27/01/2017 - 15:20
por Pedro Marques*
Assim como em outros movimentos culturais, a gastronomia passa por algumas fases. Exemplo disso são os ingredientes amazônicos, que começaram a ser mais usados por chefs e deram visibilidade aos Estados do Norte, como Pará, graças aos festivais e ações de divulgação da culinária paraense, que já existem há mais de uma década. Agora, é a vez de o Nordeste correr atrás desse filão e difundir suas cozinhas. E o Estado mais recente com planos para reforçar sua identidade culinária – tanto dentro quanto fora de suas fronteiras – é o Piauí. Em setembro passado, aconteceu pela segunda vez o Festival Maria Isabel, que leva o nome de um dos pratos mais emblemáticos da cozinha piauiense e tem o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). “O Maria Isabel é uma ação dentro de um projeto para fortalecer os restaurantes, mudar nossa cultura e incentivar uma gastronomia regional”, afirma Ceres Rebelo, analista do Sebrae-PI responsável por tocar o projeto.
O evento é mais do que apresentar pratos tradicionais da culinária local, como o arroz de Maria Isabel (que dá nome ao festival e leva carne de sol, pimentão, cebola e cebolinha), o pão frito (lembra um pão de queijo frito) ou a rosca salgada (feita com tapioca e parmesão). Um dos requisitos obrigatórios para participar do Maria Isabel é usar ingredientes regionais, como cajuína e carne de cabrito, em pratos originais, que são apresentados nas duas etapas do festival: a primeira, aconteceu no fim de semana dos dias 11 e 12 de setembro, quando as comidas foram servidas por até R$ 15; na segunda fase, os pratos estão sendo servidos nos restaurantes por prazo indeterminado.
Esse compromisso de usar produtos piauienses levou, na primeira edição, em 2015, à criação de pratos como a paleta de carneiro à cajuína, do Boteco; do capote (galinha-d’angola) com baião de dois, queijo coalho e farofa de coco babaçu, da Brasserie; e da canela de cabrito laqueada com rapadura, do Favorito, além de invenções de outros 15 bares e restaurantes de Teresina. “E algumas receitas fizeram tanto sucesso que os restaurantes colocam os pratos no cardápio em definitivo”, explica Ceres.
Chegar a esse ponto não foi tão simples, de acordo com a analista. “Para poder realizar a primeira edição, foi muito difícil selecionar os restaurantes, eles não queriam participar do projeto”, conta. A solução foi mostrar que o Sebrae realmente estava disposto a investir no setor de restaurantes. “Contratei uma consultoria para ajudar os estabelecimentos, para resolver desde problemas financeiros até gestão de pessoas”, diz. Foi se colocando como parceira que ela conseguiu o apoio de cozinheiros e donos de restaurantes para realizar a primeira edição, no ano passado.
Outra iniciativa foi trazer chefs de fora, que atuam como consultores dos pratos elaborados pelos restaurantes e também ministram aulas onde ensinam receitas com ingredientes do Piauí. Em 2015, quem assumiu o papel de chef-curadora foi Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, de São Paulo, e, neste ano, o trabalho ficou com Mônica Rangel, do restaurante Gosto com Gosto, de Visconde de Mauá (RJ). “Viemos reforçar o trabalho, a opinião dos chefs de fora conta à beça”, avalia Mônica. “Pessoas de renome nacional têm essa característica de agregar e fazer com que outros cozinheiros locais acreditem no evento”, opina Ceres, do Sebrae. “Isso é bom, pois reforça o valor dos produtos locais”, acrescenta a chef.
Ela e as chefs Ana Bueno, do Banana da Terra, de Paraty (RJ); Elzinha Nunes, do Dona Lucinha, em São Paulo; e Tereza Paim, do Casa de Tereza e do Restaurante do Convento, em Salvador (BA); e o chef e apresentador Dalton Rangel ensinaram a preparar pratos como pudim de azeite de babaçu e vatapá de inhame (confira as receitas aqui).
O resultado foi bastante positivo, segundo Ceres. No ano passado, foram 8 mil visitantes, número que chegou a 10 mil em 2016. Sem falar nas 25 novas receitas com ingredientes piauienses criadas para a segunda edição do Maria Isabel.
A sempre presente pimenta-de-cheiro
Com a boa aceitação, a analista do Sebrae já garante que o festival deve voltar em 2017, ainda maior. “Os restaurantes estão muito entusiasmados, devemos ter de 30 a 35 estabelecimentos no ano que vem”, afirma.
* Reportagem publicada na edição 210