por Marilia Miragaia*

O que você quer ser quando crescer? Hoje é bem comum ouvir a palavra “cozinheiro” sair da boca de uma criança. Mas o sonho de pilotar a própria cozinha ou de trabalhar com um chef estrelado pode ter um destino diferente. Por mais que esses sejam os principais motivos que levam jovens a ingressar em faculdades de gastronomia, muitos acabam se decepcionando com a realidade. “Os alunos se dão conta que o trabalho em restaurante é muito pesado, com jornadas de 12, 14 horas”, explica Ingrid Schmidt-Hebbel, coordenadora do curso de Tecnologia em Gastronomia do Senac São Paulo. Outro entrave está na parte financeira. “A remuneração inicial é baixa para quem vai trabalhar. E, para abrir a própria casa, é necessário um investimento alto”, afirma Marcelo Neri, coordenador da faculdade de gastronomia na Anhembi Morumbi, em São Paulo.

Mas há muitas luzes no fim do túnel. Com a popularização da gastronomia, outras possibilidades surgiram e estão em alta no mercado, como a de personal chef, com atendimento em casa ou na casa do cliente; chef em importadoras e indústria de alimentos, que auxilia no desenvolvimento de receitas e produtos; chef especializado em comidas prontas; e até como professor de gastronomia, seja nas próprias faculdades ou em aulas para pequenos grupos e empresas.

Para ajudar a descobrir o melhor caminho profissional, muitos cursos de gastronomia têm programas de orientação, grupos de discussão e dinâmicas para os alunos. Betty Kövesi, dona da Escola Wilma Kövesi de Cozinha, em São Paulo, no mercado há 30 anos, lembra que nesse processo também é importante alinhar conhecimentos acadêmicos com a história e vocação de cada um. “Já tivemos um neurologista que está montando uma clínica baseada em alimentação e uma secretária executiva com interesse por cozinha vegetariana que começou a fornecer marmitas saudáveis para grandes empresas. É uma história emblemática, porque ela usou sua expertise”, diz. De qualquer forma, antes de qualquer decisão, a recomendação é, se possível, ganhar experiência fazendo estágio em restaurantes. “É importante passar por uma cozinha para ter essa e outras perspectivas da profissão”, explica Neri, da Anhembi Morumbi. A seguir, conheça histórias de cozinheiros que construíram a carreira longe do vaivém de restaurantes:

O alimento na ponta da língua

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Tartare de filé-mignon com presunto pata negra: uma das receitas desenvolvidas por Marcelo Giachini para a Casa Flora

“Ingredientes não são auto-explicativos”, afirma o chef Marcelo Giachini, da importadora Casa Flora, em São Paulo. Ainda mais quando se trata de produtos como caviar, foie gras e presunto pata negra. É por essa razão que há três anos e meio o chef compartilha seus conhecimentos com uma equipe que comercializa queijos, chás e vinhos – além dos produtos acima. “Esse embasamento deixa a importadora mais segura para apresentar ingredientes a chefs ou representantes”, diz. O chef participa do processo de compra e ajuda a selecionar produtos do portfólio da empresa. “Minha opinião é técnica, sobre as características dos alimentos, mas também estratégica. Às vezes encontramos bons produtos, mas não existe mercado para eles”, afirma. Parte do trabalho de Giachini também é receber clientes (a importadora tem uma cozinha) e sugerir aplicações que demonstrem o potencial de um produto.

O mesmo acontece na importadora La Pastina, com o chef Francisco Alves Matias. “Ele nos ajuda a desenvolver receitas para apresentar novas opções à equipe de vendas. É importante para ajudar a difundir como utilizar os novos produtos”, diz Liliane La Pastina, gerente de marketing da importadora. Os cozinheiros que atuam na indústria de alimentação passam por processo semelhante. Nela, chefs são requisitados para fazer degustação de produtos, testes sensoriais com o consumidor e conduzir estudos de aplicação, avaliação e performance de ingredientes, como explica Sofia Mesquita, coordenadora da faculdade de gastronomia na Estácio, no Rio de Janeiro. Tanto é que a universidade desenvolve projetos em parceria com empresas como Cargill, Unilever e Sadia. “São ótimas oportunidades de carreira”, lembra.

Casa Flora
tel. (11) 3327-5199
www.casaflora.com.br

La Pastina
tel. (11) 3383-7400
www.lapastina.com

 

Aulas na medida

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Linguiça de toulose: uma das receitas que o chef Barbé ensinou para os seus alunos

