994. Afinal, teria de substituir à altura o icônico Bife de Ouro, restaurante que marcou a história do hotel entre os anos 1950 e 1970. Mas 20 dias antes da inauguração, o cozinheiro que deveria pilotar a cozinha teve um problema com a imigração. E Francesco Carli, chef que estava emprestado temporariamente do Hotel Cipriani & Palazzo Vendramini, em Veneza, assumiu o posto. “Meu primeiro problema era o idioma. Eu não entendia nada de português e uma intérprete me ajudava. O segundo era encontrar os produtos: é o mesmo que fazer feijoada na Itália sem ter as carnes salgadas. Tentei adaptar o cardápio, já que o primeiro menu era igual ao do Cipriani em Veneza”, relembra Carli. Ajustar ao paladar do brasileiro também foi uma tarefa difícil: “Aqui o açúcar é de cana, não de beterraba, então tive que diminuir em 30% a quantidade nas receitas. A mesma coisa com o sal, aqui se come mais do que na Itália”. Pratos como carpaccio de carne e o talharim verde gratinado ao presunto seguem à risca a receita veneziana e mantêm-se intactos no cardápio: “Já tentamos tirar, mas os clientes reclamaram”, explica o chef.

O sucesso do Cipriani carioca foi arrebatador. Logo virou referência de alta cozinha italiana no Rio – status que permanece inabalável até os dias de hoje, mesmo com as mudanças no comando da cozinha. A responsabilidade de Carli ficou maior em 2010, quando foi promovido a chef executivo do hotel Copacabana Palace. Com isso, precisaria encontrar um substituto. Foi até a Itália conhecer Nicola Finamore, cozinheiro destemido, natural de Abruzzo, com passagens por Nova York, Japão e Uruguai. Ele aceitou de imediato o desafio e teve de lidar com problemas semelhantes aos vividos por Carli, como o idioma e as mudanças de paladar. “Fiquei encantado com as frutas brasileiras comecei a usar algumas no menu, mas pouco, para não fugirmos da culinária tradicional italiana, que é o estilo do restaurante”, relembra o chef. Ingredientes típicos da região Norte do País, como açaí e tapioca, também foram marcantes para ele, que buscou mostrar essas referências em suas criações.

“Vim para ficar três meses, e fui ficando. No total, foram quase quatro anos de trabalho”, conta Nicola, num português misturado com espanhol e sotaque italiano. Hoje ele trabalha em Bolonha, em um restaurante que também se chama Cipriani — o que ele garante ser pura coincidência. E tenta matar as saudades do Brasil como pode. “É difícil conseguir os produtos na Itália, mas consegui há pouco tempo a polpa de açaí congelada e manga, que não é tão doce como a do Brasil”, diz.

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Lagostins crocantes aos quatro molhos, de Finamore

Com a saída de Finamore em 2013, Luca Orini, italiano da região da Lombardia, foi indicado por já fazer parte do grupo Belmond (trabalhou na Itália e Estados Unidos) e vir de uma tradicional família de cozinheiros, com muita experiência em massas frescas. Assim como seus antecessores, chegou ao Brasil sem falar nada de português, mas com a missão de continuar o trabalho de excelência. “Tentei preservar as tradições do Cipriani, executando alguns pratos da mesma forma, porém com uma apresentação mais moderna. Achei difícil adaptar os pratos típicos no Norte da Itália, que são mais pesados, ao clima daqui, que é verão o ano inteiro”, explica Orini. Ele tenta dar seu toque na cozinha com o uso de produtos nacionais, como a batata-baroa (mandioquinha), que conheceu no Brasil e se encaixou bem na cozinha italiana. Mas boa parte dos ingredientes vem diretamente do País da Bota, como farinha, massas secas, azeite extravirgem e vinagre balsâmico. “O mascarpone eu faço aqui. As famílias italianas tradicionalmente o prepararam em casa e eu quero manter esse hábito no restaurante”, revela. Apesar de estar há apenas dois anos no comando do Cipriani, o chef, que veio com a família e mora bem próximo ao hotel, se sente adaptado à cidade. Assim como Nicola, Luca se diz encantado com as frutas brasileiras, em especial com o açaí. “Adoro jabuticaba, manga, fruta-do-conde”, diz.

