Não tem como falar de comida sem pensar em família: é em casa que as primeiras experiências gastronômicas são vividas, muitas vezes antes mesmo de entendermos o que é cozinhar. Com o poder de criar vínculos e marcar momentos, a comida também gera memórias tão marcantes que dão origem a um verdadeiro legado.

Neste domingo, 10 de agosto, é celebrado o Dia dos Pais. Pensando nisso, cinco chefs compartilham, à Revista Menu, parte de suas trajetórias pessoais e profissionais com seus pais.

Ana Cremonezi, do Tuy, Cocina

Ana e Valter Cremonezi/Divulgação

Quando criança, a chef passava as férias na fazenda da família, onde ajudava a encher linguiças e ralar o milho a ser usado no feitio da pamonha. Foi com o já falecido pai, Valter, que ela deu início a sua longa jornada diante dos fogões. “Com ele, aprendi a plantar e a comer o alimento da terra. Ele também me ensinou sobre criação de animais e até sobre o manuseio do fogão a lenha”, conta.

A influência do pai em sua relação com a comida se mantém até hoje, e Ana busca encontrar formas de honrar as diversas memórias em seu trabalho. “Em quase todos os meus menus assinados ou harmonizados tem um pedaço dele e da história que tivemos com a comida.”

Bruno Sabbag, do Sabah

Bruno e Nilton Sabagg/Divulgação

Foi também com o pai que Bruno Sabbag, sócio do restaurante árabe Sabah, na Avenida Paulista, teve seus primeiros ensinamentos sobre comida, mais especificamente sobre temperos: “A pimenta síria é o coração de toda família árabe”, elucida.

Muito utilizado nas cozinhas do Oriente Médio, esse condimento – também chamado de bahar – é na verdade uma combinação de especiarias que inclui canela, pimenta-da-jamaica, pimenta-do-reino, noz-moscada e cravo. “Toda família tem a sua receita própria, com ingredientes ‘secretos’. E todo o restaurante árabe também deveria ter”, diz. Além disso, ele ressalta a importância da pureza, que só pode ser garantida com um bom fornecedor.

Foi o que Bruno aprendeu com o pai, Nilton Sabbag, o que este aprendeu com a mãe libanesa, Vitória Neme. “E eu já ensinei para o meu filho, que tem 8 anos. Então são quatro gerações da família Sabbag que dominam essa receita de pimenta síria”, conta Bruno.

Para ele, o cheiro da pimenta síria é muito especial porque sempre vai fazê-lo se lembrar da família. “Quando você prepara a pimenta síria ou come uma comida que leva o tempero, você pensa nos seus pais e avós. É uma forma de honrar os nossos antepassados e manter a culinária árabe viva.”

Paul Cho, da Paul’s Boutique

Paul Cho com o pai e a filha/Divulgação

Na casa do pizzaiolo Paul Cho, o trabalho sempre foi um assunto muito sério. De família coreana tradicional, ele teve uma rotina puxada e aprendeu, com os pais, a se dedicar intensamente ao trabalho.

“Uma coisa que meu pai sempre fez questão de me ensinar, e que carrego até hoje na cozinha e na vida, é de ser o primeiro a chegar e o último a sair. Essa disciplina moldou meu jeito de trabalhar e é um dos valores que mais me conectam com ele”, conta o pizzaiolo.

Amilcar Azevedo, do NOU

Amilcar Azevedo e filhos Bernardo e Benjamin/Divulgação

Também empenhado em transmitir seus conhecimentos para os filhos, o chef Amilcar Azevedo, do NOU, criou desde cedo o hábito de cozinhar junto aos pequenos. “Uma das primeiras receitas que eu comecei a fazer com eles foi a de espaguete com almôndegas. A gente faz até hoje, mas o que mais gostamos de fazer é hambúrguer e churrasco”, revela.

O gosto por lanches se tornou tão marcante que o grupo desenvolveu um ranking de hambúrgueres, que é atualizado a cada visita a diferentes restaurantes. Quanto ao churrasco, os pequenos gostam de aprender de tudo, como ponto da carne, temperatura, tipos de cortes e técnicas.

