Por Beatriz Marques

Na edição abril/maio da revista Menu, publicamos uma entrevista com o sushiman Jun Sakamoto, um dos mais aclamados do País, em que o destaque foi a formação de um profissional da cozinha japonesa, conhecido por lá como itamae-san.

Mas a conversa com Sakamoto também mostrou seu lado empresário – além do restaurante homônimo, que completou 19 anos de vida no bairro de Pinheiros, é sócio do Junji (japonês mais informal no Shopping Iguatemi) e do mais novo J1, no Shopping VillaLobos, com abertura marcada para a próxima segunda, dia 6 de maio. “Será parecido com o Junji, mas mais barato”, comentou o chef na entrevista concedida em fevereiro.

E tem mais novidades: a convite de Rogerio Fasano, Sakamoto assina um menu exclusivo para o restaurante Crudo, que fica dentro do hotel Fasano Angra dos Reis. Entre as opções, não faltariam os aclamados sushis e sashimis do chef.

A seguir, a entrevista completa.

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O que precisa ter um excelente itamae-san (o chef da cozinha japonesa)?
Tempo. É que nem piloto de avião. Só melhora com o tempo. Você vai encontrando um monte de pequenos probleminhas e vai superando, criando suas experiências.

No caso de um itamae-san que fica no balcão, há certas habilidades distintas que precisam ser trabalhadas?
Habilidade natural que você vê aí: saber usar bem a faca, saber fazer bem o niguiri, saber cozinhar bem o arroz, conhecer todos os ingredientes, entender a particularidade de cada ingrediente. A didática japonesa é: você faz o que lhe mandam fazer. Em um primeiro momento, você aprende racionalmente como fazer aquilo. Depois, você aprende emocionalmente. Um dia, você começa a perceber que você pode fazer até melhor do que no começo, você começa a ter várias outras referências.

Você tem uma interação constante com quem está no seu balcão. Um itamae-san precisa ter essa desenvoltura?
Isso é de cada um. Tem sushiman que o objetivo dele é simplesmente fazer o melhor sushi. Pra mim, o sushi é só um pedaço da experiência. A minha busca é harmonia de tudo aquilo. Eu sei que as pessoas estão indo só pelo sushi. Eu brinco que é a isca (risos). Para quem vem pelo sushi, eu entrego todo o resto. E o objetivo é encantar as pessoas. Quando alguém me fala que ficou encantado, eu consegui o que queria.

Como se forma itamae-san no Japão?
Há várias escolas. Quando você sai, você trabalha como ajudante por muitos, mas muitos anos.

Ninguém sai da escola e vira chef?
Não, não. Bom, você pode virar, mas ninguém vai comer. Você pode abrir o seu restaurante, mas ninguém vai entrar. Porque restaurante, no Japão, e, no fundo, em qualquer lugar do mundo, quando você entra em um restaurante, uma das coisas com as quais você mais se encanta é a história. Aquilo que te leva.

Mas para pessoa que está começando, é difícil criar uma história.
A história não é do restaurante. A história é sua. Eu lembro nos primeiros dias que os meus clientes começaram a vir (ao Jun Sakamoto), eles percebiam isso. Porque quando você tem história, não tem como você não colocar a história no restaurante. Eu acho um absurdo, porque tem gente que percorre atrás de coisas erradas. Quando monta o restaurante, a única coisa que quer é o sucesso. Você não abre para o restaurante para fazer sucesso, mas sim para pagar as contas, para ter um dia a dia satisfatório, gostoso de trabalhar. E se você tiver isso e pagar suas contas, você está realizado. O resto que vier são pétalas.

Quais são as dificuldades que ainda encontra em trabalho como itamae-san?
Produtos importados. O governo não quer que entre. Porque desequilibra a balança comercial. A minha culinária é de cultura de um país do outro lado do mundo. Não dá para você ter todos os ingredientes. Nunca vamos conseguir fazer uma alga igual a de lá. Se investir, talvez daqui a 50 anos, mas acho muito difícil. A gente não tem a água gelada como tem no Japão… E é muito difícil manter um bom nível de produto. Oscila muito.

E como lida com prêmios?
Não é frescura, mesquinhez, arrogância, mas eu não me importo com os prêmios. O objetivo do Michelin é vender guias, então, tem de colocar conteúdo. E eu sou um conteúdo. É só isso. Na verdade, eu ajudo a vender o guia dele. Mas isso não me enche de orgulho. Primeiro: eu não me inscrevi. Porque, se eu vou fazer uma prova de bike, eu me inscrevo e treino para aquilo. Se eu ganho, eu me encho de orgulho. Mas se eu ganho um prêmio de uma revista em que eu não entrei para concorrer a nada, não faço a menor ideia de quais são os critérios e, quando eu vejo o mesmo prêmio sendo dado a dois restaurantes extremamente distintos, isso não tem significado nenhum.

O importante é sempre ser uma pessoa melhor. Como? Sempre perceber mais a vida, as pessoas, as relações. Ter uma vida mais gostosa. Meu maior ingrediente é o afeto. Eu gosto de receber as pessoas que voltam (ao restaurante). Eu sonho em transformar meu restaurante em um clube. Eu vou colocando na lista… Vou cobrar custos só. Todo mundo vai entrando…

Vai ter muita gente, hein?
Não sei, não. Porque ainda tem muita gente que só vai uma vez, para publicar no Instagram e falar que foi (risos).

