por Rachel Bonino* 

As folhas sempre fizeram parte da alimentação do brasileiro, mas uma parte delas não é vista como um ingrediente. No lugar de formarem a comida no prato, elas são o próprio prato, panela, assadeira – ou seja, o suporte para as preparações. Pela flexibilidade e resistência, folhas como a da bananeira, palha do milho, do caetê e outras tantas são embalagens naturais usadas ainda hoje para assar, cozer, conservar, manter a umidade e proteger a comida do fogo.

Umas das primeiras comidas “embaladas” registradas por cronistas e viajantes que passaram pelo Brasil foram as moquecas, preparo indígena diferente das versões baianas e capixabas com as quais estamos acostumados. “Sem caldo ou molho, secas, envoltas em folhas de coqueiro ou de bananeira, e assadas em fogo lento ou no borralho, têm o nome particular de moqueca enfolhada”, assim explica Luís da Câmara Cascudo, um dos maiores estudiosos da cultura nacional, em seu livro História da alimentação do Brasil (1967).

Apesar de a folha de bananeira ser usada para embalar este prato indígena, a mesma só foi introduzida no País a partir da expansão portuguesa. Antes da colonização, os índios empregavam outras folhas em comidas que iam para moquém (estrutura suspensa sobre o fogo) ou eram colocadas no borralho (em contato direto com as cinzas). Um dos exemplos é o caetê.

Espalhada pela Mata Atlântica, esta folha nativa larga e comprida, agrupada em touceiras, tem textura mais fina que a da bananeira e, por isso, é mais maleável. João Rural, pesquisador das tradições caipiras paulistas, contou em seu livro No fundo do tacho (2013) que caetês e helicônias (de origem amazônica e também chamadas de bananeira-ornamental) eram as mais empregadas em moquecas indígenas, pamonhas e demais preparos da região Sudeste antes da proliferação da bananeira pelo território nacional.

O caetê, mesmo não sendo tão popular quanto a bananeira, ainda é aplicado na cozinha. A folha embala a tradicional pamonha de Paraibuna (SP), servida nas festas de Carnaval e de Santo Antônio. Maria Helena Santos, do restaurante local Rancho do Milho, conta que as pamonhas são a atração das festas, mas pouco chamam a atenção dos visitantes. “Só o povo de Paraibuna é que come a pamonha no caetê. O pessoal de outras cidades tem receio da folha, parece. Talvez por ela ser pega no brejo, no mato”, diz. A cozinheira conta que as folhas são lavadas uma a uma com esponja e que, ao contrário das da bananeira, não precisam ser passadas na boca do fogão ou na água fervente para amolecer, porque perdem muito a estrutura. “Recorto a ponta do caule, encaixo umas duas folhas, faço um copinho, encho com a massa de milho e amarro com uma palha.”

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Pelos sertões do País, outra embalagem imprescindível na vida de indígenas, tropeiros e bandeirantes foi a palha do milho, que serviu para acomodar produtos feitos a partir do próprio milho e carregados nas monções pelo interior do País, a partir do século 18. “A palha seca era usada para conservar a comida transportada e a palha verde, para cozinhar, assim como a folha da bananeira”, conta Telma Lopes Machado, estudiosa das histórias do Goiás Antigo. Ela reproduz receitas antigas como o pau-a-pique (pasta de mandioca assada na folha de bananeira) e a matula de galinha (pasta dessa carne temperada, com farinha de milho e envolta na palha) na cozinha de sua Fazenda Babilônia, em Pirenópolis (GO).

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O chef Eudes Assis é um entusiasta da folha de taioba

Ainda que as funcionalidades das embalagens naturais já tenham sido supridas por um arsenal de produtos industrializados, cozinheiros são unânimes em atestar uma característica que só elas têm: a capacidade de transferir um sabor a mais aos pratos. No dia em que precisou substituir a folha de bananeira pelo papel-alumínio, a cozinheira Angélica Moreira, do restaurante Ajeum da Diáspora, em Salvador (BA), percebeu a diferença no paladar: o abunã (pasta de feijão-fradinho e mariscos) ficou estranho. “A folha de bananeira passa um sabor diferente, fica mais gostoso. Acho que é porque a banana é uma fruta bem gostosa, né? ”, associa.

