por Roberto Fonseca

Embora me pareça desaconselhável o ato de provar novos aromas e sabores com “olhos antigos” – ou baseado em experiências e busca de similaridades prévias–, ele acaba sendo por vezes involuntário. Foi o que ocorreu há alguns meses, quando tomei pela primeira vez um vinho natural. Imediatamente vieram à mente comparações com cervejas de fermentação espontânea ou mista (em que atuam não apenas a levedura cervejeira, mas micro-organismos presentes no ambiente ou cepas selvagens “domesticadas” em laboratório).

Acidez, notas rústicas oriundas de Brettanomyces, ésteres e toques condimentados, elementos que podem ser percebidos em algumas Farmhouse Ales, estavam todos lá, mas em um vinho. Continuei me interessando pelos vinhos naturais, mas deixei a comparação de lado, para manter a mente receptiva em relação à novidade sensorial. Mais recentemente, porém, esse paralelo retornou, quando li o relato em uma rede social de Victor Marinho, da cervejaria Dádiva (SP), um especialista em criar receitas de influência belga e, também, de fermentação mista. Ele teve a mesma percepção, e a explica de modo mais técnico e aprofundado. “De um modo geral, os vinhos laranjas, por exemplo, possuem pH mais baixo, e sua acidez majoritariamente lática (eventualmente com um toque acético) remetem a cervejas de fermentação mista. Eles também podem ter um toque de Brettanomyces, embora isso não ocorra sempre. Alguns laranjas também podem remeter a uma boa English Strong Ale, com notas de oxidação bem evidentes, mas sem bretta.”

Enquanto trabalhava com importação de cervejas de fermentação espontânea como a belga Cantillon, Diego Cartier descobriu os vinhos naturais em 2010, em Bruxelas. “Na época, mais da metade dos clientes de Cantillon e 3 Fonteinen eram consumidores de vinhos naturais, o povo da cerveja na maioria torcia o nariz, só queria saber das IPAs mais lupuladas. Atualmente as cervejas selvagens e ácidas em geral estão em alta.” Para ele, que hoje é vinhateiro e sócio da vinícola Vivente, produtora de vinhos naturais, as Lambics unem a cerveja e o vinho natural. “O tal do ‘funky’ acaba sendo a primeira característica marcante que o consumidor percebe ao beber determinados vinhos naturais, que lembram determinadas cervejas”, afirma Cartier. Mas ele ressalva: “Nem todo vinho natural tem características próximas de Lambics, Sours em geral ou Saisons. Há vinhos naturais limpíssimos que por vezes poderiam ser confundidos com vinhos mais industriais.”