por Luciana Mastrorosa

O salão do restaurante eñe, onde ocorreu o blind dinner
O salão do restaurante eñe, em São Paulo

Parte da fruição de um bom jantar está em admirar a beleza dos pratos, observar o ambiente, talheres e louças, dar uma espiada em quem está em torno. Sem o sentido da visão, como fazer? Esta foi a proposta do inusitado blind dinner, um jantar às cegas promovido na segunda-feira no restaurante eñe, em São Paulo: degustar seis pratos, todos harmonizados com vinhos da bodega espanhola Torres, usando uma venda nos olhos. “Geralmente, 55% da nossa experiência passa pela visão. Quando não enxergamos, começamos a usar mais os outros sentidos”, explicou Joan-Ramon Pujol, diretor da bodega Torres.

Os pratos servidos no blind dinner
Os pratos servidos no blind dinner

Na mesa, apenas um prato, um garfo e uma colher. Nada de facas! Para evitar acidentes, havia também apenas uma taça – trocada a cada novo vinho – e um copo pequeno para a água. Para ampliar a experiência sensorial, fomos incentivados a pegar os alimentos com as mãos. No começo, de olhos vendados, ficou difícil me situar à mesa, e notei que até as conversas no salão diminuíram. De fato, Pujol tinha razão: bastaram poucos minutos sem enxergar para que até os ruídos da cozinha chegassem até mim. Podia sentir uma certa tensão entre os convivas. Mas, depois que o vinho e as comidinhas começaram a chegar, todos ficaram mais à vontade com a situação. Sem enxergar nada, foquei minha atenção nos sons ao meu redor, no aroma e no sabor dos pratos.

Primeiro, uma batata bolinha recheada com cream cheese, seguida de anchova marinada com raspas de tomate. Tudo delicado e delicioso. Então, um tomate-cereja sem pele recheado com creme de manjericão e uma fatia de ciabata ao forno com pimentão vermelho, cebola e berinjela. Aqui, confesso que só senti o sabor do pão e do pimentão. Para acompanhar, vinhos brancos espanhois.

Vinhos tintos, brancos e de sobremesa para harmonizar
Tintos e brancos para harmonizar

O pimiento de piquillo, um tipo de pimentão vermelho pequeno e adocicado, veio em seguida, recheado com brandade de bacalhau. Para este prato, o escolhido foi um vinho tinto, a única harmonização de que não gostei muito (o peixe e o vinho, juntos, deixavam um sabor residual metálico na boca). O prato que encerrou a noite e deixou saudade foi o brioche com javali desfiado, cozido por longas horas, tão macio e untuoso que desmanchava. Para este, outro vinho tinto. Nesse momento, todos os convidados falavam alto, trocando opiniões sobre o que poderia ser aquela carne. Uns apostavam em costela de boi, outros em carnes de caça. Divertido ouvir as apostas.

Para encerrar o jantar, uma versão contemporânea do creme catalão com toque de açaí foi servida com o vinho de sobremesa. Aqui, tive uma certa dificuldade com a colher, já que o creme escorria com facilidade, sujando um pouco a mesa. Tudo bem. Nada que atrapalhasse a experiência. Ao final, fomos autorizados a tirar as vendas. Ver as luzes novamente causou uma sensação de estranhamento, como se tivéssemos acabado de despertar de um sonho. Olhando para o lado, notei que todos estavam, como eu, num estado de alegre euforia, com os sentidos mais despertos que o normal. Pudemos ver, enfim, quais pratos havíamos degustado, quais vinhos tínhados bebido. Aproveitei para tirar algumas fotos com o celular, que compartilho aqui no post.

Então, brindamos todos juntos e comemoramos o fim daquela experiência verdadeiramente interessante. E, melhor, sem quebrar nenhuma taça!

eñe
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