Para os três jantares (R$ 295 cada, R$ 495 harmonizado com bebidas), os chefs escolheram duas receitas de entradas, duas de principais e duas de sobremesas, já que a cada noite eles assumiram o preparo de uma parte do menu degustação. Foram servidos pratos da história do restaurante e criações inéditas, como o mil-folhas ao azeite com espuma de queijo branco e tomates cristalizados, uma das sobremesas de Francesco Carli na primeira noite. “Receber o convite me deixou muito emocionado. Eu não esperava e é um orgulho, nunca vou esquecer na minha vida”, diz Carli, que deixou o cargo de chef executivo do hotel em 2013, mas continua morando e trabalhando no Rio de Janeiro. Um caso de amor sem tempo para acabar.

Menu dos jantares de 21 anos do Cipriani

11 de novembro

Entradas, por Nicola Finamore: lagostins crocantes aos quatro molhos / ravióli de batata recheado de
burrata perfumado ao tomate fresco, manjericão e queijo ricota salgado

Principais, por Luca Orini: pavê de atum levemente grelhado com manga, foie gras e redução de vinho Marsala / peito de pato com purê de maçã ao molho de pimentão verde

Sobremesas, por Francesco Carli: trio de chocolate em diversas texturas / mil-folhas de azeite extravirgem com espuma de queijo branco e tomate cristalizado

12 de novembro

Entradas, por Francesco Carli: galantina do mar com molho de iogurte e salada de pepino marinado / tortelli recheado de ricota, pesto genovese e sálvia

Principais, por Nicola Finamore: filete de linguado gratinado em crosta de ervas, pimentão doce e molho de tinta de lula / lombo de cordeiro com mostarda, pistache, sanduíche de shiitake e batata perfumada ao alecrim

Sobremesas, por Luca Orini: creme catalão com misticanza, vinagrete de baunilha e sorbet de pomelo / musse de chocolate amargo com gengibre e maracujá

13 de novembro

Entradas, por Luca Orini: mussarela de búfala, tomate cereja e manjericão / risoto crocante de frutos do mar com açafrão

Principais, por Francesco Carli: dadolata de pargo com creme de favas verdes e cebolinha ao vinagre balsâmico / cupim de boi grelhado com molho bordelaise, chips de batata-baroa e purê de espinafre levemente apimentado

Sobremesas, por Nicola Finamore: tortinha de cenoura e amêndoa com sorbet de orégano / crocante ao mel e nozes com creme ao rum e molho de charuto

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Peito de pato com purê de maçã ao molho de pimentão verde, por Orini
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Mil-folhas de azeite extravirgem com espuma de queijo branco e tomate cristalizado, de Carli

Visual repaginado

As mudanças do Cipriani não se restringiram à cozinha. Em 2012, o restaurante passou por uma grande reforma, conduzida pelo arquiteto francês Michel Jouannet, do grupo Orient Express, que detém a operação do hotel. Quadros com paisagens de Veneza (como uma reprodução autorizada de Canaletto), jarros de Murano, lustres feitos à mão com inspiração árabe, em substituição aos anteriores de cristal, são alguns dos destaques da decoração atual. O charme a mais fica com os janelões que, descortinados, permitem a vista para a charmosa piscina do Copacabana Palace.

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Cipriani

avenida Atlântica, 1702 (Belmond Copacabana Palace) – Copacabana

(veja no mapa)

(21) 2548-7070 – Rio de Janeiro – RJ

belmond.com/pt-br/copacabana-palace-rio-de-janeiro

* Reportagem publicada na edição 203