Com o número de cursos de gastronomia em alta, a carreira acadêmica também é uma alternativa para quem tem formação em cozinha. “A necessidade existe e as disciplinas práticas são as que mais demandam”, afirma Ingrid Schmidt-Hebbel, coordenadora no Senac. É o caso de cursos como panificação, cozinha francesa e confeitaria. “Muitos dos nossos alunos continuam conosco”, diz Sofia Mesquita, da Estácio. Mas também há espaço para quem não quer seguir carreira em universidades, a exemplo do chef francês Nicolas Barbé. Depois de trabalhar no parisiense Plaza Athénée, de Alain Ducasse, e ter comandado o restaurante Cinco Bistrô, em São Paulo, hoje dedica-se a aulas de gastronomia personalizadas. “A ideia é ir até a casa do cliente e reproduzir técnicas e receitas com os instrumentos da sua cozinha, e não com o fogão profissional”, diz. Barbé também atua como personal chef, mas o volume de aulas vem crescendo desde que começou, três anos atrás. “Foi uma moda na França há alguns anos, muitos chefs abriam um ateliê para dar aulas. Agora, em São Paulo todo mundo tem apartamento com espaço gourmet. E em vez de chamar para uma cerveja, as pessoas chamam para um jantar”, diz. Barbé tem um cardápio de aulas prontas, como de cozinha tailandesa, francesa e italiana, mas também pode criar de acordo com a necessidade do freguês. A aula, que geralmente dura quatro horas, é seguida de uma degustação do que o aluno ajudou a produzir.

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O chef francês Nicolas Barbé ministra aula para funcionários de uma empresa, em São Paulo

Barbé Gastronomia
tel. (11) 99376-3788
barbegastronomia.com.br

Na sua cozinha

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O chef espanhol Jaume Morral, especializado em paellas e fideuás, vai até a casa dos clientes ou prepara jantares na própria casa

É de quatro malas que o cozinheiro espanhol Jaume Morral precisa para preparar um jantar na casa de seus clientes. Morral não usa panela, fogão ou mesmo o gás de cozinha de quem o contrata – tudo é levado até o local, reunido dentro da bagagem. Esse é o chamado personal chef, uma das vertentes da profissão que está em alta. “É um conceito com certo glamour, ampliado por chefs famosos que se apresentam em reality shows”, diz Sofia Mesquita, coordenadora da Estácio. Mas quando Morral começou, há dois anos, o trabalho de personal chef era mais raro. “Cresceu muito e rápido. Os convites dobraram”, diz. Ele se especializou no preparo de paellas (de bacalhau, frutos do mar, carne e vegetariana) e fideuá (nas últimas três versões). “Dessa forma, é possível manter uma empresa pequena sem muito investimento, sem ter de contratar e comprar muitos equipamentos, como se faz em um restaurante”, conta.

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Os pimentões recheados de atum, receita tradicional da terra natal do chef Morral

Na casa dos clientes, a refeição dura cerca de duas horas, mas o trabalho do cozinheiro começa bem antes, com uma visita técnica para verificar a estrutura do local. Depois, vem o pré-preparo, que pode durar até dois dias – o caldo usado nas receitas, por exemplo, precisa de até 20 horas na panela. Para dar conta dessa demanda, Morral fez uma reforma para estruturar a cozinha de sua casa, que agora tem três fogões, fora um móvel, usado na produção das paellas. E foi na sua residência, aliás, que a história começou: suas receitas são oferecidas para clientes em mesas coletivas (até 12 pessoas), que acontece até hoje sempre às quintas-feiras. “Já recebemos mais de 300 pessoas e, depois disso, começaram a me chamar para fazer esse trabalho em casa”, diz. Jaume e a mulher, Patrícia Cataldi, são responsáveis pelo negócio sem funcionários. “Assim, temos controle total do trabalho e da qualidade do serviço”, explica Patrícia.

Paellas e fideuás Jaume Morral
tel. (11) 98179-9667

Praticidade à mesa

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O tagine de frango é uma das receitas oferecidas pela Kitchen2you

O mercado de comida pronta tem crescido entre aqueles que dependem de dietas específicas, como as sem glúten ou de calorias reduzidas, e buscam refeições mais caprichadas, feitas com técnicas apuradas e ingredientes especiais, como observa Marcelo Neri, da Anhembi Morumbi. Mas o segmento também está de olho em quem procura praticidade – nas refeições diárias ou em jantares do fim de semana. “A gente cobre o buraco da casa do cliente”, explica Patrícia Teixeira, da Kitchen2you, empresa paulistana de comida pronta feita sem conservantes e embalada a vácuo. As opções do cardápio vão desde purê de mandioquinha e coalhada seca de queijo de cabra até torta de alho-poró, bacon e gruyère e tagine de frango com especiarias e damasco. Patrícia e a sócia, Fátima Vaz Moreira, abriram a empresa há seis meses, depois de quase um ano planejando o negócio. A profissão anterior das duas – a primeira, recursos humanos e, a segunda, mercado financeiro – ajudou a dar à cozinha um olhar de negócio. “Uma coisa é saber técnicas e cozinhar bem. Outra é fazer a equação dar certo”, diz Patrícia. As duas se conheceram no curso Objetivo Chef, da Escola Wilma Kövesi de Cozinha.

MENU 201 - CARREIRAEmpresa de comida pronta montada pelas amigas Patrícia Teixeira (à dir.) e Fátima Moreira

Antes de abrir a Kitchen2You, fizeram jantares na casa de amigos. Não revelam o investimento para iniciar o negócio, mas avisam que não é baixo. “A legislação exige uma série de cuidados”, explica Patrícia.

Kitchen2you
tel. (11) 5184-0425
kitchen2you.com.br

*Reportagem publicada na edição 201 da Menu