O que você vê que mudou nesses quase 19 anos no Jun Sakamoto?
Todo dia eu penso em como melhorar. E você fica caçando percepções. Você tem de perceber o seu sushi, onde ele pode ser melhor. Você tem de perceber o seu balcão, o que pode ser melhor. Você tem de perceber sua equipe, que treinamento pode melhorar. Você tem de perceber todos os detalhes. Na música, na luz.

Qual foi a última mudança que você fez?
Troquei todo o sushi bar no meio do ano passado, tirei a vitrine de peixes e coloquei nichos. Agora nessas férias de fim de ano (de 2018), eu fiz uma mudança na parte de iluminação interna, porque eu queria deixar mais focada no trabalho

Sua trajetória também foi marcada pela Hamburgueria Nacional (entre 2005 e 2017), numa época em que não havia o conceito de hambúrguer gourmet. O que você acha que ela representou para as hamburguerias de hoje?
Acho que só representou para os clientes que iam. Não teve nenhum destaque. Acho que (o boom do hamburguer gourmet) foi um movimento natural que ia acontecer. A crise (econômica) até ajudou a acontecer mais.

E no caso do Junji? Quais os conceitos que você levou em consideração para abri-lo, já que é um restaurante de preço mais acessível?
Eu sou uma pessoa que gosta de viajar, de bons hotéis, de comer muito bem, então, com um restaurantezinho de 30 lugares trabalhando só à noite (o Jun Sakamoto), não dá para você ter essa qualidade de vida. Quando eu montei a hamburgueria (Nacional), foi puramente comercial. Era uma empresa, com processos e processos… A qualidade não é uma qualidade emocional. É uma qualidade racional. A melhor carne, o melhor jeito de fazer, ver a reação das pessoas, gostou, não gostou. Esse é o medidor para a gente calibrar e vender cada vez mais. Só que a hamburgueria ficava lotada. Foi quando eu fui trabalhar no hospital (Santa Cruz, do qual é vice-presidente, um dos seus trabalhos filantrópicos), o negócio estava com 15 mil clientes mês, 20% de lucro, não tinha o que melhorar. Aí chegou a crise e eu vi a fortuna que a gente perdeu, quer dizer, deixou de ganhar por má gestão. No final, terminou no fechamento da Hamburgueria com um prejuízo bem grande. Nesse interim, com outro sócio, abri o Junji e graças a Deus foi uma coisa que deu certo. Eu podia colocar uma qualidade de comida japonesa boa, sem ter o toque artístico e o serviço que há no meu restaurante, e guardadas as restrições de produtos muito caros. Quantas pessoas não adorariam ir comer no meu restaurante, mas não podem?

E sobre o novo restaurante, o J1, no Shopping Villa-Lobos?
Vai ser muito parecido com este restaurante aqui, só que mais barato, porque lá eu tenho mais famílias, muitos jovens, vou ter um ambiente compartilhado que dá para sentar com a galera, sabe? Como no Outback que pede aquela costela de porco e todo mundo come. E isso vai se traduzir não apenas no sushi.

A busca por ingredientes de qualidade melhorou no Brasil? O que pensa sobre a qualidade de pesca no País?
Muito fraca. Nos últimos anos, melhorou. Como os restaurantes japoneses aumentaram de volume, a exigência para os pescados frescos para poder servir cru também cresceu.

Você acredita que o restaurante japonês ajudou o brasileiro a aumentar seu consumo de peixe?
Faz uma pesquisa e pergunta assim: ‘Você consome peixe?’. ‘Consumo muito pouco’. ‘Você vai em restaurante japonês?’. ‘Ah, vou direto’. Parece que são duas coisas diferentes. Porque quando ele pensa em peixe, ele pensa na pescada assada, frita, no badejo, mas não é.

O que aconteceu com o sushi no Brasil?
Aconteceu uma coisa maravilhosa. Todo mundo gostou de comer. Isso se espalha de uma pirâmide que era minúscula e agora é enorme. Eu me esforcei muito para estar no topo dessa pirâmide. Mas esse volume, eu acho fantástico. Mesmo da forma que é executado. Eu não vejo problema nenhum. Essa mistura de cultura é a coisa mais rica que existe. Eu quero montar um restaurante de comida nipo-brasileira. Eu ouço no rádio: ‘restaurante com autêntica culinária japonesa’. Não é autêntica. E não tem problema em não ser. Quando as pessoas entenderem isso, podem focar um pouco melhor, porque elas ficam subvertendo, com sentimento de culpa pela subversão e ficam falando que é autêntico. Diz aí: ‘Eu vou subverter mesmo, vou colocar a minha identidade mesmo nessa culinária. Eu vou transformar essa culinária.’

E qual é a sua concepção de sushi perfeito?
Encanto. Porque o encanto vai além de tudo. Às vezes, você tem uma comida que está toda certa. Mas tem outras que você coloca na boca e ‘nossa!’. É aquilo que satisfaz a emoção, não só o paladar.