Natural de Cornélio Procópio, no interior do Paraná, Alberto Landgraf já estava destinado à grandeza na cozinha quando foi estudar e trabalhar em restaurantes de Londres aos 20 anos. Com passagens por estabelecimentos de chefs como Gordon Ramsay e Tom Aikens, foi em Botafogo, no Rio de Janeiro, que Landgraf encontrou um refúgio gastronômico que lhe rendeu mais visibilidade e o reconhecimento como um dos melhores chefs do Brasil. Em 2018, recém-casado e buscando um ambiente menos conturbado do que a capital paulista, o chef inaugurou o restaurante de cozinha contemporânea Oteque.  

Ao longo dos últimos sete anos, a casa carioca foi reconhecida por premiações, figura em guias internacionais e se tornou referência no cenário nacional. Antes dela, Landgraf comandou a cozinha do Epice, em São Paulo, entre 2011 e 2016, época em que conquistou a primeira Estrela Michelin. O restaurante na Rua Haddock Lobo, no entanto, fechou as portas com sua saída — atitude motivada pelo desejo de novos desafios. Posteriormente, Landgraf abriu o Bossa, em Londres, em 2023; mas deixou a casa pouco tempo depois.

Em meio à fama de “marrento”, às condições incertas de sua saída do Bossa e a um processo judicial movido pela chef Roberta Sudbrack após uma briga nas redes sociais, Landgraf é conhecido como uma figura “polêmica”. Apesar disso, o chef de 45 anos sequer deseja ser uma pessoa pública, e entende que sua introversão pode ser confundida com arrogância. Ele se manteve em silêncio mesmo tendo ganhado grande visibilidade quando o Oteque, antes classificado com duas Estrelas pelo Guia Michelin, faturou uma Estrela na premiação de 2025. 

Em entrevista à Revista Menu, Landgraf lamenta que premiações internacionais incentivem a rivalidade entre colegas, mantendo firme a convicção de que, para ele, agradar aos comensais é mais importante do que jurados internacionais. Sobre a “persona” criada, por terceiros, em torno de sua própria personalidade, ele adverte:

“Acho que as pessoas deveriam te conhecer primeiro antes de tirar as conclusões. E mesmo em uma entrevista, sabe? É difícil você falar uma coisa em 15, 20 minutos. Minha mãe era professora de português, e ela sempre dizia que ‘palavras escritas não têm tom’. Então, dependendo de como é escrito, editado e publicado, a pessoa pode ler isso e pensar: ‘Esse cara é um babaca.’ É uma coisa com a qual você tem que aprender a conviver.”

Restaurante Oteque, no Rio de Janeiro – Foto: Divulgação

Alberto Landgraf opina sobre premiações, trajetória profissional e competição na gastronomia

Revista Menu: Em 2014, você foi premiado como o Melhor Chef Revelação da América Latina. Como você se sente sobre a sua trajetória profissional desde então?

Alberto Landgraf: Eu acredito que os prêmios dizem muito mais sobre quem os está dando do que sobre o premiado. Toda premiação tem uma agenda e toda lista tem caixinhas para checar. São seres humanos que estão por trás disso, que também têm uma agenda e também podem falhar. O prêmio não é para promover o bem do Brasil ou o bem da gastronomia de qualquer lugar, é um negócio para aquela pessoa. Então ele [o jurado] também toma decisões baseadas no que é melhor para o negócio dele.

Acho que o que me valida mesmo é ter clientes no restaurante e ter o respeito dos colegas, e isso acaba se traduzindo nas colaborações e nos convites que eu tenho para cozinhar no exterior e mesmo aqui no Brasil.

As premiações acabaram se tornando uma competição desnecessária e inexistente entre os chefs. E é uma coisa tão subjetiva. O que é melhor? Quem é melhor? É muito variável. Então você tem que levar o resultado de uma forma subjetiva também.

No prêmio de Melhor Chef Revelação da América Latina, da Revista Four, outros cozinheiros ganharam e hoje eu tenho um destaque que outros ganhadores do mesmo prêmio não têm. Então não é só a premiação, é como você conduz a sua carreira e como você utiliza essa ferramenta para construir sua reputação.

Você sente que ter mudado de posição no Guia Michelin teve mais a ver com a organização da premiação do que com o desempenho real do Oteque?

AL: É mais difícil de analisar o Michelin, porque é um pouco mais fechado. O que eu posso explicar é que ano passado eu tive um problema de saúde sério e acabei tendo que ficar quase que afastado totalmente do restaurante, por cerca de cinco meses.

Quando eu abri o Bossa, eu levei parte da minha equipe para Londres e acabei ficando com os meninos que estavam subindo aqui. E o Michelin pode tirar uma Estrela quando há mudança de chef ou até mesmo de rotina.

