por Suzana Barelli, de Espírito Santo do Pinhal (SP)*

No Espírito Santo do Pinhal, na Serra da Mantiqueira, julho é um mês de manhãs e noites bem frias, com céu azul e sol ao longo do dia. É a estação do ano de maior amplitude térmica, aquela diferença de temperatura entre o dia e a noite que permite a lenta maturação das uvas e, consequentemente, torna o fruto mais complexo em aromas e sabores. Mas o domingo amanheceu frio e chuvoso, como se São Pedro quisesse testar a confiança dos jornalistas que visitavam o vinhedo da Guaspari e seu ousado projeto de poda invertida, quando a videira dá frutos em pleno inverno e não no quente e chuvoso verão brasileiro.

Naquele domingo, a chuva não era suficiente para encharcar as vinhas e tornar a fruta mais diluída e o vinho menos concentrado. Em pequenas gotas, a água irrigava um pouco mais os 50 hectares de vinhedos, cultivados entre 700 e 1.300 metros de altitude do nível do mar, e alimentava as variedades tintas, que estavam amadurecendo. As brancas já haviam sido colhidas e fermentavam em tanques de inox com temperatura controlada. O enólogo norte-americano Gustavo Gonzalez e o viticultor chileno Cristian Spúlveda, que trabalham no projeto, também não pareciam preocupados com o tempo pouco receptivo aos convidados. “O clima é assim mesmo. O normal é ao redor de 25ºC de dia e menos de 7ºC a noite”, contava Paulo Roberto Guaspari, que administra o projeto. No dia seguinte, a segunda-feira nasceu já com sol e o céu bem aberto.

Nos vinhedos, espalhados entre as diversas inclinações das montanhas e o campo de golfe de uma fazenda, que nasceu com a vocação para o café e aos poucos vem ganhando projeção vitivinícola, as uvas tampouco pareciam se importar com o clima. Protegidas por redes, daquelas colocadas nos vinhedos depois da formação dos cachos para impedir que pássaros se deliciem com as frutas, elas estavam em pleno crescimento. A tela branca foi a primeira opção quando a equipe técnica percebeu que a uva poderia se tornar um alimento fácil e saboroso para a variada fauna local. “Mas já começamos os estudos com a tela preta, que pode ser uma opção para absorver o calor e controlar a piracina”, explica Spúlveda. Presente em uvas da família das cabernet, a piracina pode deixar o vinho com aquele gosto mais verde.

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A pequena e moderna vinícola, que tem até tanque de ovo de concreto

Não só a tela é motivo de estudos. A ideia de conhecer profundamente este novo terroir é uma das marcas da Guaspari. “Podemos ser um polo vitivinícola, junto com as vinícolas do sul de Minas, e com conhecimento”, empolga-se Paulo Roberto. A Guaspari, assim como algumas vinícolas mineiras, conta com consultoria do mineiro Murillo de Albuquerque Regina, especialista em viticultura que liderou os estudos para podar as videiras de forma em que a planta produza seus frutos no inverno.

Caliterras, como são chamados buracos cavados no solo para entender o comportamento das raízes, já foram feitos e há um projeto, pronto para sair do forno, de estudar mais o subsolo, talvez por influência dos acionistas do projeto, que vem do ramo da mineração. Com primeira safra em 2008 e com o vinho no mercado desde o final de 2014, a Guaspari quer entender porque o seu syrah, plantado no vinhedo batizado de Vista do Chá, se mostra tão promissor e mais complexo do que o Vista da Serra, apesar da diferença de apenas um ano na idade dos dois vinhedos. Ou se a cabernet franc, nas tintas, ou a viognier, nas brancas, têm potencial – ao todo, a fazenda plantou nove variedades de uva, em sua maioria de origem francesa. Os melhores resultados até agora são com a syrah e com a sauvignon blanc, rótulos comercializados pela Rouge Brasil, por R$ 129 e R$ 89, respectivamente (preços de outubro de 2015).

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O enólogo Gustavo Gonzalez

Na pequena vinícola, Gonzalez tem carta branca para elaborar os vinhos de acordo com o que há de mais moderno na enologia. Ele já tem um ovo de concreto e, neste ano, comprou duas barricas de 300 litros, com um formato que imita um charuto. “Nela, posso colocar mais vinho do que na barrica de 225 litros e acompanhar melhor a relação das leveduras com o contato com a madeira”, defende o enólogo. Gonzalez também aposta em uma fermentação “sanduíche”, na qual parte da uva fermenta com os cachos e parte são desengaçadas antes de seguirem para os tanques. “Quando cheguei, o desafio da região era não saber nada. Hoje, já sabemos muita coisa, mas ainda há o que aprender por aqui”, afirma o enólogo. E este é um bom desafio, creia ou não.

* Reportagem publicada na edição 200 da Menu