por Pedro Marques* 

Comer bem é um prazer que parece estar cada vez mais ameaçado. Dia sim, dia também, aparece alguma informação de que um ingrediente ou até mesmo uma substância presente em certos produtos engorda, pode causar doenças severas e até mesmo matar. Essa mania de transformar alimentos em vilões não é nova e foi registrada em diferentes épocas e civilizações. Cerca de dois mil anos atrás, na China, monges taoístas pregavam que, aqueles que deixassem de comer grãos como o arroz – um dos principais alimentos da civilização chinesa –, se tornariam imortais e poderiam voar e até se teletransportar, conta Alan Levinovitz, professor da universidade norte-americana James Madison no livro A mentira do glúten (Editora Citadel). Como não vemos chineses de dois mil anos voando e se teletransportando por aí, é de se deduzir que a dieta defendida pelos monges do passado não tenha produzido os efeitos desejados.

Neste século 21, dois novos vilões surgiram para tirar a paz de quem aprecia a boa mesa: o glúten e a lactose. Afinal, abrir mão de pães, tortas, pizzas, bolos, creme de leite, queijos e manteiga não é exatamente uma tarefa fácil para quem gosta de comer. Livros como Barriga de Trigo (Editora WMF Martins Fontes), do norte-americano William Davis, afirmam que as pessoas que eliminam o trigo de sua dieta – mesmo aquelas que não têm doença celíaca, que é a dificuldade em processar o glúten – podem ter uma vida mais saudável, emagrecer e reduzir gordura localizada. A intolerância à lactose também existe e causa bastante desconforto nas pessoas que têm dificuldade em digerir essa proteína. Mas quem não tem esses problemas de saúde não precisa abdicar desses alimentos.“Demonizar alimentos pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares”, afirma Levinovitz, em seu livro. Sophie Deram, nutricionista francesa radicada no Brasil e autora do livro O Peso das Dietas (Editora Sensus), concorda. “Infelizmente, vivemos um terrorismo nutricional. Vejo pessoas que pararam de comer o que gostam e desenvolveram compulsões por doces e outros alimentos. Esse terrorismo gera medo e estresse”, diz Sophie, em entrevista à Menu. A nutricionista recorda que, nos anos 1980, a gordura e o ovo foram considerados culpados por uma série de doenças – e cerca de 30 anos depois foram absolvidos. “Tem a ver com um sensacionalismo, de categorizar os alimentos como bons ou ruins”, acrescenta Sophie.

É verdade que quem abre mão desses alimentos e vê efeitos positivos – perda de peso, mais disposição, entre outros – pode discordar das afirmações dos dois especialistas. Ao cortar certos ingredientes, no entanto, as pessoas simplesmente se privam de comer aquilo que tanto gostam. E, ao trocar uma pizza por uma salada, é claro que a tendência é emagrecer. “É uma moda que não é saudável e coloca a pessoa em uma situação de privação. Ela vai emagrecer, mas não porque tirou o glúten (ou outro alimento), e, sim, porque está fazendo uma dieta de restrição. E, quando a gente vê no longo prazo, 95% das pessoas que fazem dietas repetidamente voltam a engordar”, afirma a nutricionista.

Tanto Sophie Deram quanto Alan Levinovitz concordam que o segredo não é deixar de comer alimentos: o segredo, que nem é tão secreto assim, é só comer sem culpa – e com moderação. “Comer com prazer não é chutar o balde. É apreciar comida de qualidade e fazer a própria comida”, diz Sophie. E cozinhar inclusive pratos gostosos, em porções menores, como defende o chef Marco Renzetti, do restaurante italiano Osteria del Pettirosso, nos Jardins, em São Paulo. “As pessoas às vezes enchem um prato com um monte de coisas e comem poucos legumes e verduras. É melhor comer coisas em pequenas porções do que um ‘pratão’”, afirma o chef. Segundo ele, é esse o segredo da cozinha italiana – e o porquê de o país não figurar entre os campeões de obesidade, mesmo tendo uma culinária com massas, creme de leite e gorduras. A seguir, confira alguns dos “vilões” das dietas modernas:

glutamato monossódico

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A substância é muito utilizada pela indústria como realçador de sabor