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A tapioca com doce de banana e confit de limão na folha de caetê

O repertório de comidas brasileiras também inclui outras folhas de aplicação muito específica ou que já caíram no esquecimento. Em seu Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1831), o francês Jean-Baptiste Debret cita que as baianas vendedoras de comida de rua do Rio de Janeiro, no século 19, ofereciam “bolos de canjica, pasta açucarada feita com farinha de milho e leite e vendida em folhas de mamoeiro” – esta última sem uso atualmente. Já as folhas da mamona, curiosamente parecidas com as do mamoeiro, são usadas hoje na Bahia nos terreiros em dias especiais, como na festa de Olubajé. Na ocasião, as comidas oferecidas às divindades são dispostas no chão e cada participante da festa usa a folha da mamona como prato para acomodar porções de cada quitute pinçado com os dedos.

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As lulas à provençal na folha de bananeira

No litoral paulista, o chef Eudes Assis, do Taioba Gastronomia, usa as folhas para fins variados, do preparo de ingredientes à decoração das bandejas de petiscos. Em seu restaurante em São Sebastião (SP) ele ainda utiliza a taioba como folha que embala peixes, cuscuzes e outros pratos. A diferença é que, ao contrário das demais folhas, a taioba pode ser consumida junto da comida que envolveu. Sinta a diferença entre as embalagens que a natureza nos proporciona com as receitas preparadas pelo chef Assis com exclusividade para os leitores da Menu: 

cuscuz de carne-seca na palha de milho

por Eudes Assis, do Taioba Gastronomia 

2 colheres (sopa) de azeite

100 g de carne-seca dessalgada e desfiada

1 colher (sopa) de cebola roxa picada

1 colher (chá) de alho-poró ralado

2 colheres (sopa) de tomates sem pele e sem sementes, cortados em cubos

2 palmitos em conserva cortados em cubos

1 colher (sopa) de ervilhas frescas

50 ml de caldo de legumes

50 g de farinha de milho

1 colher (sopa) de salsinha picada

Sal e pimenta-do-reino a gosto

Quanto baste de manteiga para untar

6 folhas de palha de milho

para decorar 

tomate-cereja e folhas de manjericão a gosto

cuscuz de carne-seca na palha de milho

Em uma panela, aqueça o azeite em fogo médio-alto e refogue a carne-seca com a cebola e o alho-poró. Em seguida, acrescente o tomate cortado, o palmito, a ervilha, o caldo de legumes, a farinha de milho, a salsinha, o sal e a pimenta. Misture até soltar do fundo da panela. Passe manteiga nas palhas verde de milho, coloque a massa de cuscuz ainda quente. Feche a palha como se fosse fechar uma bala e deixe esfriar.

para servir

Abra as folhas de palha de milho e decore com os tomates-cereja e as folhas de manjericão.

dica do chef

Você pode fazer unidades menores e servir como aperitivo.

rendimento: 6 unidades de 80 g cada; preparo: 1 hora; execução: fácil

 

carapau embrulhado na folha de taioba

por Eudes Assis, do Taioba Gastronomia 

1 carapau de 300 g, sem escamas e aberto pelas costas

Sal e limão a gosto

1 cebola roxa cortada em fatias

1 batata pré-cozida cortadas em fatias

1 tomate cortado em fatias

50 g de vagem pré-cozida

1 folha grande de taioba

carapau embrulhado na folha de taioba

Tempere o carapau com sal e limão, recheie o seu interior com as batatas pré-cozidas, a cebola roxa, o tomate e a vagem, e embrulhe o peixe recheado na folha de taioba. Coloque o peixe na churrasqueira com o braseiro já aceso e asse por 10 minutos de cada lado. Se fizer no forno, asse a 180ºC por 20 minutos.

