por Suzana Barelli*

Os espumantes ingleses são a melhor notícia do aquecimento global – se é que é possível ver algo positivo nas mudanças climáticas. Mas o fato é que, desde a década de 1980, há ingleses e, mais recentemente, franceses, cultivando uvas viníferas no sul da Inglaterra, em regiões como Kent, Sussex, Hampshire e Dorset, todas banhadas pelo oceano Atlântico, e elaborando espumantes de qualidade crescente.

Pinot noir e chardonnay são as variedades mais cultivadas – exatamente as uvas que dão origem aos champanhes. E o plantio da pinot meunier, a terceira variedade dos nobres espumantes franceses, vem crescendo no sul inglês. Nas últimas safras, essas vinhas vêm conseguindo maturar a ponto de seus frutos terem as características necessárias para dar origem aos vinhos-base, como é chamado o líquido que resulta da primeira fermentação, antes da formação das borbulhas. Explica-se: assim como em Champanhe, do outro lado do canal da Mancha, a chegada do inverno não permite a completa maturação das uvas, mas variedades tintas de ciclo vegetativo mais curto, como as pinot, e as uvas brancas, conseguem se desenvolver e manter a acidez mais pronunciada, uma das chaves para as borbulhas.

A uva chardonnay, que brilha no sul da Inglaterra

“O aquecimento global aumentou as temperaturas médias no sul da Inglaterra, permitindo as maturações mínimas das uvas”, afirma Paulo Brammer, sócio da escola de vinhos Enocultura. Um exemplo é que no verão as temperaturas mínimas da região vem subindo. No período de 1960 a 1981, eram de 16,37˚C e, de 1981 a 2010, de 17,2˚C. Mesmo se tornando mais favorável, o clima é o principal calcanhar de Aquiles dos ingleses: um frio excessivo pode atrapalhar a floração e, assim como as geadas, podem comprometer toda a produção de uma safra. Em 2012, por exemplo, o clima dificultou a floração das vinhas e, em consequência, a produção foi de 1,03 milhão de garrafas. Em 2011, um ano antes, os ingleses haviam elaborado 3,02 milhões de garrafas. Para comparar, a maior produção inglesa foi em 2014, com 6,3 milhões de garrafas.

Outra vantagem é que o solo do sul da Inglaterra é semelhante ao de Champanhe, com muito calcário, quase todo de giz. Os vinhedos são cultivados em baixas altitudes, para fugir da temperatura mais frias, e protegidos por árvores, pelo vento excessivo. As vinhas são conduzidas a dar frutos a uma altura de 1 metro a 1,5 metro do solo, para evitar danos com as geadas. Na comparação com Champanhe, que tem 8 mil plantas por hectare e uma produção média de 80 hectolitros por hectare, os ingleses produzem 20 hectolitros por hectare, com 4 mil plantas por hectare. Os espumantes franceses, ainda, têm em média 10,2 gramas de açúcar por litro, enquanto os ingleses têm de 8,5 a 10,5 gramas de açúcar.

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Com tantos fatores favoráveis aos seus espumantes, o crítico de vinhos português Rui Falcão pondera que os ingleses podem vir a ser um grande concorrente aos franceses: “Por ora ainda é cedo para afirmar com segurança que os espumantes ingleses poderão estar no mesmo patamar qualitativo do modelo original francês, mas nunca a região tinha estado perante a um desafio tão próximo e inesperado quanto o lançado pela Inglaterra” escreveu ele para o jornal Público. Além do solo e do clima, cada vez mais semelhante ao francês, os produtores ingleses utilizam as mesmas uvas e técnicas de elaboração. Mais: alguns ainda falam em método britannique, baseados em um documento escrito pelo inglês Christopher Merret sobre a fermentação em garrafas e publicado três décadas antes do monge Dom Pérignon.

Atualmente, os ingleses exportam para 14 países (o Brasil ainda não entrou neste destino), fato impensável quando, em 1988, o casal de norte-americanos Stuart e Sandy Moss decidiram plantar chardonnay e pinot noir em West Sussex para elaborar espumantes (em meados do ano 2000, a vinícola foi vendida para empresário Eric Heerema). O primeiro vinho da Nyetimber foi lançado em 1992 e as premiações começaram em 1998. Até então, os vinhedos ingleses eram cultivados principalmente com variedades híbridas, muitas de origem alemã.

O resultado dessa revolução é que até franceses decidiram plantar vinhedos no país vizinho – a Taittinger, por exemplo, tem vinhedos em Sussex. A produção inglesa é de 66% espumantes, 24% brancos e inacreditáveis 10% de tintos. Mas a estimativa é que, muito em breve, as borbulhas representem 90% de toda a produção. E esta aposta parece cada vez mais plausível.

Um brinde à rainha

Três dos espumantes provados no Brasil

A escola Enocultura promoveu, em dezembro do ano passado, uma degustação com seis espumantes ingleses, trazidos especialmente para o evento. O painel mostrou desde os goles mais básicos – assim como em várias regiões, na Inglaterra há espumantes elaborados em tanques fechados, no chamado método charmat, que resulta em uma bebida mais frutada, e aqueles elaborados pelo método clássico, com a segunda fermentação em garrafa, que os ingleses gostam de batizar como britannique.

O primeiro espumante degustado foi o Bolney Bubbly Brut, elaborado com 85% de müller thurgau, 12% de chardonnay e 3% de reichensteiner, revelando a presença de uvas alemãs na região. Mas a aposta dos ingleses caminha na direção da chardonnay como melhor uva para seus espumantes, inclusive em blanc de blancs. Um exemplo é o Gusbourne 2012, um 100% chardonnay com uvas das regiões de Kent e West Sussex. A complexidade e a cremosidade da bebida vêm dos 36 meses que o vinho passa em contato com as leveduras. Há bons rosados, como o Nyetimber Rosé Sparkling, com 49% de chardonnay; 49% de pinot noir e 2% de pinot meunier.

Na degustação brasileira, os espumantes de maior destaque foram o Ridgeview Knightsbridge Cuvee “Christopher Merret”, um corte de 50% de pinot noir e 50% de pinot meunier, da região de Sussex, que passa 24 meses em contato com as leveduras; e o Sugrue Pierre Cuvee The Trouble with Dreams 2011. Com 55% de chardonnay, 40% de pinot noir e 5% de pinot meunier, também de Sussex, surpreende pelas notas de fermentação, um leve toque cítrico, e grande persistência. Às cegas, passaria facilmente por um bom champanhe.

* Reportagem publicada na edição 215