O que começou como uma brincadeira hoje é uma tradição de família: “Passamos bastante tempo cozinhando juntos no período da pandemia. Depois disso eles começaram a gravar vídeos para o YouTube ensinando receitas, sempre com o meu apoio”, conta Amilcar.

Hoje, a família tem a cozinha como lugar preferido da casa, onde compartilha o momento dos preparos e as refeições juntos: “Sempre que chegamos perto do fogão é uma oportunidade de puxar um papo”, diz.

Amilcar ainda conta que a relação dos filhos com a vida profissional já foi muito além da cozinha. “Até empresa eu abri por causa deles. Eu tinha uma fábrica de papinhas de bebê, que eram inspiradas nas receitas que eu fazia para os meus filhos”, finaliza.

Fabio Sinbo, do Azur do Mar

Fabio Sinbo e o filho/Instagram @fksinbo

Na família de Fabio Sinbo, do Azur do Mar, a churrasqueira também teve um papel importante. Mas, ao invés de carnes grelhadas, a preferência era por peixes, mais especificamente a manjuba. “Meus avós vieram do Japão e foram morar no Vale do Ribeira. E o meu avô, que pescava muito, ensinou o meu pai e ele me ensinou. Por isso, na casa do meu pai sempre se comeu muito peixe, seja ele grelhado, frito ou assado”, conta.

Fabio diz que o avô tinha uma churrasqueira usada para assar os peixes. “E meu pai gostava bastante. Tanto que ele sempre preferiu comer peixe assado do que carne no churrasco”, conta. Hoje, o chef tenta reproduzir de alguma forma em seu trabalho o que aprendeu com a família.

“A gente tenta fazer uma coisa parecida. O peixe é grelhado apenas com sal, o que valoriza mais o sabor. Depois eu coloco coentro e azeite, que dá uma levantada no prato”, explica Fabio. Ele também se recorda de ter perguntado para o avô se não deveria colocar limão no peixe e de ter aprendido que as gotinhas do suco deveriam ser adicionadas somente depois de assar a carne.

São esses ensinamentos que Fabio tenta passar para o filho de 14 anos, que no começo não tinha muito interesse pela cozinha. “Começou como um castigo, porque ele estava indo mal na escola, mas agora é uma coisa divertida que a gente faz junto”, finaliza.

Isaac Azar, do Paris 6

Isaac Azar, Cesar e Jean-Luc/Foto: Thati Bione

No caso de Isaac Azar, fundador do Paris 6, foi com uma combinação de culturas que ele teve as primeiras experiências gastronômicas. Seus avós eram da Síria e do Líbano e o pai, Cesar, nasceu no Egito.

Apesar de não ter muita experiência na cozinha, o patriarca teve uma grande influência na sua formação. “Em casa, a cultura gastronômica do Mediterrâneo Oriental sempre esteve presente. Desde o uso do azeite de oliva até os costumes mais corriqueiros, como o consumo de tabule e de sobremesas com ingredientes como pistache”, conta Isaac.

Para o Dia dos Pais, o restaurateur preparou uma homenagem: um menu completo inspirado no pai, desde a entrada até a sobremesa, sempre com referências às histórias compartilhadas em família. Além do tabule e da torta-mousse de chocolate com pistache, o prato principal também traz uma memória especial. Apesar de não ser um receita tradicional da cultura árabe, o Fettuccine Aux Cèpes, preparado por Isaac, conta a trajetória profissional de Cesar Azar. Ao longo de seus 90 anos, ele foi imigrante no Brasil e em Israel, onde atuou como comerciante e importador de produtos.

“Em suas andanças pelo mundo, ele se apaixonou por três ingredientes: massa, creme de leite e funghi”, lembra Isaac. Foi com esses ingredientes que Cesar encontrou seu prato preferido, uma receita que permanece com Isaac e que carrega uma história especial.