Da minha parte, o que vale realmente é analisar bem como a comunidade reagiu ao redor disso. Como os clientes reagiram? Todos com muita surpresa, porque o Oteque é um restaurante de muito processo e de muita regularidade. E isso é o que o Michelin mais preza, eles não se prendem tanto ao formato e à criatividade, e sim à regularidade, um fator que sempre colocamos muito forte no funcionamento do Oteque.

Realmente tivemos algumas mudanças. Pode ter sido isso, como também pode não ter sido. Acredito que o Guia tenha suas razões também, é claro.

Considerando os recentes prêmios internacionais gastronômicos, como o Guia Michelin e o 50 Best Restaurants, como você enxerga o crescimento da gastronomia brasileira no cenário internacional?

AL: Não acho que esteja crescendo. Acho que ela está estagnada, na verdade. Nós tivemos duas edições seguidas do 50 Best no Rio com um pouco de repercussão, mas poderíamos ter aproveitado muito mais para divulgar tanto no Brasil quanto internacionalmente.

Só que, como falei, hoje os prêmios geram um desgaste grande e um embate desnecessário entre restaurantes. Amigos não se falam, famílias separam, virou uma coisa que você tem que tomar muito cuidado para pisar nesse território.

Ano passado o Oteque tinha ficado em 37º lugar no 50 Best e eu até esqueci de postar. Me ligaram perguntando: ‘Você não vai postar?’ E eu falei: ‘Cara, quem tem que postar é você que me deu o prêmio’. Não é isso que me motiva a trabalhar ou que me valida.

Os prêmios se tornaram muito mais uma máquina de fazer dinheiro para eles do que necessariamente algo para os premiados. Fico reticente em dizer isso, mas acabou que em alguns lugares se criou um clima tóxico entre os chef e os colegas. Isso tudo por uma disputa na lista de um cara que nem sabe onde é o restaurante. E sempre tem gente que acredita que isso [a premiação] é a verdade absoluta. É uma coisa maluca, até.

Como você busca levar o Brasil consigo nos diversos compromissos internacionais em que está presente e como você se sente representando o país?

AL: Busco levar o Brasil para fora da mesma maneira que eu faço o Brasil aqui dentro. Temos um país do tamanho da Europa, formado por nós, nascidos aqui, mas também por diversas colônias imigratórias. 

Todos nós somos filhos, netos ou bisnetos de algum imigrante, mas o Brasil de verdade são os caiçaras da Mata Atlântica, os ribeirinhos de Belém. Esses sim estavam aqui antes dos nossos avós, dos nossos bisavós chegarem. Então eu tento levar um Brasil atual, moderno, e não um país caricato com só Carmen Miranda e Amazônia — sendo que a Amazônia está mais longe do Rio de Janeiro do que a França, por exemplo.

Tento levar o trabalho que eu faço no Oteque entendendo que o cara que planta cenoura na Serra do Brejal, ali no Rio, é tão brasileiro quanto os produtores que vêm da Amazônia hoje.

Se eu realmente tento representar nosso país, é esse Brasil autêntico e não só ‘amazônico’, até porque eu acho que já virou um pouco clichê e essa linha foi usada muito gratuitamente por pessoas que nem teriam propriedade para falar desse lugar.

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Tem algum motivo específico para você ter saído de São Paulo? Você pretende voltar à cidade?

AL: Eu me casei. Casei e já separei. Além disso, esse ambiente de extrema competição entre os colegas foi a motivação principal. Eu já sentia que estava começando [o clima de competição] aqui em São Paulo, e aqui é muito mais forte. Estava me fazendo mal já no início.

Acabei preferindo ir para o Rio de Janeiro porque eu achava que o clima ia ser mais leve lá para trabalhar. E por um bom tempo foi. Mas essa coisa da competição acabou se infiltrando lá também, especialmente pós-pandemia. As pessoas estavam em um momento de luta pela sobrevivência.

Continua sendo mais leve trabalhar no Rio, mas as pessoas — a mídia, os chefs e as assessorias — ainda estão colocando demais essas listas, esses prêmios, como centro da gastronomia.

Você sente que é inevitável que o sentimento de competição entre os chefs chegue a outros estados além de Rio e São Paulo?

AL: Eu acho que, em todo lugar onde chega uma pessoa nova, que muda o ‘status quo’ da coisa e se torna a referência nova do local, vai dar problema. Especialmente quando você está meio que ‘surfando sozinho’ no oceano. Ninguém quer uma concorrência, ainda mais porque no Brasil só tem uma clientela. 

Aqui, o cliente que vai no Mocotó é o mesmo que vai no Fasano. Não existem muitas fatias de visitantes separadas em classe A, B, C, D e E. É só a classe A que vai [a restaurantes], as classes B, C e D não vão nem ao Mocotó e muito menos ao Fasano.

