21/09/2016 - 13:19
por Suzana Barelli, da Cidade do Cabo
Degustar um vinho elaborado no ano de seu nascimento é quase um fetiche entre muitos apreciadores de vinho. Não sei muito por qual razão, talvez pela desculpa para abrir uma garrafa mais antiga; talvez pelo orgulho de ver o seu ano de nascimento estampado no rótulo. Ou até para ver quem envelhece melhor, o vinho ou você.
No meu caso, isso é quase um problema. A safra de 1968 foi muito ruim na Europa – com sorte, há alguma coisa na espanhola Ribera del Duero e alguns Taurasi italianos. Mas são exceções. Em ano de safra ruim, as garrafas são logo consumidas, já que não há razão para deixar o vinho envelhecer da adega.
Mesmo assim, fico feliz quando encontro um vinho da minha safra. Foi o que aconteceu na semana passada, ao estudar o catálogo do 42º leilão da Nederburg, o maior evento do gênero na África do Sul. Nele havia dois lotes de 1968. O primeiro, com seis garrafas do cabernet sauvignon 1968, não me atraiu. O lance inicial era de 4.800 rands, e pensei que um cabernet sul-africano não envelheceria bem por 48 anos. Atualmente, com o aumento da qualidade dos vinhos do país até acredito que a cabernet pode dar bons vinhos daqui a 48 anos. Mas se pensar nas safras passadas, a chance é pequena. Melhor arriscar em um Bordeaux, tinto mais longevo.
Mas tinha outro lote de seis garrafas de 375 ml do château Libertas 1968. Um asterisco, ao lado da relação do vinho, informava que por ser uma raridade não era possível degustar uma garrafa antes (na maioria dos vinhos, de safras mais recentes, os compradores podiam provar uma amostra um pouco antes do início do leilão. Mas eu tinha escolhido uma raridade).
Eram as únicas informações que eu tinha. E que, confesso, me deixaram bastante animada. A África do Sul elabora bons e longevos vinhos de sobremesa, estilo de vinho normalmente engarrafado em vidros de 375 ml. Certamente seria um vinho doce, com acidez para permanecer vivo em quase 50 anos de garrafa. E, em seis garrafas, ao menos 50% delas estariam boas, calculei em uma matemática sem nenhum rigor estatístico. Valia o lance. O lote começava por 1.500 rands, o equivalente a R$ 350.
Qual não foi a minha surpresa ao entrar na sala de provas antes do início do leilão e encontrar a minha garrafa por lá. Wynand Lategan, o enólogo da vinícola, estava com uma única garrafa no balcão e servia minúsculas doses desse vinho. Cheguei animada e comecei a fazer varias perguntas, até antes que ele pudesse servir a minha porção a conta-gotas. Sim, era uma garrafa especial, que eles não fazem mais. Qual a história da garrafa, ele não sabia. Qual a uva? Cabernet sauvignon com uma pequena porcentagem de pinotage, que ele não sabia precisar qual a quantidade exata.
Não era um vinho doce, mas só podia ter envelhecido muito bem, já que nunca tinha saído da adega da vinícola, pensei, ainda animada. Provei o vinho. Cor correta, de evolução, quase marrom. No nariz, o meu sorriso começou a desaparecer: nada das esperadas notas de evolução, como couro, tabaco, alguma especiaria talvez. No paladar, apenas a acidez indicava as últimas gotas de vivacidade do vinho.
E agora: dar um lance e ficar com seis garrafas, apostando que as outras evoluiriam melhor? Em vinhos antigos, isso pode acontecer. Mas Latergan elogiava o vinho, a sua vivacidade. Pensei: compro (quer dizer) tento comprar o lote e trago os seis vinagres mais caros da minha vida para o Brasil? Ou desisto e aproveito a tarde ensolarada para conhecer Franschoek, uma pequena cidade ali por perto?
Fui pela segunda opção e fui recompensada por um dos melhores almoços dessa semana na África do Sul, nos jardins do Le Quartier Français. E lá brindei ao leilão com brancos da região de Swartland, que vem chamando a atenção no mapa vinícola do país.
Em tempo, o lote do “meu” vinho foi arrematado por 14 mil rands, aproximadamente R$ 3.300.