por Suzana Barelli*, de Totihue**

O terremoto de 2010, de 8,8 pontos na escala Richter e um dos mais fortes do Chile, pode ser visto como um divisor de águas na história da Viña Santa Carolina. Além de causar a quebra de muitos tanques e barricas, o tremor desorganizou diversas garrafas, que estavam esquecidas na enorme e histórica adega subterrânea da vinícola chilena. Ao arrumá-las e, por que não, provar algumas delas, o enólogo Andrés Caballero não apenas se surpreendeu com a qualidade desses vinhos antigos, como percebeu que eles deveriam servir de inspiração para os novos rótulos da vinícola.

Desde então, já se passaram seis anos do tremor e Caballero tem uma lista – crescente – de novos vinhos para mostrar. O primeiro é o ícone Luis Pereira, um cabernet sauvignon que está entre os cinco melhores do Chile, segundo o guia Descorchados 2016, a maior referência nos vinhos. “É uma volta ao passado que resultou em um vinho delicioso”, escreve o crítico Patricio Tapia, na edição desse guia que, ainda, elegeu a Santa Carolina como vinícola revelação.

O Luis Pereira, homenagem ao fundador da vinícola, Luis Pereyra Cotapos, nasce da ideia de recuperar a maneira antiga de fazer vinhos. As uvas vêm de vinhedos no vale central do Chile, todos com mais de 70 anos. A colheita é manual e a vinificação é tradicional, em cubas abertas e com macerações curtas. Em seguida, o vinho passa um ano em barricas antigas e depois mais um ano em foudres (grandes barricas) de carvalho francês. É vendido por R$ 1.315***, na Casa Flora e na Porto a Porto.

Mas não é só esse vinho ícone. Caballero quer elaborar um branco premium e para isso investe na sémillon que fermenta com os cachos inteiros, também como antigamente, com leveduras nativas. O vinho amadurece em barricas antigas e só recebe sulfito (substância que ajuda a preservar a bebida) no momento do engarrafamento. O branco foi lançado com o rótulo Cuartelles Experimentales e vem de um vinhedo de mais de cem anos, em Apalta. Na prova de três safras, percebe-se, claramente, o ganho de qualidade, ano a ano. Tem aromas mais contido e muito encanto no paladar, com acidez e estrutura. “O projeto Luis Pereira nos permitiu mudar algumas coisas”, diz Caballero.

A sede da vinícola, em Santiago

Outra novidade é o Dolmen, um cabernet sauvignon que nasce de um vinhedo de uma encosta bem íngreme, com inclinação de 50 graus, em Totihue, no vale de Cachapoal. O solo, com muito xisto e calcário, destaca-se pela complexidade e o vale é marcado pelos ventos frios dos Andes. O nome, que significa altares de pedra, é uma referência ao solo e subsolo cheio de pedras. Outro cabernet sauvignon, lançado como Cuarteles Experimentales Vino Natural, é elaborado seguindo todos os preceitos da agricultura orgânica, elaborado com uvas de vinhas de mais de 60 anos, no Maule. Antes desses vinhos, Caballero já chamava atenção com a linha Specialities, de produção limitada, no qual tintos e brancos são feitos com a proposta de ressaltar as notas frutadas e o frescor. Destaque para o Cool Mountain Field Blend, com uvas de Curicó (R$ 136***), e o Dry Farming Carignan, de Cauquenes (R$ 136***).

Os vinhedos de Totihue, no vale de Cachapoal

Nesse ritmo, Caballero entusiasma-se com a uva romano, uma variedade antiga encontrada nas vinhas, que está sendo recuperada e dando origem a um tinto varietal. É um vinho mais rústico, mas que combina bem com a tendência chilena de valorizar a sua história e elaborar vinhos com menos tecnologia. E também há outros experimentos, como um chardonnay feito por maceração carbônica (fermentação com cachos inteiros e em tanques fechados), que deve ser mesclado para dar complexidade ao branco das linhas mais comerciais da vinícola. “Era de se esperar que Caballero viesse com novidades”, afirma o enólogo chileno Felipe Tosso, da Viña Ventisquero. Explica-se: sobrinho de Aurélio Montes, um dos grandes nomes do vinho chileno, Caballero chegou ao grupo Carolina Wine Brands em 2005, depois de uma vasta experiência ao lado do tio, nos vinhedos chilenos e argentinos.

Em dez anos, ele teve tempo de arrumar a casa – a Santa Carolina elabora inacreditáveis 18 milhões de litros de vinho por safra – e esperava-se que ele apresentasse algum vinho não tão comercial como os rótulos que trazem fama à vinícola. Ainda mais porque o Chile vive um momento único de volta ao passado, seja no vinhedo, como a colheita de uvas antes do seu completo amadurecimento, seja na maneira de vinificar, evitando as barricas novas.

O enólogo Andrés Caballero

Para embasar essa inovação, há outros projetos na vinícola. Um deles é o Block Herencia, que resgata mudas de uvas, que são tratadas para eliminar seus vírus e depois plantadas em caráter experimental – ao todo já são mais de 70 variedades. No mesmo vinhedo, há um trabalho de seleção de porta-enxertos para escolher aqueles mais bem adaptados aos solos chilenos e resistentes aos nemátodos, uma espécie de minhoca que reduz o vigor das videiras. Na terceira etapa, há um estudo em andamento no qual variedades são cruzadas em laboratório na procura de plantas mais resistentes. E por fim, há um enorme jardim, batizado de chacra centenário que, como o próprio nome indica, é cultivado com vinhas centenárias, replantadas com sucesso no local em 2013.

A sala de barricas, obra do século 19, que resistiu ao terremoto, e é declarada Monumento Nacional do Chile

Com a qualidade dos novos vinhos, surge um outro desafio. É certo que o ganho da qualidade com esses rótulos especiais tende a refletir nos brancos e tintos das linhas mais populares da Santa Carolina – e isso já está acontecendo –, mas será que o nome da vinícola, tão identificado com vinhos de volume, não pode limitar o alcance desses novos rótulos? É uma questão para Santiago Larraín, presidente da vinícola comprada por sua família em 1974.

* Reportagem publicada na edição 214

** A jornalista viajou ao Chile a convite da Carolina Wine Brands e da importadora Casa Flora

*** Os preços dos vinhos podem ter sofrido alterações