Então eu acho que seria inevitável o desgaste, e eu não sou imune a isso. Também acabo passando por esse processo, mas acho que a idade traz um pouco de maturidade. Se eu abrisse uma coisa em outro lugar hoje, com a idade que eu tenho, talvez a experiência mudasse.

Não está fácil navegar nessas águas sem ‘incomodar alguém’. Ainda mais o Oteque, que quando abriu e teve um destaque muito grande. E se eu estivesse do outro lado, eu também me sentiria incomodado. A questão central é como você lida com isso.

Além disso, aqui no Brasil temos outro fator que aumenta a complexidade da situação. Quando você vê Peru, você só vê Lima, na Argentina, você só vê Buenos Aires, Chile, você só vê Santiago. O Brasil é tão grande que a atenção se espalha, os votos se espalham muito mais aqui. Se todos os votos fossem concentrados só no Rio de Janeiro, tal qual é no Peru, tenho certeza que os restaurantes de lá iriam performar ainda melhor do que performam. É por isso que eu acho que a mecânica não é favorável a um país como o nosso.

E em uma análise rasa, na lista dos melhores, o melhor restaurante americano é um coreano, o melhor restaurante do Japão é francês e o chef é inglês, o melhor restaurante da Ásia é um indiano na Tailândia. Está tudo de ponta cabeça. Então você não pode dar valor para uma coisa que foi manipulada para chegar onde chegou.

Sendo conhecido como um dos melhores chefs do Brasil, em que momento da sua carreira você está agora?

AL: Acho que eu estou em um momento de entender quais serão os próximos passos. O mundo todo tem mudado muito rápido, não só a gastronomia, mas todas as profissões. Se a gente analisar os últimos 10 anos, o papel de um chef de cozinha se transformou. Antes era o cara que ficava trancado no fogão o maior tempo possível, hoje já não é mais isso. Você tem que sair, viajar, fazer networking, estar com clientes, dar palestras, cozinhar fora. Então, eu estou em um momento de parar, olhar e tentar entender quais serão os próximos passos da carreira para eu poder decidir os meus próximos passos também.

É lógico que vai sempre envolver comida e restaurantes. Não vou dizer no longo, mas no curto e médio prazo com certeza o Oteque vai estar presente. Mas não quer dizer que tudo seja conectado a ele.

Existe algo que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você e sobre o Oteque?

AL: Eu acho que tem uma linha fina entre ser reservado, uma pessoa introvertida, e ser arrogante. Eu sou uma pessoa muito reservada. Já disse alguém mais sábio que eu: ‘Amigo de todos, na verdade, não é amigo de ninguém’. Então eu simplesmente tento ser eu mesmo. Não tento ser uma pessoa que busca manipular uma situação em prol de subir duas ou três posições. Eu tenho que ser o melhor profissional possível para os meus funcionários, meus clientes e para os meus investidores, e não para terceiros. 

E acho que as pessoas tiram muitas conclusões de mídia social. Todos nós tiramos conclusões sobre a vida das outras pessoas, achamos que todo mundo é feliz e perfeito. Eu tenho meus amigos chefs, não é porque não fico colocando eles na mídia social que eu não tenho essas pessoas. 

“Eu não comecei nessa carreira para ser público. Eu só gostaria que as pessoas entendessem que aqui tem um ser humano que fica doente, que também tem que cuidar da saúde mental e da sua equipe, que tem questões, tem dúvidas e críticas ao próprio negócio. Não tem como a pessoa ter conclusões nem sobre mim, nem sobre o Oteque, sem me conhecer pessoalmente. E infelizmente, quanto mais você se destaca, mais os círculos se fecham. A fama e a exposição não mudam só você, mudam as pessoas que estão ao seu redor. Quanto mais exposto você fica, mais você tem que fechar o círculo.”

Eu já tive experiências ruins com isso, de pessoas se aproximarem por interesse, inveja, ciúmes… Eu também já fui jovem e já passei por todas essas fases. Só que aí a gente chega em um ponto que fala: ‘Não vou me desgastar com isso’. Eu vou gastar minha energia com quem está próximo a mim, com quem gosta de mim. Isso é uma coisa que o Alex Atala me ensinou: quem não gosta de você já não gosta, então gaste a sua energia com quem gosta de você.

Quem fala de mim, fala sem ter a mínima ideia de quem eu sou, o que eu faço, quem eu ando e quem eu cuido. Fala baseado em mídia social ou numa entrevista que vai ter um espaço limitado. Eu não posso levar isso em consideração, tenho que levar em consideração quem está próximo de mim, as pessoas que eu considero e que convivem comigo.