22/05/2017 - 14:57
por Cintia Oliveira*
O que há em comum entre comer um misto quente no balcão da padaria e jantar num restaurante três estrelas Michelin? A princípio, absolutamente nada. Mas ambas, cada qual à sua maneira, são experiências gustativas. E analisar os aspectos que envolvem a nossa relação com a comida é o fio condutor do livro O gosto como experiência (editora SESI-SP), do filósofo italiano Nicola Perullo. Na obra, Perullo, que é professor da estética do gosto na Universidade de Ciências Gastronômicas de Pollenzo (Itália), da Associação Slow Food, analisa a nossa relação com alimento, que pode ir desde o prazer puramente empírico até uma experiência que envolve um conhecimento teórico aprofundado.
No mês passado, Perullo esteve em São Paulo a convite do movimento São Paulo Saudável, do SESC e da especialista em chás Nathalia Leter, para um ciclo de palestras e degustações sobre o livro. Entre as atividades, Perullo conduziu uma (inusitada!) harmonização entre sorvetes e chás, na companhia da especialista em chás Carla Sauaressig e a chef gelatière Marcia Garbin, da Gelato Boutique, de São Paulo. Em entrevista à Menu, Perullo fala sobre o modo como prazer e conhecimento teórico são conceitos que se complementam na hora de analisar a estética do gosto.
Em seu livro O gosto como experiência, você defende que o conceito de estética alimentar é mais amplo do que simplesmente a aparência dos alimentos. Por quê?
Quando se pensa na estética do alimento, o aspecto visual é a primeira coisa que vem à cabeça. Mas a estética pode ser interpretada de uma maneira completa por todos os nossos sentidos. Envolve desde a forma como nós enxergamos a comida, até os sentimentos e o prazer que um alimento nos desperta. E, isso não passa necessariamente pelo intelecto. É o aspecto mais simples do gosto.
Ao mesmo tempo em que o paladar evolui ao longo dos anos, você defende que nós devemos manter contato com a forma mais elementar de se saborear um alimento. Por quê?
Nós podemos sentir o sabor de maneiras muito diversas, dependendo da situação na qual nos aproximamos do alimento. É um caso de uma criança tomando sorvete, simplesmente por ser doce e gelado. E de um adulto que toma uma cerveja num dia de calor intenso porque é gelada e tem álcool, sem se preocupar muito com qual cerveja você está bebendo. Claro que, naturalmente, acaba desenvolvendo outras percepções de sabor, mas acredito que nós temos que voltar e retomar esse tipo de apreciação do sabor. Obviamente, quando você é adulto a experiência não é mesma da infância, mas é uma experiência que se tenta recriar. E tem muitos chefs que trabalham hoje recuperando essa dimensão infantil do sabor.
A formação do gosto envolve a sociedade, a cultura e o contexto histórico do qual o indivíduo faz parte. Podemos dizer que o nosso gosto pessoal, na verdade, é uma imposição do outro?
É justamente isso que me fez escrever este livro. A ideia é mostrar que o gosto não precisa ser algo necessariamente imposto, mas sim transformado ao longo do tempo. O gosto é um sistema complexo composto de um passado pessoal, da comunidade e do contexto histórico no qual se está inserido. E o gosto não é hermético, mas algo que vai se modificando a partir das experiências do dia a dia.
A partir da experiência do gosto, de que forma isso ajuda as pessoas a se reconectarem com os alimentos?
Neste livro eu pensei mais no gosto e na percepção. No livro seguinte (A cozinha é arte, sem tradução para o português), o meu foco é a cozinha. Com esse estudo sobre o gosto, podemos chegar neste conhecimento (de se reconectar com os alimentos), mas isso também vem naturalmente pela cozinha. Quando a gente escolhe um alimento e vai para a cozinha pode ser um ato imposto, no sentido vai reproduzir exatamente o que lhe foi ensinado, ou aquilo pode se tornar uma expressão criativa.
* Reportagem publicada na edição 213