por Suzana Barelli*

O tinto Finca Resalso é um vinho da crise. Antes de a economia europeia derrapar em 2008, a vinícola espanhola Emilio Moro vendia pouco mais de 200 mil garrafas desse tinto, elaborado com a uva tempranillo de seus vinhedos mais jovens. Oito anos depois, são comercializadas mais de 1,2 milhão de garrafas do rótulo, que é a porta de entrada para quem quer provar os vinhos da bodega de Ribera del Duero. “Na crise, os consumidores baixam um degrau no consumo e é preciso dar essa opção para ele”, afirma Javier Moro, sócio da vinícola familiar, em passagem por São Paulo no fim de fevereiro.

Importado pela Épice, o tinto é vendido por R$ 114, o que não permite colocá-lo entre os rótulos do dia a dia para a maioria dos consumidores brasileiros. Impostos, fretes e transportes, e a desvalorização do real estão entre os fatores que inviabilizam muitos brancos e tintos no mercado nacional. “Na Europa, o Resalso é uma marca muito forte nos vinhos em taças em bares e restaurantes”, completa Moro. O sucesso do vinho, acredita ele, está baseado na equação formada entre uma bebida mais simples do que os demais rótulos da Emilio Moro, envelhecida em barricas de carvalho usadas (de terceiro uso), e elaborada com uvas ainda não tão complexas, pela idade do vinhedo. Ao lado disso, há o trabalho de promover seu consumo de forma menos onerosa para o consumidor, como em doses em taça.

A trajetória do Resalso, válida para o mercado espanhol, indica alguns dos caminhos que os produtores e importadores brasileiros estão traçando para enfrentar a atual crise econômica e tentar ao menos amenizar a queda da venda já registrada nos primeiros meses de 2016. A Adega Alentejana e a Mistral são exemplos de importadoras que decidiram apostar em rótulos mais econômicos de vinícolas que já estão em seu portfólio. “Estamos conversando com nossos produtores e mostrando que precisamos de vinhos para enfrentar estes dois anos. E que se ficarmos apenas com os vinhos que já temos, e com seus preços atuais, isso pode até tirar a marca do mercado brasileiro”, afirma Ciro Lilla, dono das importadoras Mistral e Vinci.

O primeiro passo da Mistral é trazer a linha Estiba I, da argentina vinícola Catena Zapata, que será vendida por US$ 12,90. Até então, o Alamos, com preço de US$ 17,50, era a linha de entrada da Catena no País. O Estiba I já existe no mercado interno argentino e desembarca no Brasil ainda neste mês de abril. Lilla negocia com outras vinícolas de seu portfólio vinhos exclusivos para a atual realidade brasileira, todos com o perfil de varietais frutados, com menor graduação alcoólica e embalados em garrafas mais básicas (e mais baratas).

A Quinta da Lagoalva, na região do Tejo, em Portugal, já está elaborando um branco e um tinto nesse perfil para a Mistral, que deve desembarcar por aqui em maio. O dono da importadora fez essa mesma proposta para outros produtores e promete novidades em breve. “Acredito que tenhamos seis a oito rótulos com essas características nos próximos meses”, afirma.

A Adega Alentejana, por sua vez, aproveitou a degustação de vinhos portugueses do Tejo no Brasil, em meados de fevereiro, para apresentar o Porta do Sol, nome inspirado em um jardim famoso da cidade de Santarém. São dois vinhos, um branco e um tinto, elaborados especialmente para o mercado brasileiro pela Quinta da Alorna. Simples, frutado e com apenas 12,5% de álcool, os dois vinhos têm no preço – R$ 36 para o consumidor final – o seu maior atrativo. “Encomendamos 40 mil garrafas no primeiro lote e já vendemos 14 mil”, comemora Manuel Chicau, sócio da importadora.
Chicau tentou a fórmula de um vinho mais em conta com outros produtores que representa, mas em nenhum mais conseguiu chegar à equação de qualidade-preço pretendida. No quente Alentejo, por exemplo, o álcool final desse vinho mais básico foi o principal entrave. Sua aposta, agora, é em uma parceria com um produtor na região de La Mancha, na Espanha. “Estamos trabalhando para conseguir um vinho de qualidade e preço até 5% menor que o Porta do Sol”, conta ele.