para servir

Leve o peixe embrulhado na taioba à mesa – a folha pode ser degustada.

dica do chef passe a folha de taioba no fogo para que sua fibra amoleça e fique mais fácil de embrulhar o peixe.

rendimento: 2 porções; preparo: 1 hora; execução: fácil

 

lulas à provençal na folha de bananeira

por Eudes Assis, do Taioba Gastronomia

30 ml de azeite extravirgem

400 g de lulas frescas com a pele, cortadas em anéis

20 g de alho picado

200 ml de vinho branco seco

50 g de tomates picados em cubos, sem pele e sem semente

2 colheres (sopa) de ervas frescas picadas (salsinha, manjericão, tomilho, alecrim e sálvia)

Sal e pimenta-do-reino branca a gosto

30 g de manteiga

1 folha de bananeira grande

lulas à provençal na folha de bananeira

Em uma panela grande, aqueça o azeite no fogo médio-alto e refogue levemente as lulas com o alho. Acrescente o vinho branco e deixe reduzir até evaporar todo o álcool. Adicione os tomates e as ervas picadas. Cozinhe por mais cinco minutos, tempere com o sal e a pimenta a gosto. Finalize com a manteiga para dar cremosidade ao molho.

para servir

Faça um envelope com a folha de bananeira de forma que as laterais fiquem mais altas e o caldo permaneça na folha. Abra e sirva imediatamente.

dica do chef

Use manteiga gelada para o molho ficar mais brilhante e cremoso.

rendimento: 4 porções; preparo: 40 minutos; execução: fácil

 

tapioca com doce de banana e confit de limão na folha de caeté

por Eudes Assis, do Taioba Gastronomia 

tapioca

1 pacote de tapioca granulada

1 litro de leite fervente

1 lata de leite condensado (320 ml)

100 g de coco fresco ralado

doce de banana

6 bananas nanicas maduras

Suco de 1 limão

100 g de açúcar

1 colher (café) de canela em pó

confit de limão-cravo

Cascas de 2 limões-cravos, cortadas em tiras bem fininhas

200 ml de água

4 colheres (sopa) de açúcar

para servir

Quanto baste de folhas de caeté

tapioca

Em uma tigela, misture todos os ingredientes, coloque numa forma e deixe descansar por 10 minutos, até ficar com uma textura firme.

doce de banana

Descasque a banana e corte em fatias. Numa panela, adicione as bananas, o açúcar e o suco de limão e leve para cozinhar em fogo baixo. Mexa de vez em quando para não pegar no fundo da panela e, quando o doce de banana estiver começando a escurecer, desligue o fogo e adicione a canela.

confit de limão-cravo

Em uma panela, cozinhe as cascas de limão-cravo até que fiquem macias. Em seguida, adicione o açúcar e cozinhe até obter um caramelo.

para servir

Corte a tapioca com um aro redondo e, ainda com o aro colocado, cubra com o doce de banana e decore com o confit de limão-cravo. Retire o aro e envolva a tapioca com uma tira cortada da folha do caeté. Sirva o doce por cima de uma folha da mesma planta.

dica do chef

Se quiser, use outras cascas para fazer o confit, como laranja e limão tahiti.

rendimento: 12 unidades; preparo: 1 hora e 30 minutos; execução: moderada

 

*Rachel Bonino é jornalista e autora do blog Sacola Brasileira (asacolabrasileira.com.br), que retrata os ingredientes da cultura alimentar nacional. E reportagem publicada na edição 202 da Menu

Taioba Gastronomia
rua Tijucas, 55 – Camburi (veja no mapa)
(12) 3865-2846 – São Sebastião – SP
taiobagastronomia.com.br