Por Roberto Fonseca*

Manuel, peruano que trabalha como motorista de aplicativo na região de Tampa há alguns anos, achou o endereço familiar. Quando expliquei que se tratava da La Segunda, uma das padarias cubanas mais tradicionais da cidade, ele se empolgou. “Cara, eu adoro esse lugar e vinha sempre aqui, mas prometi à minha família que daria uma maneirada no açúcar.” Alguns minutos depois, porém, lá estava ele ao meu lado na fila, para pegar um café e palitos de massa polvilhados de canela. Spoiler: o local não serve cervejas, mas certamente é uma atração que vale a visita para quem gosta de comida e história.

Criada em 1915 em Ybor City, a La Segunda – sim, havia uma La Primera e uma La Tercera, que fecharam – não tem mesas ou cadeiras. As pessoas entram na fila, fazem seu pedido, pagam e vão embora, o que, a meu ver, indica que a comida vale o deslocamento – recentemente, foi aberta uma segunda locação, com mesas, em Tampa. Mas sempre há gente esperando, seja pelos doces, como o bom guava turnover, um triângulo de massa folheada recheado de goiaba, ou um sanduíche, como o cubano, um dos símbolos gastronômicos da Flórida.

A vitrine de delícias da disputada La Segunda, padaria cubana em Tampa (Foto: Roberto Fonseca)

A história do sanduíche cubano está ligada aos trabalhadores vindos daquele país que atuavam na indústria de charutos na região de Key West, ainda no século 19. Posteriormente, ele chegou a Ybor City e, em meados do século 20, se popularizou em Miami. A base do sanduíche é composta por pão cubano (que lembra o formato de uma baguete), queijo suíço, presunto, picles, molho (cada local tem uma receita, mas em alguns casos usa-se mostarda Dijon) e paleta de porco refogada e desfiada. O sanduíche é então prensado em chapas quentes por alguns minutos, até o pão ficar bastante crocante. Há diferenças as versões em cada região: na de Tampa, por exemplo, a receita também leva salame italiano, devido à população de imigrantes daquele país que vivia no local quando da introdução do prato.

O sanduíche Cubano do Hemingway’s: na receita de Tampa, também leva salame italiano (Foto: Roberto Fonseca)

Além da La Segunda, um bom local para provar o sanduíche cubano é o Hemingway’s, no Heights Public Market. Localizado à beira do Rio Hillsborough, o mercado é abrigado em um galpão originalmente usado como oficina dos bondes, e tem boas opções de restaurantes e cafés, além de espaço para cursos, feiras de artesanato e coworking. Embora a oferta de cervejas do Hemingway’s não seja tão interessante quanto o sanduíche, felizmente há no mesmo espaço o BAR at Armature, com mais de uma dúzia de torneiras locais e de outros Estados. Meu palpite de harmonização do sanduíche cubano foi a Reality Checker, da local Crooked Thumb, cuja acidez combinou com a do picles e ajudou a cortar a gordura das carnes e do queijo.

O devil crab do Michelle Faedo’s é outra comida típica, feito como um croquete de caranguejo (Foto: Roberto Fonseca)

Outro prato cuja origem remonta à época das indústrias de charutos na região é o devil crab, ou, literalmente, “caranguejo do diabo”, um croquete de carne do crustáceo, cuja abundância local tornava seu uso mais barato. Ele recebeu esse nome por ser, originalmente, bastante apimentado, mas as versões modernas tiveram a picância reduzida – ou ao menos pareceu a mim, fã não muito ardoroso de pimentas. Nem por isso o croquete deixa de ser saboroso e bem recheado de caranguejo, como na versão que provei no Michelle Faedo’s Tampeño Cuisine. Infelizmente, não há ali uma boa cerveja para acompanhar, então fui de refrigerante mesmo – por favor, não contem a ninguém…

Entre tantas paradas para comer e tomar cerveja, um café é sempre bem-vindo. No Heights Market, há a Commune+Co., que se notabilizou pelo método de pressure brew, onde a introdução de nitrogênio desde o início do processo de extração do café dá à bebida o aspecto de uma cerveja Guinness recém-servida, com o “efeito cascata” na espuma. Não muito longe dali – e estrategicamente localizado entre a cervejaria Hidden Springs e a produtora de hidromel Garagiste, está a Foundation Coffee Co.. Apesar da diversidade de métodos de extração, o calor me levou a pedir uma tônica com cold brew, extremamente eficiente para reduzir a temperatura.

No Foundation Coffee Co., a sugestão é beber uma tônica com cold brew para aplacar o calor (Foto: Roberto Fonseca)

Ainda em termos da bebida, uma boa sugestão para o café da manhã é o The Oxford Exchange. Misto de restaurante, loja de livros e decoração para casa, trabalha com cafés da torrefadora Buddy Brew, também de Tampa, e tem uma boa gama de métodos de extração, como o chemex, o kalita e a french press. Além do bom menu – tente os bons ovos com kale, batata-doce, queijo feta, cebolinha e pimentão vermelho –, o local por si é muito bacana e altamente fotografável, em especial se visto de cima da escadaria com painéis de madeira. Construído em 1891, o imóvel, reinaugurado em 2012, já foi estábulo (ferraduras e outros objetos descobertos em escavações estão expostos) e conjunto de lojas.

O charmoso salão do The Oxford Exchange, uma ótima opção para um café da manhã em Tampa (Foto: Roberto Fonseca)

Entre uma cervejaria e outra, ainda encontrei, ao acaso, uma loja de temperos em John’s Pass/Madeira Beach, ao lado da cervejaria Mad Beach. Embora o espaço seja pequeno, a The Spice and Tea Exchange faz parte de uma rede grande nos EUA e tem uma quantidade considerável de combinações de ervas. Para a surpresa da atendente, cheirei literalmente todos os potes de amostras do estabelecimento. Além de um bom treinamento de percepção e comparação de aromas na cerveja, também dá excelentes ideias de combinações que poderiam trocar xícaras ou panelas por receitas fermentadas.