Regiões menos badaladas, como o caso do Tejo (Portugal), La Mancha (Espanha), sul da Itália e até Languedoc e demais destinos no sul da França, são vistas como bons destinos para prospectar vinhos europeus nesta época de crise. Nessas zonas, o custo para elaborar o vinho é mais em conta, a começar pelo preço do terreno. “Estamos negociando com dois produtores de Portugal e já conseguimos um vinho espanhol, da região de Valência, por R$ 80”, conta Orlando Rodrigues, sócio da Premium, importadora sediada em Belo Horizonte (MG). Ainda no catálogo da Premium, chegou em janeiro ao Brasil a linha Quereu, elaborada pela Fox Wine, com uvas do vale central chileno. Custa, ao consumidor brasileiro, R$ 50.

É certo que há no mercado vinhos mais baratos. Mas a decisão de que vinho comprar esbarra nos critérios de qualidade e de preço de cada importadora. “Investimos em formar o consumidor nas últimas décadas. Como oferecer vinhos para eles de qualidade bem duvidosa?”, pergunta Rodrigues. Ou, como diz Ciro Lilla, “não estamos falando de um vinho de R$ 20 para o consumidor, mas de R$ 40, onde dá para trabalhar para ter qualidade.”

Serge Zehil, sócio da importadora Zahil, conta que tem se tornado comum receber ligações de sommeliers perguntando se há opções de vinhos para os restaurantes por menos de R$ 40, já com todos os impostos pagos – o IPI de 10%, que começou a valer em dezembro de 2015, se faz sentir bem neste momento. “Mas é uma busca árdua”, resume. Para o consumidor final, por exemplo, os vinhos mais baratos da Zahil são os varietais da linha Signos, da Bodegas Callia, localizada em San Juan, na Argentina. Custam R$ 45 a garrafa de 750 ml, para o mercado paulista. “Abaixo desta faixa, compromete muito a qualidade. Mas estamos procurando”, conta ele.

Adolar Hermann, sócio da importadora Decanter, espera trazer opções de vinhos mais econômicos da Prowein, uma das mais importantes e profissionais feiras do setor, realizada em Düsseldorf, na Alemanha, em meados de março. Para a edição de 2016, ele viajou acompanhado de mais dois profissionais da Decanter, para aumentar a chance de encontrar esses rótulos. O foco são brancos e tintos da Itália e da Espanha e que devem fazer companhia à Intis, linha de entrada da vinícola Las Moras, de San Juan, na Argentina, e vendido por R$ 42, na Decanter. “É uma linha para poucos mercados, o Brasil entre eles. Nos Estados Unidos, a Las Moras vende a partir de sua linha reserva”, conta Hermann. Por aqui, o reserva custa R$ 66,60.

A julgar pelas notícias da economia brasileira, esse garimpo deve continuar nos próximos meses e, talvez, anos.

Sob medida para o Brasil

Porta do Sol

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O primeiro vinho exclusivo para o Brasil da Adega Alentejana é elaborado com as uvas fernão pires e verdelho, no branco, e trincadeira, tinta miúda e castelão, no tinto, na região portuguesa do Tejo. Feito pela Quinta da Alorna, são vinhos bem focados na fruta e vendidos por R$ 36.

Estiba I

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O vinho mais básico do grupo Catena Zapata, elaborado pela Bodegas Esmeralda, chega ao Brasil em cinco opções: os tintos malbec e cabernet sauvignon, o rosado, elaborado com a uva tempranillo, e os brancos chardonnay (seco) e um sobremadurado, mais doce, feito com sémillon e sauvignon blanc. Cada um custa US$ 12,90, na Mistral.

D’Alamel

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Linha da vinícola chilena Lapostolle focada em vinhos de custo-benefício para o público brasileiro. Não é tão simples como o Porta do Sol e o Estiba I, mas foi pensado para ser a porta de entrada para o mercado brasileiro desta vinícola famosa pelo top Clos Apalta. Tem os varietais cabernet sauvignon, merlot, carmenère, chardonnay e sauvignon blanc, todos a US$ 18,90, na Mistral.

* Reportagem publicada na edição 205. Preços dos rótulos mencionados na matéria podem ter sofrido alterações.