Em tempos mais modernos, um dos alimentos que até hoje é considerado ameaça à saúde é o glutamato monossódico, realçador de sabor muito usado em diversos alimentos industrializados. Mas estudos feitos por diferentes entidades respeitadas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Food and Drug Administration (FDA, órgão norte-americano equivalente à Anvisa), não encontraram nenhuma prova de que o ingrediente faz mal. Ainda assim, os chefs procuram usar o glutamato encontrado naturalmente em ingredientes, como cogumelos e queijo parmesão – ambos fazem parte do risoto que o chef Marco Renzetti preparou para esta reportagem.

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Risoto de funghi porcini com fonduta de parmesão

glúten

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Por conter glúten, farinha de trigo é demonizada pelas dietas restritivas

Há muitas pessoas que, de fato, não podem comer glúten. Elas são portadoras da doença celíaca, que causa desconfortos abdominais, entre outros sintomas, e atinge cerca de 1% da população mundial. A maioria das pessoas, porém, pode comer massas, pizzas e pães sem medo. “Ironicamente, a ansiedade quanto ao que você come pode produzir exatamente os mesmos sintomas ligados à sensibilidade ao glúten”, explica o pesquisador norte-americano Alan Levinovitz, em A mentira do glúten. Ou seja, é possível saborear numa boa o espaguete cacio e pepe (com queijo e pimenta-do-reino).

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Tonnarelli cacio e pepe

colesterol

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Ovo: um dos ingredientes “perdoados” pelos cientistas

Ovos e manteiga já foram considerados grandes vilões, acusados de aumentar o HDL, chamado de “mau” colesterol. Mas, como foi dito pela jornalista Nina Teicholz em The Big Fat Surprise (livro não lançado no Brasil e que poderia ser traduzido como “A grande surpresa da gordura”), a gordura saturada presente nesses ingredientes não faz tanto mal ao organismo quanto se achava – pelo contrário, ela ajuda na produção do HDL, o colesterol “bom”. O segredo é comer com moderação – como a pequena porção de carbonara, com queijo, ovos e bacon. “Em quantidades pequenas, esses ingredientes não são vilões”, diz Marco Renzetti.

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Espaguete à carbonara

Lactose

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Apenas 2% dos intolerantes à lactose apresentam sintomas extremamente prejudiciais à saúde

Em tese, todos os mamíferos são intolerantes à lactose na vida adulta, pois deixam de produzir uma enzima chamada lactase, que digere o leite. Os humanos, porém, se adaptaram ao ingrediente e continuaram produzindo essa enzima mesmo depois de adultos. Infelizmente, nem todos processam o leite do mesmo jeito e estima-se que cerca de 40% dos brasileiros têm algum grau de intolerância à lactose, segundo a Federação Brasileira de Gastroenterologia. O lado positivo é que apenas 2% dos afetados têm sintomas extremamente prejudiciais à saúde. Ou seja, a tortinha de polenta com quenelle de ricota deve ser agradável para a maioria das pessoas. “A quantidade de lactose é reduzida”, diz Renzetti.

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Tortinha de polenta com mel e quennele de ricota

açúcar

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50 g: recomendação diária de consumo de açúcar

No ano passado, a OMS publicou uma recomendação polêmica: todos os países devem reduzir o consumo de açúcar entre adultos e crianças. A recomendação atual é que sejam consumidos, no máximo, 50 g do ingrediente diariamente. E isso pode ser um pouco difícil no Brasil, maior produtor de açúcar do mundo. Uma estratégia para comer doces sem medo é usar frutas e suas reduções naturais. “Assim, é possível comer algo doce, mas sem ingerir uma quantidade excessiva de açúcar”, afirma Marco Renzetti, que mostra como isso é possível com sua torta de chocolate com redução de maracujá.

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Torta de chocolate com redução de maracujá

Osteria del Pettirosso

alameda Lorena, 2155 – Jardins (veja no mapa)

(11) 3062-5338 – São Paulo – SP

pettirosso.com.br

* Reportagem publicada na edição 210