Roland Masse, o principal enólogo do Hospice de Beaune (foto: Divulgação)

Por Suzana Barelli

O enólogo francês Roland Masse se aposenta em breve com o mérito de quem soube colocar os brancos e tintos do Hospice de Beaune em seu lugar de destaque entre os vinhos da Borgonha. Principal enólogo do Hospice, uma espécie de Santa Casa francesa, Masse é responsável pelos 534 lotes de vinho que foram a leilão neste último final de semana e alcançaram uma arrecadação recorde de 8,08 milhões de euros – quase dois milhões de euros a mais do que o leitão de 2013. O valor é resultado da 154a edição do mais antigo leilão de vinhos, realizado sempre em novembro nos salões do Hospice de Beaune e, atualmente, organizado pela casa inglesa Christie’s. Participaram do evento 125 compradores de 17 países.

Em abril deste ano, tive a oportunidade de entrevistar Masse em seu local de trabalho. Lá, ele explicou, com toda a paciência do mundo, as peculiaridades desta vinícola única. Desde sua fundação, o Hospice vive de doações e, como está na Borgonha, várias destas doações são de vinhedos. Cabe a Masse administrar as vinhas, que estão indo em direção à biodinâmica, e elaborar os vinhos que, depois de vinificados, são leiloados. E aqui está a diferença do Hospice: as barricas não envelhecem em sua vinícola. Cabe ao comprador encontrar uma maison na própria Borgonha para envelhecer e engarrafar sua barrica. Masse é um dos poucos enólogos que não acompanha o seu vinho até a garrafa.

Depois da visita, escrevi esta história para a IstoePlatinum. Confira.

O vinho do leilão

A 154a. edição do Hospice de Beaune acontece em novembro com expectativa de arrecadação recorde

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Em 16 de novembro próximo, a casa inglesa Christie’s abrirá o 154o leilão dos vinhos do Hospice de Beaune com o objetivo de superar os 6,3 milhões de euros arrecadados no ano passado. É uma meta ousada, mas real, baseada na feliz união entre a qualidade do trabalho de Roland Masse, diretor da divisão de vitivinicultura do hospice, que está prestes a se aposentar, a valorização crescente dos vinhos de Borgonha e o apelo que as ações de caridade exerce nas pessoas.

A caridade está na origem destes vinhos. O Hospice de Beaune foi fundado no distante ano de 1443, uma época de miséria e fome na França, por Nicolas Rolin, chanceler do duque da Borgonha, e sua mulher, Guigone de Salins, para atender os doentes pobres da região. O hospital, uma espécie de Santa Casa de Misericórdia, vivia (e ainda vive) de doações, o que, no caso da Borgonha, significa também vinhedos. As primeiras vinhas foram dadas em 1457. “Atualmente, temos 61 hectares de vinhedos, com 31 cuvées de tintos e 13 de brancos”, explica Masse. O mais recente pedacinho de terra foi doado em 2012, na nobre Flagey-Echézeaux, elevando para 85% a porcentagem de vinhas do hospice plantadas em terrenos classificados como premier ou grand cru.

Cabe a Masse cuidar desta variedade de vinhedos, alguns com regras pré-definidas por testamento, e elaborar vinhos com a chardonnay e a pinot noir, capazes de obter altos lances do leilão anual. Não é um trabalho fácil. “São parcelas heterogêneas, pequenas, que exigem muito cuidado”, afirma ele. Para isso, ele conta com uma equipe de 23 pessoas, cada uma responsável por cuidar de, no máximo, 2,5 hectares de vinhas, que começam a ser convertidas para a biodinâmica. Masse acompanha este trabalho de perto o ano todo, desde a maneira da poda até a definição da data da colheita, e elabora os vinhos. Mas, ao contrário dos demais enólogos, Masse não acompanha o envelhecimento de seus brancos e tintos em barris.

Pela tradição do hospice, o leilão ocorre logo depois da época da vinificação e cabe aos compradores dos lotes cuidarem do amadurecimento do vinho.  O novo dono define qual négociant-éleveur (vinícola que elabora seus próprios vinhos, mas também os de terceiros) vai cuidar da bebida, que pode envelhecer de 12 a 24 meses antes de ser engarrafado. Todas as cuvées só podem sair da Borgonha depois de engarrafadas. No rótulo, elas recebem o nome de seu benfeitor – a vinha doada em 2012, por exemplo, foi leiloada como Echézeaux Grand Cru Cuvée Jean-Luc Bissey – , mas o comprador pode personalizar e colocar seu nome na etiqueta.

OS VINHOS

Os vinhos do Hospice de Beaune seguem uma cartilha sui generis, mas não são os únicos leilões de brancos e tintos ligados à uma vinícola. Em setembro, acontece a 40a edição do Nederburg Auction, na África do Sul, com safras antigas e atuais dos rótulos do país. Neste ano, foram colocados à venda 112 vinhos diferentes, em um total de quase 12 mil litros. Entre eles, o Edelkeur 1997, um chenin blanc de colheita tardia clássico da vinícola. O lance inicial da safra de 1997 era de 3 mil rand (ao redor de R$ 650).

O grupo de vinícolas portuguesas batizado de Douro Boys também tem o seu leilão. Quando a safra justifica a elaboração de um vinho único, os enólogos da Niepoort e das quintas do Vallado, da Dona Maria, do Crasto, do Vale Meão, se juntam para criar um vinho único, que será leiloado. O último foi em 2013, que  marcou a comemoração dos 10 anos dos Douro Boys.