Seja liso, seja com furinhos, feito com leite condensado ou leite comum, o pudim é uma das sobremesas que permeiam a memória afetiva do brasileiro. À primeira vista, a receita à base de ovos, açúcar e leite soa um tanto quanto prosaica (afinal, sua presença é marcante nos almoços de família), mas não se deixe enganar por sua aparente simplicidade. É uma sobremesa que exige técnica e uma de suas marcas registradas é o seu caráter universal.

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Existem diversas versões da receita pelo mundo – quem nunca ouviu falar do pudim de claras e de pão português? –, mas, sem dúvida, um dos parentes mais próximos do doce nacional é o clássico crème renversée francês, elaborado com os mesmos ingredientes, com o acréscimo da baunilha.

“A receita já constava no livro de Auguste Escoffier, ‘Le guide culinaire’, de 1903, mas não foi inventada por ele. Essas receitas já eram consagradas na França e inspiraram as receitas de outros países. Afinal, a cozinha francesa é uma síntese da culinária ocidental”, explica o historiador e sociólogo Carlos Alberto Dória.

A prova de que o pudim está presente na cultura brasileira antes do registro de Escoffier é que o capítulo de sobremesas da obra Cozinheiro nacional, publicação do século 19 (reeditado pela Editora Senac São Paulo), é repleto de versões da receita. Há desde registros do tradicional pudim de leite até um improvável (ao menos, para nós) pudim de rim e vitela.

Segundo o antropólogo Raul Lody, a receita ganhou o caráter de sobremesa no Brasil, mas nem sempre foi assim. “Houve uma associação cultural da receita com sobremesa no Brasil, mas não podemos esquecer que se trata de uma receita emblemática em diversos países e que não existem fronteiras entre o doce e o salgado.”

Pelo mundo, existem dois gêneros de sobremesas que têm parentesco direto com o doce tupiniquim: os custards e os puddings. Enquanto o pudim brasileiro pertence à categoria dos custards (cremes nos quais os ovos são os grandes protagonistas), os puddings, menos conhecidos no País, também são elaborados a partir de uma combinação de ovos e leite, mas com uma diferença.

“Geralmente, utiliza-se um espessante, que pode ser a farinha de trigo, amido de milho ou até o pão”, explica a coordenadora da pós-graduação em confeitaria e panificação e do curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, Heloisa Rodrigues.

Apesar da aparente semelhança entre as palavras “pudding” e “pudim”, não existe uma conexão comprovada. Em comum, são assados em banho-maria e em baixa temperatura.

“Na França, os puddings são receitas de aproveitamento, nas quais aparas de pão-de-ló, mil-folhas, croissant eram hidratadas com leite e ovos. Por isso, quando cheguei ao Brasil, fiquei surpreso com o nome pudim, usado para classificar uma receita completamente diferente”, explica o chef pâtissier francês Fabrice Le Nud.

Uma de suas referências é o francês diplomate, feito com pedaços de brioche, frutas cristalizadas e rum. Ainda entre os puddings, Le Nud se recorda do inglês bread and butter pudding, receita com pão de forma que preparava para o café da manhã do hotel Claridge’s, quando trabalhava em Londres.

Tanto nos custards quanto nos puddings, um dos grandes desafios está em estabilizar a fórmula à base de ovos, de maneira que o creme mantenha a textura lisa e uniforme, sem a presença dos furinhos que surgem no doce. “É um erro de execução, mas é a mesma coisa de quem gosta de carne bem passada”, afirma a coordenadora da Anhembi Morumbi.

Para evitar isso, vale seguir algumas dicas. Segundo a professora de confeitaria do Centro Universitário Senac Samara Trevisan Coelho, uma das técnicas utilizadas é o chamado método liaison, que consiste na pré-cocção da gema. “O líquido quente (o leite) é adicionado ao creme de gemas com o açúcar e isso evita que o pudim asse de forma irregular. Porém, esse processo não é necessário quando se utiliza o leite condensado”, explica ela.

Para a chef Talitha Barros, do Conceição Discos, em São Paulo, boa parte do mérito de um doce lisinho está no banho-maria em forno baixo. “Caso contrário, o ovo pode coagular”, explica a cozinheira.

(*) Reportagem de Cintia Oliveira, publicada na edição 188 da Menu