por Paulo Machado

Em julho deste ano, durante visita a Israel, meu amigo Michael Katz, chef e professor da Escola de Culinária Dan Gourmet, em Tel-Aviv, me convidou para dar uma aula de cozinha brasileira. Aceitei o desafio: comprei ingredientes expressivos da cozinha brasileira (farinhas de mandioca, colorau, tucupi, erva-mate, cachaça), embalei-os na mala e rumei para o Velho Mundo. O que não me dei conta era de que nenhuma desses produtos poderia ser usado na minha classe. A escola é uma das únicas no país que é 100% kosher, ou seja, só alimentos permitidos pelas leis alimentares do judaísmo podem ser manipulados e consumidos pelos estudantes.

Mesmo assim, levei os ingredientes brasileiros para apresentar aos alunos, e decidi preparar um prato capixaba delicioso que poderia ser feito com a substituição de alguns produtos: a moqueca. Troquei o óleo de urucum por uma mistura que fiz na hora com azeite de oliva e páprica doce. Temperei bem o peixe com alho, cebola, coentro, pimenta dedo-de-moça local e o tal “óleo de páprica”. Montei tudo numa panela e levei ao fogo. Depois de poucos minutos, a moqueca ficou pronta, com aroma de guisado que inebriou toda a cozinha.

Sine qua non, moqueca só existe com farofa! Num canto da cozinha, os olhos atentos de um chef proibiam-me de abrir qualquer uma das embalagens de farinha de mandioca. Do outro lado, numa bancada da cozinha, vi grandes roscas trançadas, que depois descobrir se tratar do pão challah, servido para celebrar o Shabbat Shalom (sábado de paz).

Num estalo, não tive dúvidas: pedi a um aluno para colocar fatias do pão no forno e, depois que estivessem levemente torradas, processá-las para virar fina farinha. Piquei alho, pedi manteiga e então ensinei a fazer a deliciosa receita de farofa de alho da minha avó Zizi, que servia todo sábado para a família como acompanhamento da sua saudosa feijoada. A receita levava farinha de rosca que ela preparava com pães que não eram consumidos durante a semana – em muitos lugares, eles vão parar no lixo.

Os olhares de satisfação dos comensais ao provar a moquequinha de peixe bem caldosa, sorvida pela farofa de pão, substituíram minha frustração em não poder usar meus ingredientes originais. Ao final daquela alegre aula, consegui demonstrar que, com um pouco de criatividade, pode sair da panela uma cozinha com cara e sabor: verde e amarela.