por Suzana Barelli

Escolhi a figura de dona Antónia Adelaide Ferreira para terminar esta série de vinhos e mulheres, que publiquei aqui em todo o mês de março. Dona Ferreirinha, como era conhecida, tem uma história de pioneirismo, de empreendedorismo e de preocupação com o próximo que, mesmo nos dias de hoje, ainda são raros. O que falar do século 19, quando ela viveu. Outro fator para a sua escolha é que, em sua época, o Douro já elaborava os vinhos do Porto, que são o par perfeito para os chocolates desta Semana Santa (leia mais na edição de abril da Menu).

A importância de dona Ferreirinha pode ser medida pela comoção que marcou seu enterro, em 26 de março de 1896. De acordo com o livro Dona Antónia, que ganhei de Francisco Olazabal, um dos seus descendentes, atualmente à frente da Quinta do Vale Meão, seu cortejo foi seguido por mais de 300 mil pessoas. Muitos se ajoelhavam e choravam quando o caixão passava.

Dona Antónia morreu aos 85 anos, deixando uma herança de mais de 20 quintas pelo Douro. O Vale Meão foi uma das últimas propriedades que ela comprou, no então muito distante Douro Superior. Foi desta quinta, alias, que décadas depois de sua morte, nasceu o hoje mítico Barca Velha.

A história de dona Antónia nos vinhos começa com a viuvez, que a fez assumir os negócios da família – os Ferreiras já produziam e vendiam vinhos desde o século 18. E ela fez crescer, como poucos, estes domínios, com vinhedos, no Douro, e também com armazéns, com pipas cheias de vinho, em Vila Nova de Gaia. Ela viveu na época da filoxera, praga que deixou muitos viticultores arruinados. Sua resposta foi não só comprar terras como os vinhos, para ajudar os produtores falidos. Daí ganhou a fama de mulher piedosa, de alma generosa. Seu lado empreendedor também era forte, o que a levou a negociar com muitos poderosos na época, e a investir na modernização dos vinhedos e no seu replantio.

Ela foi muito próxima do barão de Forrester, outra figura marcante no Douro, responsável pelos primeiros mapas dos vinhedos desta região. Com sorte, dona Antónia sobreviveu ao naufrágio no trecho chamado de Calchão da Valeira, no qual o barão veio a falecer. Dizem que as moedas de ouro, que ele levava no bolso, o fizeram afundar. Quanto a dona Antónia, as saias do vestido a ajudaram a boiar e chegar às margens do rio Douro, numa época em que o rio ainda era muito revolto (atualmente, barragens permitem a navegação segura por lá).

Outra história com ares de romance é a fuga de dona Antónia para Vigo e, depois, para Londres, como maneira de defender sua filha Maria Assunção do duque de Saldanha. Desde quando a menina tinha 11 anos, o duque queria promover o seu casamento com o seu filho. Diante das negativas de dona Antónia, alegando, inclusive a pouca idade da menina, o duque formou uma delegação e invadiu a Quinta de Travessos, para raptar Maria Assunção e forçá-la ao casamento. Por sorte, as duas não estavam na quinta. Na versão do duque, foi apenas uma visita.

Entre as quintas de dona Antónia, estão o Valado, o Vesúvio, o Meão, a das Figueiras, de Aciprestes e Tua. Em 1987, os herdeiros de dona Ferreirinha vendem a empresa e a marca Ferreira para a Sogrape. Algumas quintas, no entanto, não entram no negócio. Assim, alguns descendentes de dona Antónia hoje têm as suas próprias quintas. Dois exemplos são a Quinta do Valado e a Quinta do Vale Meão.