por Roberto Fonseca

“Lá vem ele de novo, querendo cervejas que não existem”. Esse é, provavelmente, um dos primeiros pensamentos de donos de bates e lojas quando avistam este que escreve. Nos últimos meses, ao estudar de modo mais aprofundado os estilos de cerveja, me deparei com um fato desconcertante: apesar de todo o boom da cerveja artesanal no Brasil, existem estilos que quase ninguém produz ou importa.

Um exemplo é a Dark Mild, de origem inglesa, sem exemplares importados no mercado. A paranaense Bodebrown tem em seu rol de cervejas a Cara Preta, do estilo, mas não encontrei em São Paulo. A mineira Loba também, mas à época da busca não havia estoque. Restou esperar semanas e conseguir um exemplar da paranaense Alright, em uma logística complexa (um growler com chope veio, de carro, pelas mãos de uma amiga, direto de Curitiba). Tudo isso para provar uma cerveja.

Há outros casos mais ou menos complexos, como Bière de Garde, Belgian Pale Ale e Ordinary Bitter. A escassez traz outros problemas, como a falta de referências clássicas. Em alguns casos, há interpretações nacionais de estilos raros, mas, sem o original, produtores e consumidores têm dificuldade em avaliar a fidelidade em relação ao que prevê o estilo. Sem demanda, também não há pressão por melhorias na produção do estilo ou pela busca de melhores e mais adequados insumos. Como contraponto, é possível ver as modificações que as New England IPAs trouxeram em termos de uso de lúpulos na produção e busca de lotes cada vez mais frescos do ingrediente.

Sem referência e visibilidade, o estilo “patinho feio” não vende. Sem vendas, o cervejeiro deixa de produzi-lo para focar em produtos mais rentáveis. Sem produção, reduz-se de vez a possibilidade de o consumidor encontrá-lo. A constatação me levou a “tirar férias” das IPAs por algum tempo e focar o consumo em estilos que havia negligenciado, o que é como uma boa resolução de Ano-Novo. Para quem quer se arriscar, basta dar uma espiada nos guias do Beer Judge Certification Program e da Brewers Association (disponíveis na internet) e ver o quanto falta para “gabaritar” os estilos formais existentes.

Estou bebendo – El Trago/Narcose Época Bella
Trata-se de uma Grisette, de origem belga. Um dos poucos exemplares da categoria no Brasil, tem 3,9% de álcool, notas frutadas e condimentadas moderadas, final seco e amargor moderado a médio. A lata de 350 ml sai a R$ 22 no Cateto Pinheiros.