Por Paulo Machado

Uma vez mais esta maldita felicidade.” A frase do saudoso amigo, o artista plástico mexicano Felipe Ehremberg, me vem à mente quando cruzo a Cordilheira dos Andes para chegar à capital peruana. Todas as vezes que faço essa rota me transformo em uma criança no parquinho, não só pelas amizades que cultivo no Peru, mas também pelos sabores impressionantes de uma das gastronomias mais pulsantes do mundo.

Na minha segunda visita à Lima, em 2012, estava na companhia especial da cozinheira paraense Neide Lima, com a missão de cozinharmos no restaurante El Señorio de Sulco para o festival Amazonía El Otro Sabor, organizado pela antropóloga da alimentação Izabel Alvarez e seu filho, o chef Flávio Solórzano. Mesmo correndo o risco de sermos barrados no aeroporto, conseguimos ingressar no país com diversos sabores da nossa Amazônia: tucupi, colorau, chicória, farinha-d’água e de Uarini, pimenta-de-dcheiro, cumari, flor de jambu… O menu degustação foi elaborado por inúmeros cozinheiros de países que têm a Amazônia em comum.

Naqueles dias dentro da cozinha descobri diferenças inimagináveis entre os povos amazônicos. Dona Elia, de Tarapoto, na selva peruana, ficou maravilhada com o jambu que havíamos trazido. Ela nos contou que conhecia a erva e que até tinha em seu jardim, mas nunca imaginava ser comestível. Já o chef venezuelano Nelson Mendez me deu formigas para provar, que tinham gosto similar à erva-cidreira. E o chef colombiano Eduardo Martinez brincava no prato com tucupi negro de diferentes texturas e sabores feitos por cozinheiras indígenas de Leticia, cidade na Colômbia.

Da parte brasileira, eu preparei o chibé servido com moluscos bivalves frescos, das águas do Pacífico. Neide serviu asinhas de frango deliciosamente temperadas com bastante urucum e que vinham em caldo de tucupi.

Daquela semana levo muitas saudades: visita a mercados, a hospitalidade e os sabores do país andino. Dos comensais, excelentes surpresas: os chefs Gastón Acurio e Pedro Miguel Schiaffino levaram suas equipes de cozinha para provar o menu do festival. E ainda tive a oportunidade de servir Sir. Roger Waters, vocalista do Pink Floyd que estava na cidade para dar um show e foi antes provar nosso menu pan-amazônico – sabores um tanto exóticos para o músico inglês, que se refestelou entre pimentas e o caldo da mandioca brava. Viva a Amazônia que nos une!